01 fevereiro 2012

Entenda com Dan Ariely por que irracionalidade e sucesso têm tudo a ver

A ideia é um pouco difícil de se aceitar exatamente porque nos consideramos racionais, intuitivos e infalíveis. Porém, não se surpreenda se as palavras de um dos principais porta-vozes da Economia Comportamental no mundo modificarem essa convicção

Um desses acasos do destino colocou-me frente a frente com Dan Ariely em sua recente visita ao país, por ocasião do Fórum de Gestão e Liderança da HSM Brasil, em 2011. O que era para ser uma entrevista formal tornou-se um descontraído bate-papo no qual o divertidíssimo autor de "Previsivelmente Irracional" e "Positivamente Irracional" falou sobre motivação, família, trabalho e, claro, irracionalidade.

Vários autores exploraram recentemente o tema irracionalidade em suas obras, como Malcolm Gladwell ("Blink, a decisão num piscar de olhos"), Stephen Dubner e Steven Levitt ("Freakonomics" e "Superfreakonomics"), e Tim Harford ("The Logic of Life"). O que há de comum ou diferente nessas obras?

Os outros autores que escrevem sobre a irracionalidade preocupam-se se o copo está meio cheio ou meio vazio em vez de se preocuparem com o copo. Pense em "Freakonomics": fizeram um estudo com lutadores de sumô mostrando que eles trapaceavam um pouco. O fato de trapacear um pouco não significa que trapaceiem o tempo todo, mas que eles não são totalmente honestos. Os lutadores respondem aos seus incentivos. O meu interesse é estudar por que eles não trapaceiam o tempo todo. Por que trapacear só um pouco?

Sim, a racionalidade diz que eles deveriam trapacear o tempo todo...

O problema é que os outros livros abordam o comportamento através de uma perspectiva de racionalidade, considerando que as pessoas são perfeitamente racionais. Os estudos mostram que as pessoas são influenciadas por forças racionais. Não acho que elas não sejam, mas as forças racionais não mostram o quadro inteiro. Muita coisa fica sem explicação.

Em seu primeiro livro, Tim (Harford, "The Logic of Life") diz que tudo o que fazemos é otimizado. Já o novo ("Adapt: Why Success Always Start with Failure?") busca algumas explicações em experimentos. Quando você faz um experimento, já parte do princípio de que as coisas não são otimizadas. Porque, se você tem que testar, significa que não é perfeito e que você não pode confiar na sua intuição.

A Economia é um modelo de aprendizado. O mercado e o ambiente lhe forçam a aprender de forma a atingir um ponto ótimo. Você precisa aprender mais e precisa ser sistemático na sua forma de aprender. A Economia Comportamental está mostrando que as pessoas têm uma intuição ruim e, numa situação dessas, têm que se esforçar mais para aprender.

Em seu novo livro, "The Predictioneer's Game", Bruce Bueno de Mesquita diz que tudo o que fazemos é racional, mas, pelo fato de não entendermos as motivações das pessoas, dizemos que é irracional.

Eu não gosto dessa definição. Acho que há um problema em dizer que tudo o que as pessoas fazem é racional. Dizer que fazer alguma coisa aumenta a sua utilidade é diferente de dizer que é racional.

Recentemente fiz um trabalho com propagandistas médicos da Indústria Farmacêutica. Nos Estados Unidos, normalmente, são mulheres e muito atraentes. Frequentemente pagam almoços e entradas para jogos de basquete aos médicos. A Indústria sabe melhor do que os médicos que tipos de incentivos funcionam e, assim, exercem influência sobre eles. Os médicos pensam que, quando os propagandistas lhes pagam o almoço, não estão exercendo influência sobre eles. Seria tolo achar que eles entendem isso. As evidências mostram que os médicos não percebem quando estas forças estão agindo.


Você diz que os médicos não veem a influência agindo. E você, vê? Você percebe quando não está sendo racional?

Não, em vários momentos. Eu me preocupo muito com conflitos de interesses, por exemplo, porque eles dizem muito sobre o comportamento irracional. Envolve sermos pagos para vermos as coisas de uma maneira diferente. Vemos as coisas de forma diferente, mas não percebemos isso quando fazemos algo porque recebemos para isso. Se você torce para um time, consegue ver um jogo de futebol de forma objetiva? Claro que não. Com médicos, banqueiros e políticos, não dá para acreditar que possam fazer melhor.

