27 setembro 2012

A nova cara da Hypermarcas

Por quase quatro anos, a empresa foi voraz ao fazer 23 aquisições. Agora, começa a eliminar gorduras e dar bons resultados operacionais. Os investidores estão gostando

Nos últimos quatro meses,Claudio Bergamo, presidente da Hypermarcas, mudou radicalmente seu estilo de vida. Aos 47 anos, ligeiramente acima do peso, decidiu que era hora de cuidar da saúde. Passou a seguir à risca uma dieta indicada por uma nutricionista. Reduziu a ingestão de gorduras, aumentou o consumo de frutas, legumes e verduras. Deixou de comer massa e arroz no jantar. E começou a se exercitar. Três ou quatro dias por semana pratica tênis, corrida, natação ou anda de bicicleta. O esforço tem dado resultado: ele perdeu dez quilos nesse período. E rejuvenesceu um bocado.

 Bergamo personifica a nova fase da companhia que comanda. Depois de abocanhar quase tudo o que havia no mercado – um investimento de R$ 8,4 bilhões na aquisição de 23 empresas entre 2006 e 2010 –, a Hypermarcas vive agora uma fase de mudança de hábitos. A começar pelo fim das compras. Bergamo afirma que a Hypermarcas não fará nenhuma aquisição nos próximos cinco anos. “A fase atual é a do crescimento orgânico, com rentabilidade e geração de caixa”, diz. A ordem é priorizar as áreas de consumo e farmacêutica, mais rentáveis, depois de eliminar os ativos dos segmentos de limpeza e de alimentos. “Há mais espaço para crescermos em itens como fraldas, remédios e esmaltes.” Se as previsões do comandante estiverem certas, a empresa, cuja receita foi de R$ 3,3 bilhões em 2011, dobrará de tamanho até 2017.

 Até agora, os resultados, ainda incipientes, parecem agradar aos investidores. Neste ano, até o dia 29 de agosto, data de fechamento desta edição, as ações da Hypermarcas subiram 58%. É uma das cinco maiores altas da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) em 2012. O otimismo existe apesar do prejuízo líquido de R$ 29,9 milhões no segundo trimestre, divulgado em agosto.

Por quê? Os analistas que acompanham o papel gostaram da melhora dos indicadores operacionais, como o aumento da receita, o crescimento na geração de caixa e a elevação da margem de lucro (ver quadro ao lado). “O resultado confirmou a nova fase da Hypermarcas”, disse o analista Iago Whately, em relatório para o Banco Fator.

A maioria dos analistas está otimista com o plano traçado por Bergamo e equipe, formada, em sua maioria, por ex-consultores da McKinsey. O presidente, também um ex-McKinsey, acreditava que o conhecimento dessa turma em processos de reestruturação de empresas seria vital para a nova fase da companhia. Além dos consultores, juntaram-se ao time os executivos Nicolas Fischer, ex-presidente da Nivea, e Luiz Violland, que ocupava a presidência da Nycomed.

Se o intuito era reforçar as áreas de consumo e farmácia nada melhor do que arrebanhar dois especialistas nestes assuntos. O ambiente interno é de otimismo, sobretudo após a resposta positiva do mercado aos movimentos atuais da companhia. Dois avisos pregados na porta da sala da presidência resumem a ópera: “Problema não, só solução” e “Notícia boa, qualquer hora”.

 Depois de decretar o fim da temporada de compras, Bergamo dividiu o trabalho dessa turma em quatro fases.

As duas primeiras – a preservação da participação de mercado das marcas compradas e o corte de custos – já estavam em curso desde o ano passado. Ao mesmo tempo, a empresa endureceu a negociação com fornecedores e se desfez de três importantes negócios: a Etti, de alimentos, a palha de aço Assolan e as marcas Assim e Mat Inset. Levantou R$ 450 milhões com a transação. Na redução de custos, centralizou as atividades de apoio, passando a tesoura nas áreas de informática, contabilidade e recursos humanos. Bergamo não revela a quantidade de demissões – o número deve ser divulgado no fim do processo. No primeiro momento, as equipes de vendas foram estrategicamente preservadas.

O plano é reduzir os investimentos apenas para manutenção – de R$ 80 milhões a R$ 100 milhões por ano, metade do que era antes – e cortar tudo o que for possível na área operacional, mas sem sangrar a companhia. Algo similar ao que Bergamo fez com o próprio rosto há um ano. Passou a lâmina e tirou a barba que já era sua marca registrada. Curiosamente, os dois projetos principais da companhia foram batizados de Matrix e Magnum – o nome das lâminas de barbear da marca Bozzano (comprada da americana Revlon em 2008).

O estágio atual – a terceira fase – é de reorganização de fábricas. No projeto Magnum, voltado à farmacêutica (medicamentos sem prescrição médica, genéricos e similares), tudo já foi implementado. A produção de seis fábricas foi concentrada em apenas uma, na cidade de Anápolis (GO). Lá estão as instalações reformadas e ampliadas do laboratório Neo Química, adquirido no fim de 2009. O Matrix, por sua vez, atacará a divisão de consumo, responsável pelos produtos de beleza e higiene pessoal. O projeto começou neste ano e deverá ser concluído em junho de 2013.

Das 13 fábricas iniciais, ficarão apenas quatro. Será preciso também estender para essa divisão a mudança mais delicada e dolorosa feita até agora: a adoção de uma nova política comercial. Quando a empresa reduziu prazos de pagamento (de 230 para 119 dias) e aumentou os preços dos produtos farmacêuticos, a chiadeira dos clientes foi inevitável. Boa parte simplesmente parou de comprar. Os varejistas deixaram os estoques no limite mínimo, esperando que a empresa cedesse à pressão e voltasse a dar os antigos descontos. Bergamo não recuou e a empresa acusou o golpe.

