08 setembro 2011

Quando um 'anjo' está sentado no escritório ao lado

O movimento surgiu nos Estados Unidos e, aos poucos, ganha adeptos no Brasil. Profissionais do setor de tecnologia da informação (TI) começam a ser incentivados pelas empresas onde trabalham a iniciar seus próprios negócios. O incentivo vai além das palavras de encorajamento e inclui recursos financeiros para as primeiras fases do negócio - uma das etapas mais difícil de conseguir apoio.

O modelo beneficia os dois lados. Para os funcionários, é uma chance de ir adiante com seu projeto. Já as empresas, que cumprem o papel do investidor-anjo - com pequenas quantias em projetos nascentes - é a chance de reter talentos, garantindo seu próprio ritmo de inovação, e obter participação em um negócio que pode vir a ser grande.

A Ci&T, empresa brasileira voltada à terceirização de serviços de tecnologia, com um faturamento de R$ 130 milhões, reservou R$ 2 milhões de sua receita para investir, nos próximos dois anos, em um programa de inovação, cujo objetivo é estimular funcionários a criar seus negócios de TI.

A Ci&T, sediada em Campinas (SP), já conta com 19 projetos; dois deles estão em fase de pré-lançamento
A companhia investe de R$ 100 mil a R$ 500 mil na montagem de cada novo negócio. Em troca, fica com uma pequena participação societária, que mantém por cinco a sete anos. Nesse período, a Ci&T espera que o negócio tenha alcançado tamanho suficiente para receber aportes de fundos de investimentos. No foco estão projetos de inovação em TI que não sejam concorrentes da Ci&T. "Esse modelo permite explorar negócios que não sejam prioridade da Ci&T", afirma César Gon, executivo-chefe da companhia.

A Ci&T tem 19 projetos de empresas incubadas, dos quais dois estão em fase de pré-lançamento. Uma delas é a Ipanema Games, voltada à criação de jogos para celular. Um dos títulos que alcançou sucesso é "Smelly Cat". Lançado em julho, o jogo teve 300 mil downloads até o momento. "Ia pedir demissão para me dedicar ao negócio, mas a oferta da Ci&T de fornecer a estrutura para gerir a empresa uniu o útil ao agradável", afirma Luiz Menezes, fundador da Ipanema Games.

A Concrete Solutions, consultoria de TI, adotou a mesma estratégia. Destinou R$ 2 milhões para criar o fundo Moonlight, com o objetivo de investir em novos negócios geridos pelos funcionários.

O investimento médio em cada projeto é de R$ 300 mil, sendo que o aporte mais significativo é feito na fase pré-operacional. "Com esse modelo é possível testar o produto ou serviço a ser lançado, o que reduz o custo de investimento em inovação", diz Fernando de la Riva, presidente da Concrete Solutions.

Por enquanto, existem três projetos em desenvolvimento: uma empresa de software como serviço (o usuário paga uma mensalidade para usar o programa) para a área de crédito imobiliário, outra de serviços de suporte técnico personalizado e um projeto para fornecer software como serviço a pequenas e médias empresas de varejo. "São projetos que os consultores desenvolviam em casa, mas agora têm mais chance de sucesso ao aproveitar a estrutura da companhia", afirma de la Riva.

O executivo afirma que muitos empresários veem a montagem de empresas por funcionários como uma ameaça a seus negócios. Na Concrete Solutions, afirma de la Riva, o projeto tem ajudado a reter talentos e a gerar conhecimentos para a companhia. Pelos planos, o fundo Moonlight torna-se sócio da empresa lançada, sem prazo para sair do negócio. A empresa não divulga a receita prevista para 2011, mas revela que a projeção para 2012, com os novos negócios, é de R$ 25 milhões.

Em geral, os profissionais que têm seus projetos apoiados passam a ter uma dupla jornada: continuam com suas funções nas empresas para as quais trabalham e dedicam o tempo que lhes resta a seus projetos. À medida que o negócio avança, eles se transferem para as companhias novatas.

O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), instituição independente com foco na inovação em TI, vai reservar R$ 3 milhões de sua receita anual para auxiliar os funcionários na montagem das novas empresas.

Em agosto, o CPqD realizou um workshop para 1,3 mil funcionários, que terão até novembro para submeter seus projetos. Em dezembro, a instituição planeja apresentá-los a fundos de investimento que tenham interesse em fazer aportes. Hélio Graciosa, presidente do CPqD, estima que até meados do mês ao menos 14 projetos sejam concluídos.

"O CPqD precisava de um novo vetor de inovação", afirma Graciosa. Desde que se tornou uma fundação, em 1998, após a privatização do Sistema Telebrás, o CPqD foi responsável pela criação de nove empresas no Brasil, nos Estados Unidos, em Angola e Israel - entre elas a Padtec, que atua no mercado de sistemas de comunicações ópticas na América Latina. O CPqD prevê elevar sua receita neste ano em 22%, para R$ 280 milhões.

Esse modelo de investimento é uma prática comum entre companhias do Vale do Silício, nos Estados Unidos. As novatas de TI são, em sua maioria, empresas que não tem similares no mercado, o que as tornam negócios arriscados para investidores. A escassez de investidores no Brasil dispostos a apostar em empresas iniciantes - os chamados investidores-anjo - é que tem levado as empresas do setor, que já passaram por essa fase no início de suas operações, a reinvestir os ganhos em outras iniciativas.

Muitos empresários do setor de TI observaram um aumento do interesse de investidores estrangeiros em empresas brasileiras iniciantes. Muitos, porém, têm dúvidas em investir, porque os agentes que já atuam no mercado brasileiro apostam pouco nessas empresas. As companhias de TI têm se esforçado para investir nesses negócios para acelerar o processo de consolidação do mercado e demonstrar confiança nos projetos nacionais.

Com esse foco, um grupo de 30 empresas sediadas em Campinas (SP) fundou, em janeiro, o Inova Ventures Participações (IVP), um fundo com recursos de R$ 2,5 milhões. "Somos um grupo de empreendedores que começou do zero, no início dos anos 2000, e agora tem capacidade para investir em empresas iniciantes", diz Fabrício Biosi, executivo-chefe da Movile e diretor do IVP.

O fundo faz aportes de R$ 50 mil a R$ 500 mil, em troca de uma participação minoritária, que pode variar de 5% a 30%, e permanece na sociedade por cinco a sete anos. A meta é atender a 25 empresas por ano. Aproximadamente 50 projetos já foram avaliados. "O objetivo final é que o Brasil ainda tenha muitas Buscapé", afirma Biosi. O Buscapé tornou-se uma referência ao ser adquirido pelo grupo sul-africano Naspers em 2009, por US$ 342 milhões, em um dos mais bem-sucedidos casos recentes de uma ex- novata brasileira de TI.

Fonte valoreconomico08-09-2011

08 setembro 2011



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