Vou contar-lhe uma história: eu estava fazendo um experimento no laboratório e esperava ter um resultado interessante. Num dos grupos, havia um sujeito que teve uma performance péssima, prejudicando a média do grupo todo. E eu me lembrei que, neste dia, havia um senhor que estava bêbado. Então, eu percebi que este ponto fora da curva era o bêbado e pensei: "Vamos eliminá-lo". Quando eu removi seus dados – BUM! – os resultados ficaram do jeito que eu queria. Alguns dias depois, eu pensei: "O que aconteceria se aquele cara estivesse no grupo?". A outra média ficaria mais baixa e os resultados seriam ainda mais interessantes.

O problema é que, quando eu eliminei aquele voluntário, achei que estava servindo à Ciência. Na minha cabeça, os dados estavam melhores sem ele do que com ele. Eu estava fazendo o trabalho de Deus no progresso científico, manipulando os dados para se encaixarem na minha expectativa e inventando histórias para remover os obstáculos. E, realmente, temos alguns indícios que apontam que as pessoas criativas trapaceiam mais.


Porque eles têm incentivos maiores?

Porque eles conseguem inventar histórias melhores para si mesmos.

Os bônus funcionam dessa forma.

Bônus, claro. Imagine que eu lhe pague um milhão de dólares cada vez que você escrever uma matéria boa sobre o Governo. Você escreveria uma porção de coisas boas. É muito complicado!

Claro que você pode tirar pessoas bêbadas de um experimento, mas essa regra tem que ser definida antes. Você não pode fazê-lo depois de ver os resultados. Então, eu tenho regras bem específicas sobre meus conflitos de interesses. Eu nunca faço consultoria. Se eu for pago por uma empresa, deixarei de ver as coisas objetivamente.


Num artigo recente ("Good Decisions, Bad Outcomes, Harvard Business Review", dezembro de 2010) você mencionou outro pesadelo dos administradores: a aleatoriedade. Como você acha que as pessoas estão preparadas para lidar com a aleatoriedade em suas vidas?

Terrivelmente. Nós simplesmente não somos bons em lidar com o acaso. Imagine que você está num campo e tem que chutar uma bola de olhos fechados. Se você introduzir alguma aleatoriedade, todo o seu poder de previsão se acaba.

Isto se chama aprendizado de múltiplas causas. Imagine que eu te dê uma lista de filmes, diga quanto dinheiro foi gasto em cada um deles, quanto arrecadaram na primeira semana e lhe perguntasse qual seria a receita ao final de um ano. Se você deixar que as pessoas façam isso de forma intuitiva, dando algumas variáveis, elas se saem muito bem. Se você fizer isso algumas vezes, vai ficar bom. Adicione aleatoriedade e todo mundo se perde. Não dá para pensar num modelo que incorpore a aleatoriedade. Nós buscamos padrões o tempo todo. Olhamos para uma nuvem e vemos uma figura.


Você deu um exemplo pessoal de como a irracionalidade pode afetar o seu lado profissional. Mas como isso acontece dentro da sua casa, quando você vê seus filhos se comportando de forma irracional? Você os corrige ou acha que isso é parte do aprendizado?

Algumas irracionalidades são boas. Não acho que todas sejam ruins. A forma como nos preocupamos com estranhos, por exemplo, é irracional. Não faz sentido algum. Se tudo o que você quer é ser rico, por que se preocupar com as pessoas no Japão?

Então, eu encorajo este lado irracional. Meu filho de oito anos e eu acabamos de escrever o nosso primeiro artigo juntos sobre o jogo "Angry Birds". Perguntamos por que os pássaros se comportam de forma diferente se são todos iguais.

Então, basicamente, eu tento incentivar o comportamento irracional. Minha esposa e eu discordamos às vezes. Recentemente, por exemplo, meu filho fez um projeto para a escola que levou uma semana. O professor disse: "se você fizer isso e aquilo, ganha um A; se fizer menos, ganha um B; menos ainda, um C, e assim por diante". Eu disse para ele: "tire um C". O esforço extra não compensa, se você considerar custo e benefício. Minha esposa detestou isso...


Muitas vezes os incentivos podem sair pela culatra. Que tipos de incentivos você acha que funcionam?

Pessoalmente, eu tento não dar às crianças qualquer incentivo financeiro. Não acredito em dar trocados por tarefas. Eu tento mostrar o lado positivo das coisas que fazem em família. Tento não dar dinheiro para lavar a louça ou levar o lixo para fora, senão vira uma simples troca financeira e sua casa se transforma numa empresa.

