23 janeiro 2012

Compra de usinas endividadas substitui construção de novas unidades

Em dois anos, 41 usinas de cana-de-açúcar foram compradas e número de projetos novos despencou; mercado vê outra onda de aquisições e nenhuma inauguração em 2012

No início da década passada, a família que controlava a usina Zanin, em Araraquara (SP), decidiu aproveitar o momento favorável e investir em uma nova unidade, que estava sendo montada – e oferecida – por um banco. “Os bancos perceberam que os usineiros estavam pouco endividados em comparação com o quanto faturavam e ‘enfiaram’ projetos novos para eles”, lembra um ex-sócio. A crise internacional chegou, a confusa gestão familiar não ajudou – eram 39 donos – e a dívida da empresa, que era de R$ 30 milhões em 2005, chegou a R$ 300 milhões em 2009.

O caso da usina paulista, que acabou comprada pela gigante Cosan, ilustra um fenômeno que acometeu o setor nos últimos três anos. “Muitas usinas ficaram endividadas demais na mesma época”, diz Sergio Prado, analista da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA). “Quando veio a crise e a oferta de crédito secou, elas não conseguiram rolar as dívidas e se tornaram inadimplentes. A solução foi vender”, explica.

O mesmo aconteceu com o grupo Santelisa Vale, que pertencia a uma família tradicional de Ribeirão Preto (SP), mas acabou vendido para a francesa Dreyfus; ou com o Moema, que precisou vender cinco de suas seis usinas para outra gigante internacional, a Bunge; ou com as unidades da Cerradinho (SP) que foram parar nas mãos da Noble Group, com sede em Hong Kong; ou com as duas usinas do grupo Brenco, que tiveram problemas antes de ficarem prontas e acabaram compradas pela ETH, controlada pelo grupo Odebrecht.

No ano passado, 15 usinas de açúcar e etanol foram negociadas no Brasil, segundo a consultoria KPMG. Quando somados os últimos dois anos, o número sobe para 41 unidades. “A quantidade de vendas que vimos acontecer nos últimos três anos, acreditávamos que ocorreria em duas décadas”, afirma Prado. “A crise de crédito talvez tenha sido o principal fator que explica esse processo”, diz.

Como resultado, os dez maiores grupos do setor já concentram mais de um terço da produção nacional (veja infográfico abaixo). Além disso, cerca de 25% dessa produção está na mão de grupos estrangeiros que compraram usinas no País – em 2006, esse índice ficava em 6%.

Enquanto isso, a inauguração de novas unidades despencou. Na safra 2008/2009, foram construídas 34 usinas, número que caiu para 19 no período seguinte, depois para dez e pode chegar a zero este ano, segundo fontes do setor. A paulista Dedini, uma das principais "fábricas de usinas" do País, não tem nenhum projeto encomendado para 2012. Antes da onda de aquisições, a empresa vendia 24 usinas completas por ano. "As fusões mudaram o perfil do setor", diz Sergio Leme, presidente da companhia.


Os números do setor

“Quem compra uma usina quebrada normalmente quer otimizar aquele ativo e fica sem capital para construir uma nova”, afirma Leme. "Tivemos uma queda forte de faturamento desde 2008. Esperamos por uma recuperação, que talvez venha mais para o final deste ano. Teremos novos projetos sendo decididos em 2012, coisa que não acontecia desde 2008”, afirma.

Para tentar estimular novos investimentos no setor, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) recentemente inaugurou uma linha de crédito para os usineiros. Mas o banco tem apenas dois projetos de usinas novas registrados em sua carteira, informa um comunicado da associação ProCana, que publica o anuário do segmento.

Para os especialistas, a questão tem dois lados. “Uma aquisição significa que um determinado grupo gastou dinheiro na compra de uma unidade, portanto não deve construir uma usina nova. Dessa forma, as aquisições não aumentam tanto a produção do País”, diz Prado, da UNICA. O mercado brasileiro precisa de 35 bilhões de litros de etanol por ano, mas a produção ficou em 22,8 bilhões de litros em 2011 – uma queda de 17% em relação à safra anterior. “Por outro lado, a consolidação cria um setor mais forte, com empresas mais robustas”, diz.

"Somos partidários e defensores das fusões e aquisições, porque é melhor que o país tenha empresas fortes e com tecnologia avançada. A consolidação aumenta rentabilidade do setor”, diz José Carlos Grubisich, presidente da ETH, que construiu duas usinas em 2011, mas não deve montar nenhuma neste ano. “Vai continuar havendo um movimento acelerado de consolidação. Em 2012, muita gente vai procurar um sócio com capacidade de investimento. Nosso radarzão estará ligado para encontrar bons ativos”, afirma.

Hoje, 150 grupos controlam as 425 usinas do país. Apontamentos do mercado mostram que, na próxima década, o número de grupos deverá cair para 50 ou 60. “O mercado especula que pode haver outra onda de fusões e aquisições em 2012, mas acho prematuro dizer agora”, afirma Prado.

O fator Ometto
A Cosan, maior produtora de açúcar e álcool do País, foi também o grupo que mais cresceu via aquisições. “Para mim, o Rubens Ometto [fundador da empresa] é o maior fator de consolidação do setor. Ele é um ‘avião’. Saiu comprando antes de todo mundo e mostrou aos grupos que era um caminho possível”, diz um usineiro. O recém-lançado Anuário da Cana 2011 traz nota onde informa, citando “fontes do setor”, que a Cosan quer comprar dez usinas nos próximos quatro anos. Procurada pelo iG, a empresa não concedeu entrevista sobre o tema.

Usina da ETH, inaugurada em dezembro: "nosso radar está ligado para aquisições em 2012", diz presidente

O mesmo anuário afirma que, até 2015, os estrangeiros irão dominar 40% da produção de etanol brasileira. A UNICA não confirma a previsão, mas o interesse dos grupos internacionais, principalmente petrolíferas e grandes negociantes de commodities, tem contribuído para a consolidação do setor. Além das compras já efetuadas pela Dreyfus, Bunge e Noble Group, a própria Cosan associou-se à Shell, na criação da Raízen.

A British Petroleum também chamou a atenção do mercado no ano que passou. Em 2011, a petrolífera inglesa investiu cerca de US$ 800 milhões na compra de usinas no Brasil. Adquiriu unidades importantes, como as da CNAA (em Goiás e Minas Gerais) e a Tropical (em Goiás). "A BP acredita que os biocombustíveis farão parte de um mercado global. A consolidação no Brasil aumenta a competitividade das empresas, pois neste setor a larga escala é chave", diz Mario Lindenhayn, presidente da BP Biofuels. "Para que o etanol se torne uma commodity global, é importante que sua produção esteja consolidada", afirma.

Numa coisa, todos parecem concordar: o Brasil precisa produzir mais etanol. Construir novas usinas, claro, não é a única forma de expandir a produção. Muitas unidades têm capacidade ociosa, ou seja, se ampliassem a lavoura, produziriam mais. Só que isso tem uma limitação. A distância entre a moenda e o final do canavial não pode ultrapassar 30km, aproximadamente, ou os custos de transporte ficam muito altos. Assim, o avanço do etanol depende bastante de novas unidades. O mercado avalia que o biocombustível só voltará a ser competitivo quando a produção crescer e alcançar a demanda, forçando os preços para baixo. “A oferta precisa dobrar na próxima década”, estima Prado. Por Pedro Carvalho
Fonte:iG23/01/2012

23 janeiro 2012



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