21 novembro 2016

Incertezas e negócios

O mundo está prestes a entrar numa era de incertezas. Por um período de aproximadamente três décadas, os empresários puderam contar com algumas estrelas guia para nortear suas estratégias.

Diplomatas e negociadores reduziram e simplificaram as barreiras ao comércio internacional. Os bancos centrais foram capazes de manter as taxas de inflação em patamares mínimos. Autoridades do mundo inteiro negociaram tratados multilaterais sobre o meio ambiente.

Instituições globais, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), garantiram a segurança na Europa. Agora, porém, esses pontos de referência estão indo pelos ares, um após o outro.

Enquanto isso, Donald Trump monta de afogadilho um programa de governo. De uma hora para a outra, o republicano se deu conta de que a reforma do sistema de saúde americano, aprovada em 2010 e conhecida como Obamacare, não é tão ruim assim. Boa parte do muro que ele dizia que iria construir na fronteira com o México será, na verdade, uma cerca. Antes, o normal era que o presidente eleito assumisse o cargo com um programa de governo razoavelmente bem detalhado.

Trump chegará à Casa Branca com algumas anotações rabiscadas no verso de um envelope amarrotado.

Do outro lado do Atlântico, o Brexit abriu uma caixa de Pandora: ninguém sabe se o Reino Unido abandonará o mercado comum europeu ou tentará se tornar um “membro associado” da União Europeia. A Suprema Corte do país ainda não decidiu até onde vai a participação do Parlamento nas negociações.

Uma das principais promessas dos políticos populistas é fazer a economia voltar a crescer em ritmo acelerado. Trump anunciou que pretende adotar uma política econômica de inspiração “reaganiana”, com redução de impostos e ampliação dos gastos públicos. Seus aliados europeus, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, e aspirantes a aliados, como a francesa Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional, acenam com propostas semelhantes.

Outra promessa que esse tipo de líder costuma fazer é a de submeter a capital político-administrativa de seus respectivos países a uma grande faxina, acabando com o “mar de lama” e expondo elites que só agem em proveito próprio à sanha vingativa do povo. No entanto, a incerteza econômica, que freia o crescimento, geralmente impede que os populistas consigam honrar sua primeira promessa. E o fato de que as empresas tendam a se defender das incertezas gastando a rodo com lobistas pode levar ao descumprimento da segunda.

Por ora, os estímulos prometidos por Trump vêm tendo recepção surpreendentemente positiva em Wall Street: desde a eleição, o mercado acionário americano registra altas expressivas.

Economistas consultados pelo Wall Street Journal melhoraram um pouco suas projeções e agora acham que, com o estímulo fiscal, a economia dos Estados Unidos talvez cresça 2,2% em 2017 e 2,3% em 2018. Mas é possível que esse otimismo seja apenas temporário.

O estímulo fiscal de Trump pode se mostrar nocivo, caso produza déficits mais elevados nas contas públicas e leve, por conseguinte, à alta nas taxas de inflação e de juros. Outras medidas com que o presidente eleito se comprometeu durante a campanha, como a imposição de barreiras às importações e o combate ferrenho à imigração ilegal, afetarão negativamente a atividade econômica se vierem mesmo a ser implementadas.

Simultaneamente, a incerteza política fará com que as empresas avancem em sentido oposto àquele em que se esperaria que o estímulo as fizesse avançar.

Enquanto permanecerem inseguros quanto ao futuro, os empresários evitarão realizar investimentos que não possam ser facilmente revertidos.

Em 2015, três economistas – Scott Baker, da Kellogg School of Management da Universidade Northwestern, Nick Bloom, da Universidade Stanford e Steven Davis, da Booth School of Business da Universidade de Chicago – elaboraram um índice de incerteza em relação a políticas econômicas, por meio do qual é possível monitorar essas duas variáveis. O indicador, cujos dados remontam aos anos 80, mostra que altos níveis de imprevisibilidade governamental caminham de mãos dadas com baixos níveis de investimento no setor privado e taxas de crescimento econômico menores.

