14 maio 2012

A boa negociação não aceita improvisos

Criatividade, flexibilidade, capacidade de reagir a mudanças e de se adaptar rapidamente aos mais diferentes cenários. Estas características, embora sejam muito valorizadas nos executivos brasileiros, podem resultar em excesso de autoconfiança e produzir um efeito colateral bastante perigoso na hora de negociar: a falta de planejamento.

Deixar para resolver as coisas na última hora, improvisar ou esperar para “ver o que acontece” antes de agir acaba inevitavelmente em negociações com resultados ruins. O reflexo dessas atitudes foi detectado pelo levantamento global realizado recentemente pela rede profissional LinkedIn com 2 mil profissionais. O estudo revelou que 21% dos brasileiros admitiram sentir medo de negociar, maior índice entre os oito países participantes.

 Para Antônio André Neto, professor e coordenador do MBA executivo em gestão estratégica e econômica de negócios da FGV Management, preparar-se adequadamente é o primeiro passo para ser bem-sucedido em qualquer tipo de negociação. Além de definir com clareza quais são seus objetivos, limites, estratégias e o que pode ser colocado em jogo, é preciso conseguir também o máximo de informações sobre quem vai estar do outro lado da mesa. “Quais os interesses dessa pessoa, qual é o local e quanto tempo terá a reunião?” são variáveis que podem fazer diferença e pegar de surpresa o executivo mais incauto. Na opinião de Neto, ouvir mais do que falar e saber fazer as perguntas certas também é essencial para conhecer melhor o interlocutor e suas motivações. “Todos os envolvidos precisam ter a sensação de que estão fazendo o melhor acordo possível.”

 Heraldo Marchezini, presidente da indústria farmacêutica Sanofi Aventis no Brasil e na América Latina, concorda. “O mais importante é entender o outro profissional e não ficar só pensando no seu lado.” O executivo fala com propriedade no assunto, pois participou ativamente da compra do laboratório Medley, em 2009. “A Sanofi foi uma empresa que cresceu com mais de 300 aquisições.”

 José Roberto Ribeiro do Valle, sócio-presidente da Scotwork Brasil, consultoria multinacional focada em negociação, afirma que outra consequência da falta de planejamento é deixar o lado emocional afetar o racional. “Dependendo do interesse, alguns negociadores podem agir de forma agressiva propositalmente para se impor e diminuir o que está sendo oferecido a eles. Isso fragiliza a outra pessoa e faz com que ela perca o controle da situação”, alerta.

 Outra armadilha é ficar sem espaço de manobra e ter que decidir sob pressão. Valle exemplifica com um caso real de um executivo que viajou para fechar a compra de uma empresa no exterior. “Ele foi recebido por um grupo que manteve sua agenda repleta de atividades, como reuniões de exposição e excursões à fábrica e à cidade. A negociação em si foi deixada para o último dia, quando praticamente já não havia mais tempo para argumentar, refletir e pensar sobre a proposta feita.”

 Para José Drummond Jr., presidente da Whirlpool na Europa, Oriente Médio e África, não concretizar um negócio precisa ser sempre uma opção possível. “Você só vai comprar bem um carro se estiver preparado para não comprá-lo. Quando se está apavorado ou precisando fechar o negócio de qualquer maneira, nunca se consegue o melhor acordo”, ressalta.

 Embora alguns profissionais tenham mais dificuldade em conduzir negociações do que outros, os especialistas afirmam que é possível praticar, desenvolver habilidades e suprir deficiências. G. Richard Shell, autor do livro “Negociar é preciso” (Negócio Editora), professor da escola de negócios americana Wharton, da Pensilvânia, e fundador e diretor acadêmico do workshop de negociação executiva na instituição, afirma que negociar é como falar em público. “Você pode fazer isso muito bem de forma intuitiva. Mas pode se tornar excelente se buscar orientação e entender como funcionam os mecanismos por trás dessas práticas.”

 Consultor, conselheiro de empresas e autor de um livro sobre o assunto, Carlos Alberto Júlio destaca que, ao se aprofundar no estudo de técnicas e de modelos de comportamento, as pessoas se sentem mais seguras e confiantes na hora de colocar as cartas na mesa. Em sua opinião, muitos profissionais conseguem se sair relativamente bem durante o processo, mas mesmo os mais experientes costumam falhar na hora crucial de “fechar o negócio”. “É essencial saber como e quando concluir um acordo. Caso contrário, corre-se o risco de se estender desnecessariamente e colocar tudo a perder. É preciso repassar os tópicos discutidos, resumir o que foi combinado, acertar os detalhes e manter o foco.”

