28 maio 2012

Governança é base para contornar os conflitos de família

Dom Pedro II assinou a papelada para que a Cedro Cachoeira se tornasse uma S.A. quando o mercado de capitais ainda era acanhado, nos idos de 1883. A SulAmérica revolucionou o mercado de seguros do país. A Ypióca fez a cachaça brasileira cruzar fronteiras, deu gingado para a caipirinha, e hoje o grupo produz até medicamentos para combate ao câncer. Em comum, além da nacionalidade, essas companhias têm o fato de ser familiares e, mais, estar na quinta geração. Uma proeza e tanto num país em que a mortalidade de empresas é avassaladora, e onde apenas 1% ultrapassam a quinta geração de descendentes.

 "É a perseverança que nos fez chegar até aqui", diz Agnaldo Diniz Filho, diretor-presidente da Cedro Cachoeira, e membro da quinta geração. Ele está no cargo desde 2001 e é o 12º presidente em 140 anos. Provavelmente ficará no leme até 2013, quando completar 68 anos, e o seu sucessor será escolhido por consenso, num processo liderado pelo Conselho de Administração. Afinal, a companhia têxtil que teve seu início antes mesmo da abolição da escravatura e da invenção da lâmpada elétrica, em 1872, tem a peculiaridade de ser gerida por um acordo de acionistas.

 Chama atenção o fato de este acordo ter sido assinado por mais de 240 pessoas, fazendo com que se destaque em meio a tantos outros disponíveis nas prateleiras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do mercado de capitais. Dele, nasceu um comitê formado majoritariamente pela família e sua função é assegurar a preservação do comando como um todo e regular a relação dos acionistas, em especial em relação à alienação ou subscrição de ações. O voto deles é único.

 A união desse grupo mostra as razões pelas quais uma empresa, hoje composta por sete famílias controladoras, consegue chegar aos 140 anos em plena forma. Assim como a Cedro Cachoeira, outras empresas genuinamente nacionais conseguiram sobreviver aos laços familiares, a duas grandes guerras mundiais, e aos solavancos econômicos de um Brasil que conheceu a hiperinflação. "Essas empresas souberam ir além da gestão dos negócios, criando estruturas de poder e instâncias de governança", diz o consultor Renato Berhnoeft, fundador da höft consultoria empresarial.

 Ele cita uma pesquisa feita pela höft na América Latina, na qual identificou que 70% das empresas familiares desaparecem ou são adquiridas em razão de conflitos familiares ou societários não resolvidos. 

Para a professora Teresa Roscoe, da Fundação Dom Cabral, os dois maiores desafios das empresas familiares são justamente conseguir acompanhar o ritmo do mercado e manter o consenso entre os sócios. "Além disso, talvez um dos principais problemas dessas companhias seja a dificuldade de o próprio fundador distanciar-se do dia a dia e dar espaços para os mais jovens."

 Em geral, no caso de empresas centenárias, a primeira geração é aquela formada por imigrantes que passaram por dificuldades em seus países de origem e vieram para o Brasil atrás de oportunidades. Sabem o valor do trabalho e do dinheiro, e se empenharam a todo custo para fazer o negócio dar certo. Para ir adiante, é preciso que as novas gerações absorvam o legado deixado por essa liderança.

 Hoje, muitas dessas empresas, têm recorrido aos chamados "family offices" que, dentre outras funções, organizam eventos entre membros da família e até promovem "excursões" às fábricas para que os jovens conheçam melhor o negócio. Essa é uma das oportunidades de saber se vão querer seguir o caminho da família ou partir para suas próprias conquistas. Bernhoeft não se cansa de repetir em suas palestras que "um sócio feliz fora da empresa será um acionista muito melhor".

 Em sua consultoria, ele sempre questiona qual o projeto de vida de um herdeiro. E como exemplo, cita casos bem-sucedidos, como o de Walter Moreira Salles que, apesar de ter nascido herdeiro do Unibanco, seguiu a carreira de cineasta. Marcos Ermírio de Moraes, herdeiro do grupo Votorantim, saiu do grupo e construiu vários negócios, dentre os quais o bem sucedido Rally dos Sertões.

 Outra alternativa, segundo ele, é saber lidar com o dinheiro e poder das influências em benefício próprio. O neto de Jânio Quadros, Jânio Quadros Neto, fatura organizando a agenda de celebridades internacionais que vem ao Brasil.

 No Pastifício Selmi - que faz a farinha de trigo e as massas Renata desde 1887- a quarta geração dissipou-se. E agora apenas um dos bisnetos do fundador, Ricardo Selmi, está na empresa. A mudança de curso deu-se após a morte de seu pai, Renato, em 2001, sem deixar azeitada a sucessão. Os dois irmãos, segundo ele, não quiseram dar continuidade ao negócio e num processo bem-sucedido, mas não exatamente amigável, Ricardo arrumou um sócio e comprou a participação dos irmãos numa operação de valor não revelado.

 Desde 2005, Belarmino Ascenção Marta Júnior, seu amigo de infância e um dos donos do Grupo Belarmino, da área de transporte, tornou-se seu sócio. É ele quem toca a área financeira. Por ora, os sócios planejam encorpar a companhia e quando ela chegar no faturamento de R$ 1,2 bilhão, talvez tentar o mercado de capitais. "Fazer um IPO pode ser uma boa alternativa", diz Selmi. Hoje, a empresa fatura algo na casa dos R$ 700 milhões anuais.

 Mesmo para o mercado de capitais - mais agressivo na cobrança de resultados - a tradição de uma empresa familiar tem seu valor. A SulAmérica, fundada em 1895, fez uma oferta em 2007 e, segundo vice-presidente de controle e relações com investidores, Arthur Farme d'Amoed Neto, ser centenária e familiar contou pontos a favor. Ele diz que a empresa sempre teve sócios externos, especialmente da área financeira, e "os acionistas controladores veem a participação dos minoritários na companhia como um fator adicional ao estímulo de um permanente aprimoramento das práticas de boa governança corporativa". Por Chris Martinez
Fonte: Valor Econômico 28/05/2012

28 maio 2012



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