As empresas têm uma desculpa para adiar decisões, em especial as que miram o longo prazo, como o investimento em maquinário ou a contratação de funcionários em caráter permanente no lugar de trabalhadores temporários.

As incertezas em relação às ações governamentais elevam o custo do capital, uma vez que aumentam os riscos de calote. O consumo recua, pois as pessoas preferem poupar em vez de comprar, por exemplo, uma máquina de lavar ou um carro novo.

Os efeitos podem ser particularmente negativos para as empresas de segmentos menos competitivos, em especial para as do setor industrial. Por sua vez, em áreas mais dinâmicas, como a de tecnologia, é grande o incentivo para que, a despeito das incertezas, as companhias continuem a investir, sob pena de serem superadas por seus concorrentes, observam Mihai Ion, da Universidade do Arizona, e Huseyin Gulen, da Universidade Purdue, no artigo Policy uncertainty and corporate investment (Incerteza governamental e investimento corporativo), publicado este ano na Review of Financial Studies.

Empresas da “velha economia”, que dependem de grandes investimentos em bens de capital – justamente o tipo de companhia que parece contar com a preferência de Trump – são as que mais tendem a pisar no freio, acelerando o declínio.

Criaturas da lama. As incertezas também tendem a fazer com que o mar de lama fique ainda mais enlameado. Um texto para discussão de autoria de Pat Akey, da Universidade de Toronto, e Stefan Lewellen, da London Business School, divulgado em novembro de 2015, com o título de Political uncertainty, polítical capital and firm risk taking (Incerteza política, capital político e disposição empresarial para assumir riscos), enfatiza a estreita relação que se estabelece entre as incertezas quanto às políticas governamentais e as tentativas que as empresas fazem para aumentar sua influência política.

Quanto mais sensíveis a mudanças nas políticas públicas, maior o montante que as companhias destinam a doações eleitorais, na esperança de contribuir para a eleição de candidatos que aumentem seu capital político.

Quando os resultados eleitorais são favoráveis, cresce consideravelmente a disposição para assumir riscos e realizar investimentos de longo prazo.

Com o Partido Republicano prestes a assumir o controle da Casa Branca e de ambas as casas do Congresso, os integrantes do establishment republicano em Washington estão muito bem posicionados para faturar com as instabilidades políticas. Trent Lott, que já foi líder do partido no Senado e atualmente trabalha para a firma de lobby Squire Patton Boggs, declarou ao New York Times: “O presidente vai precisar de pessoas que o conduzam pelo mar de lama, explicando se faz para entrar nesse pântano e como fazer para sair.

Estamos preparados para ajudá-lo nisso”.

Essas pessoas também estão em ótimas condições para lucrar com o fato de que Trump tem em sua equipe um número bem menor de veteranos experimentados nos meandros da politicagem de Washington do que tinham seus antecessores mais recentes na época em que estavam prestes a assumir a presidência. Os escritórios de lobby já se oferecem para ajudar os neófitos do novo governo a elaborar normas e projetos de lei.

Tudo indica que os populistas colherão algumas vitórias importantes nos próximos anos. Nos EUA, oferecendo um período de isenção fiscal e, em seguida, alíquotas mais baixas, Trump talvez consiga persuadir as grandes corporações a repatriar vários bilhões de dólares. No Reino Unido, acordos com multinacionais, nos moldes excepcionais do negócio fechado em outubro com a Nissan, garantindo que, mesmo com o Brexit, a montadora japonesa realize grandes investimentos no país, produzirão sentimentos positivos em boa parte do empresariado.

A eliminação de uma série de exigências burocráticas fará a alegria das pequenas empresas. Apesar disso, é preciso lembrar que as incertezas estarão pressionando as coisas em sentido oposto. Os cofres das empresas ficarão cada vez mais abarrotados.

Unidades fabris e máquinas envelhecerão e ossificarão. Tipos como Lott ficarão ainda mais ricos e mais autocomplacentes. A era das incertezas também será uma era em que os fatores negativos se retroalimentarão.  - O Estado de S.Paulo Leia mais em portal.newsnet 20/11/2016

21 novembro 2016



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