 Com os mercados e as empresas se tornando cada vez mais globais, reuniões de negócios entre participantes de nacionalidades diversas já entraram na rotina dos executivos do alto escalão. Nesses casos, além de contar com o apoio de tradutores especializados, é essencial levar em conta os fatores culturais. “O cuidado deve ser redobrado para evitar mal-entendidos e não desrespeitar religiões, tradições e crenças”, diz Shell. Os brasileiros, por exemplo, gostam de puxar assuntos amenos no início de uma conversa para tentar “quebrar o gelo” e criar empatia antes de entrar no assunto que realmente interessa. “Já os americanos e ingleses são mais objetivos e julgam que essa abordagem mais pessoal é perda de tempo”, afirma Valle.

 O diretor-executivo da empresa de desenvolvimento organizacional Enora Leaders, João Marcelo Furlan, sentiu na pele as dificuldades e as particularidades de se sentar à mesa com profissionais de origens diferentes. Ele passou pouco mais de um ano na função de diretor de marketing e vendas da Headway Dynamics, nas Filipinas. “Comprávamos muitos componentes eletrônicos da China e tive que investir tempo para construir uma relação de confiança e aprender a jogar no campo deles.”

 Furlan conta que para os chineses negociar é quase um esporte. “Muitos vão à feira, por exemplo, apenas para colocar suas habilidades em prática, mesmo sem ter interesse em comprar nada.” O executivo, que em 2010 fez um curso de extensão no Negotiation Institute, centro de estudos dedicado ao assunto na Universidade de Harvard, afirma que tem aumentado a demanda por cursos de “negociações internas” em sua consultoria. “Com a expansão das organizações, aumentam também os atritos entre os departamentos e, consequentemente, a demanda por técnicas de resolução de conflitos.”

 A professora do Insper Azizeh Emileh, que ministra as disciplinas de negociação estratégica, gestão de conflitos e liderança, afirma que essas habilidades aparecem com mais força ao assumir um cargo de gestão. “É quando o profissional precisa mobilizar sua equipe e lidar com públicos distintos como fornecedores, clientes e os próprios pares.” Para ela, os bons negociadores não se limitam apenas à questão financeira, mas sugerem alternativas e soluções criativas. “Acrescentar variáveis e adicionar elementos diversos em um acordo ajuda a superar impasses. Além disso, com maior valor agregado, as relações se perpetuam.” 

Wilson Ferreira Jr., presidente da CPFL Energia, pensa de maneira semelhante: “A chave do sucesso em negociações difíceis é compreender os interesses e restrições da outra parte e ser capaz de criar soluções customizadas, inovadoras e diferenciadas”, diz.

 André Neto, da FGV Management: evitar situações que podem deixar o ambiente pesado ou levar o interlocutor a se ofender 

Uma vez que a maioria das negociações é feita com parceiros de longo prazo, tão importante quanto chegar a um acordo vantajoso para ambos os lados é manter o clima amistoso e positivo. Afinal, as pessoas podem acabar exagerando na defesa de suas posições em meio ao estresse do momento. “São muitas situações que podem deixar o ambiente pesado ou levar o interlocutor a se ofender. Reconstruir o bom relacionamento ao fim da conversa é fundamental para o sucesso dos encontros futuros”, afirma Antônio Neto, da FGV.

 Murilo Ferreira, CEO da Vale, acredita que o respeito sempre deve prevalecer, pois torna as relações com os stakeholders mais sólidas e duradouras. “Isso cria uma fidelidade entre as partes e abre espaço para uma troca de opiniões bastante construtiva”, explica.

 Para Jayme Garfinkel, presidente do conselho de administração da seguradora Porto Seguro, é preciso ir a um encontro desse tipo com desprendimento e não com espírito de competição. “É um erro tratar uma negociação como se fosse um jogo, que termina com um vencedor. O objetivo não é vencer uma disputa, mas fazer ajustes para chegar a uma situação desejada por todos.”

 Ainda que tenham aptidões comuns, bons negociadores precisam adaptá-las ao seu perfil profissional, ao seu estilo e aos seus objetivos. Desta forma, de acordo com G. Richard Shell, da Wharton, é possível considerar mestres nessa arte pessoas tão diferentes como Nelson Mandela e Donald Trump. O primeiro se destaca por sua integridade, persistência, paciência e paixão. “Suas habilidades como negociador fundaram uma nação.” Já o segundo, na opinião do professor, demonstra bom senso de humor, ambição, e não leva o processo nem a ele mesmo tão a sério. “Ele tem consciência do tamanho do seu ego e sabe usar isso a seu favor. Tive o prazer de lecionar para sua filha Ivanka Trump, e ela é uma negociadora ainda melhor que o pai”, revela. Por Rafael Sigollo - Executivo de Valor
Fonte: Valor 14/05/2012

14 maio 2012



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