Parte do seu novo livro trata sobre novas descobertas a respeito da motivação. É a motivação das pessoas que está mudando ou só agora estamos fazendo as perguntas corretas a respeito?

É a motivação que está mudando. Pense no que fazíamos quando éramos caçadores e coletores, lá na Idade da Pedra. Havia uma limitação na quantidade de motivação que você poderia ter. Além disso, as pessoas não viviam muito tempo.

Uma mudança dramática no atual cenário foi o surgimento de uma classe média. Pense nos pequenos luxos que você pode conseguir agora. Você pode comprar um telefone, um computador e uma porção de outras coisas legais. A vida está muito diferente. Isso realmente mudou a motivação.

Escrevi recentemente sobre a utilidade das coisas inúteis. Imagine que eu começasse a vender garrafas cheias de ar. Uma coisa inútil, mas que as pessoas começassem a gostar. Então elas passariam a trabalhar mais para conseguir comprar. E, no final das coisas, essa coisa inútil teria uma utilidade, que seria fazer as pessoas quererem trabalhar mais. O fato de haver um monte de coisas inúteis que você queira comprar já muda a sua motivação.


Você mencionou as novas pesquisas que está fazendo. Como vai a "teoria do homem das cavernas"?

Ela gira em torno da forma como as pessoas adoram a palavra "natural". No Brasil também é assim?

Sim, bem parecido.

Você pega um remédio, acrescenta a palavra "natural" e aí as pessoas acham que ele é melhor. Basicamente, o que estamos descobrindo é que as pessoas não acham que o medicamento é melhor para tratar a doença. Elas pensam que ele tem menos efeitos colaterais, especialmente os de longo prazo.

Pensam que ambos os remédios são como uma engrenagem que pode substituir outra, defeituosa, mas que o natural não vai destruir o restante das peças da máquina. E, por isso, as pessoas estão mais inclinadas a tomar medicamentos naturais, mesmo que não estejam aprovados pelas autoridades sanitárias. Isso pode ser altamente prejudicial.


Você acha que isso pode ser usado de forma negativa?

Acredito que este movimento de coisas naturais está amedrontando as pessoas para direcionar seus comportamentos.

É assim que agem os movimentos ecológicos?

Não necessariamente. Pense nos desastres nucleares. Há um risco muito pequeno de que alguma coisa ruim aconteça, mas as pessoas têm um medo gigantesco disso. Mas, na sociedade atual, isto (a energia nuclear) é necessário. Então, o desafio é fazer as pessoas entenderem o tamanho real do risco que enfrentam. Você não imagina a quantidade de cartas que comecei a receber depois que falei sobre esse assunto.

Posso imaginar, se for algo comparável ao caso dos dentistas (Ariely deu uma entrevista numa rádio na qual disse que os dentistas tinham incentivos perversos para achar problemas nos dentes de seus pacientes).

(Risos) Isso foi uma das piores coisas da minha vida. Depois dessa entrevista, o chefe do Conselho local me escreveu uma carta exigindo uma retratação. Eu respondi que não dava para retratar a verdade.

Se você mostrar uma radiografia para um dentista, com uma cárie num dente, e pedir que ele encontre uma cárie neste dente específico, ele a encontrará. Se você pedir a outro dentista que encontre alguma cárie na radiografia, ele também a encontrará, mas em outros dentes. A chance de dois dentistas encontrarem a mesma cárie no mesmo dente é de 50%.

Nesse episódio, o Diretor da Associação Americana de Dentistas escreveu um e-mail para 165 mil dentistas pedindo que me escrevessem pessoalmente. Eu recebi milhares de e-mails. Alguns deles diziam: "você está correto, realmente existe esse problema e algo precisa ser feito. Eu não posso lhe dizer o meu nome, mas desejo-lhe boa sorte!".


Dan, muito obrigado por seu tempo e pela agradável conversa.

Também gostei muito! Você curte charadas?

Quando respondi que sim, Ariely enroscou um pequeno bastão de metal amarrado a uma cordinha na minha camisa e desafiou-me a desenroscar a geringonça sem cortar o fio (foto acima). Disse-me para escrever depois contando quanto tempo levei para realizar a tarefa. Confesso que precisei de um par de horas para desatar o nó...
Por Rodolfo Araújo, Revista Administradores

01 fevereiro 2012



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