28 novembro 2011

A nova era das fusões e aquisições

Passou o tempo em que havia espaço para a criação de empresas como Ambev e BRF Brasil Foods. Com a nova lei do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o País se alinha aos sistemas da Europa e Estados Unidos, onde empresários sequer ousariam propor negócios que levem a concentrações como as das empresas acima.

Mas a nova lei não é importante apenas por isso. A mais radical transformação virá com a inversão dos incentivos motivacionais das empresas, ao encararem a necessidade de levar seus negócios ao Cade.

No regime legal anterior, as empresas consumavam os negócios e somente então levavam a operação ao conhecimento do Cade. Nessa ocasião, porém, com frequência, as partes já haviam concretizado ações irreversíveis, de modo que restava pouco espaço para futuras intervenções do órgão de concorrência.

O incentivo estratégico das empresas era informar o mínimo possível. Apresentavam seus mercados de forma irrealmente ampla, para reduzir suas participações e, com isso, a concentração resultante do negócio. Quanto mais demorasse o caso, melhor, porque mais difícil se tornaria a reversão. Enquanto isso, donas que já eram do negócio adquirido, consolidavam-no o mais possível, para criar um fato consumado.

As decisões do Cade demonstram que, apesar de se ter avançado ao longo do tempo, o órgão teve de se contentar com o que era possível, tal qual o pai que resmunga, quando o genro lhe pede a mão da filha, já em gestação, meses após consumado o casamento.

As coisas mudaram, porém. A começar porque nenhum negócio sujeito a controle poderá ser consumado sem autorização prévia do Cade. E a rebeldia das empresas que resistirem a levar seus negócios ao conhecimento do Cade - e a aguardar aprovação - trará riscos de grande monta para as partes envolvidas.

A nova lei declara nulos os atos que forem consumados sem prévia aprovação do Cade. Em outras palavras: quem comprou, não será dono; quem vendeu, terá de devolver o que recebeu; e os prejuízos causados a terceiros terão de ser indenizados. E isso sem falar das multas.

Embora antes a demora interessasse, agora a urgência há de imperar. A avareza no fornecimento de dados se transformará em prodigalidade. Quanto mais detalhado o requerimento inicial, menor o risco de a autoridade solicitar informações adicionais e de haver atraso na consumação do negócio.

Ao se darem conta desses impactos, empresários se apavorarão ao saber das limitações de recursos materiais e humanos com as quais o CADE tem convivido. Hoje, o Cade conta com menos de 80 servidores, contra os mais de 1100 da Federal Trade Commission, seu par norte americano.

Será o Cade capaz de resolver casos complexos, no prazo de 240 dias imposto pela lei? Afinal, esses processos hoje duram mais de dois anos! Para quem teme o novo regime, melhor seria que não, vez que o transcurso do prazo sem decisão levará à aprovação tácita do negócio.

Mas não se enganem, já que a resposta à pergunta é simples: sim, indubitavelmente, o Cade dará conta de sua tarefa. E a razão para isso é mais simples ainda: bastará negar aprovação ao negócio, imputando às empresas o ônus de terem sido incapazes de demonstrar a improcedência das objeções levantadas pelo órgão.

Por isso, veremos uma nova situação, com empresários ávidos por levar negócios ao Cade, sempre que o risco de nulidade ameaçar os benefícios por eles visados. Mais ainda, é provável que vejamos empresários pressionando o Governo para alocar mais recursos ao Cade, para que ele melhor possa desempenhar suas funções.

Sei que a descrição acima sobre os efeitos da nova lei do Cade pode parecer ingênua a muitos. Devo confessar que posso ter exagerado nas cores, mas estou certo de que o novo controle de fusões e aquisições significará, sem sombra de dúvida, uma radical transformação no ambiente de negócios brasileiro.

Há questões importantes ainda sem resposta, no que toca à interpretação da nova lei. Sua implementação submeterá o Cade a intensa crítica. É natural, porque o controle de concentrações econômicas, quando realizado antes que as operações se consumem, repousa em análises de efeitos futuros, sempre preditivas, estimadas. É um universo onde impera a incerteza, no qual as decisões jamais podem ser deduzidas matematicamente, por mais que se procure na matemática e na estatística uma base analítica aceitável para justificar esses juízos prospectivos.

Sem prejuízo de todos esses desafios, do ponto de vista do que interessa - que é a defesa da concorrência - veremos autoridades melhor aparelhadas, oxalá capazes de cumprir suas funções com mais eficiência. Por Sérgio Varella Bruna, sócio De Lobo, De Rizzo advogados.
Fonte:estadão28/11/2011

28 novembro 2011



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