 O ano de 2011 foi o reflexo dessa nova política comercial e da elevada alavancagem financeira da empresa. Depois da euforia com a montanha de aquisições, vieram a má digestão e a ressaca. Não teve Estomazil nem Engov (dois medicamentos da companhia) que dessem jeito. As ações despencaram 63% e o lucro líquido foi de R$ 49,6 milhões, 41% menor do que o de 2010.

O que deu errado? A cúpula da empresa diz que “estava tudo dentro do planejado”. O mercado não enxergou bem assim. A Hypermarcas se endividou bastante para comprar a farmacêutica Mantecorp, no fim de 2010. A alavancagem financeira ficou pesada. A conjuntura também não ajudou. A economia deu uma baqueada no ano passado e refletiu nas vendas do varejo. A geração de caixa perdeu ritmo. (Infográfico: Flávia Marinho)





TRABALHO INTERNO
Sem a ajuda de novas empresas para fazer o bolo crescer, a Hypermarcas pretende tirar o máximo de valor dos ativos atuais. A começar pelo marketing. As marcas estão passando por uma repaginação. Novas embalagens, novos logotipos, nova comunicação no ponto de venda e mais e mais investimentos em publicidade.

Em 2011, a Hypermarcas gastou R$ 530 milhões em propaganda, e foi o 25º maior anunciante do país. A companhia já patrocinou times de futebol (o Corinthians é um deles), contrata atores e modelos famosos para seus comerciais (Xuxa, Mariana Ximenes e Hélio de La Peña são alguns exemplos) e coloca no rádio e na TV jingles de gosto duvidoso, mas que cumprem seu papel: grudar na cabeça do consumidor. O próprio Bergamo é coautor de alguns, como os mais recentes do Engov (em ritmo sertanejo-universitário) e do xarope Maracugina, aquele que deixa todo mundo calminho, calminho.

Outra estratégia é resolver a sobreposição de marcas unificando dois ou mais nomes na mesma embalagem. O processo é conhecido no mercado como “dual brand”. Isso já foi feito com os absorventes Única, Silhouette e Discreet e nas fraldas para adulto Bigfral e Affective. Nos casos em que cada marca atende um tipo de público, todas serão mantidas. É o que acontece com os adoçantes Finn, Doce Menor e Adocil. Bergamo explica que mercados emergentes como o Brasil têm muita volatilidade, por isso é importante estar em todos os segmentos de renda. “Isso permite fidelizar o consumidor em diferentes momentos. Se a economia desacelera, quem compra o produto premium passa a comprar o intermediário e quem comprava este desce para o básico. Estando em todos, você não perde mercado.” Há também o investimento em novos produtos, principalmente na área farmacêutica – 170 medicamentos estão na fila de espera para registro na Anvisa.

 Com o fim das compras, é hora de crescer organicamentee dobrar de tamanho até 2017 Além dos investimentos em mar­keting, a Hypermarcas planeja fincar sua estratégia nos custos baixos de produção e na capilaridade na distribuição (50 mil farmácias e 700 mil pontos de venda no varejo). Bergamo pretende fazer com que a companhia seja “uma forte geradora de caixa e distribuidora de dividendos”.

Que tal ser também a maior indústria farmacêutica e de bens de consumo do país? “Queremos ser a melhor. Ser a maior é uma conse­quência disso.” O objetivo é crescer, mas de forma saudável e sem solavancos. Serão cinco anos de atenção e esforço redobrados. Se conseguir capturar todas as sinergias e alcançar a meta, a empresa tem a missão de desenvolver o novo ciclo de crescimento após-2017. “Seremos uma companhia com pouca dívida e dinheiro em caixa”, diz Bergamo. Ficará a cargo do fundador – João Alves de Queiroz Filho, conhecido como Júnior, – pensar que caminho tomar.

Investir mais para crescer ou aumentar a distribuição de dividendos? A pergunta começa a ser respondida a partir de 2015, quando um novo planejamento estratégico será desenhado. O que se sabe é que Júnior terá 64 anos. Além de apostar na profissionalização da empresa, ele tem preparado suas três filhas para uma possível sucessão. Até lá, para manter a boa forma, nem Bergamo nem a Hypermarcas poderão sair da linha.

 Quando a Hypermarcas comprou a Assolan, pertencente à Unilever, a marca valia R$ 30 milhões. Ao vendê-la, no ano passado, a Assolan já faturava R$ 500 milhões

A DIETA PARA CONTINUAR CRESCENDO 

Fase 1 Preservar o negócio

  • Proteger o market share e as vendas 
  • Adequar os sistemas :: Reter talentos 
  • Definir estratégia das marcas 

 Fase 2 Ganhos rápidos 

  • Redução de despesas de vendas, gerais e administrativas 
  • Aumento de produtividade na planta 

 Fase 3 Ajustes operacionais 

  • Reestruturação das fábricas 
  • Redução dos custos de matéria-primae empacotamento 
  • Redução dos custos de logística 

 Fase 4 Estratégia de produtos

  • Investimentos em marketing 
  • Aumento da distribuição 
  • Lançamento de produtos e extensão de marcas 

 por RAQUEL SALGADO
Fonte: Revista Época Negócios 27/09/2012

27 setembro 2012



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