05 setembro 2011

Uma fusão improvável no varejo

Como dois empresários com fama de teimosos conseguiram se entender para juntar Drogaria São Paulo e Pacheco

SÃO PAULO - Foi uma fusão improvável, que deixou donos e executivos das maiores redes de farmácias do País surpresos na tarde da última terça-feira. Muita gente sabia que os sócios das drogarias São Paulo e Pacheco tinham um "namoro" de longa data, mas poucos acreditavam que as conversas culminariam, enfim, na união das duas empresas. Com dois negociadores tão parecidos – famosos pelo estopim curto e pela teimosia –, a sensação era de que eles jamais conseguiriam se entender.

"Os dois são osso duro de roer. Imagino que tenha sido muito difícil, porque nenhum dos lados gosta de ceder", diz Mauro Pacanowski, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-executivo do setor. Uma fonte próxima aos empresários recorre a uma comparação: "É como se dois Abilios Diniz tentassem fechar negócio".

Inesperado, mas eles conseguiram. Na semana passada, os dois grupos anunciaram a criação de uma rede de 691 farmácias e faturamento de R$ 4,4 bilhões, considerando-se os últimos 12 meses encerrados em junho. A família Barata, dona da carioca Pacheco, terá participação de 51%. Os 12 sócios da Drogaria São Paulo ficam com 49% do negócio e indicam o presidente, Gilberto Martins Ferreira. Por enquanto, a gestão será compartilhada.

Chegar a esses termos foi uma tarefa desgastante. Samuel Barata, dono da Pacheco, e Ronaldo Carvalho, acionista majoritário da São Paulo, sentaram à mesa de negociação pela primeira vez em setembro do ano passado, cada um com a intenção de comprar o outro.

Veteranos no ramo, Barata e Carvalho já se conhecem há tempo, mas as trajetórias das empresas só se esbarraram pela primeira vez em 2003. Naquele ano, o controlador da Drogaria São Paulo foi assediado por representantes de um empresário fluminense que queria comprá-lo. Carvalho tem certeza de que se tratava do dono das Drogarias Pacheco. Barata nega até hoje.

A onda de consolidação nas farmácias voltou a unir os empresários há um ano. Foi Carvalho quem fez o primeiro contato. De lá para cá, eles se encontraram ao menos uma vez por mês no Rio e em São Paulo. Para o mercado, eles teriam ficado nessa "ad eternum" se os concorrentes não tivessem se mexido antes. No início de agosto, Droga Raia e Drogasil se fundiram, criando uma gigante do setor, com receita de R$ 4,3 bilhões nos 12 meses encerrados em junho.

Carvalho e Barata tiveram de se apressar. O sócio da Drogaria São Paulo cedeu ao aceitar ser minoritário e abrir mão de uma briga pessoal. Dono de 80 dos 348 imóveis da rede paulista, Carvalho conseguiu convencer todos os outros proprietários a ajustarem seus aluguéis pelo IPC da Fipe. "Levei anos para conseguir isso e, quando estávamos prestes a fechar a fusão, vejo que a Pacheco só usa IGP-M. Foi um stress pessoal", conta o empresário, que há 15 anos se impôs a quixotesca missão de extinguir o IGP-M, da FGV.

Mesmo desconfortável com a situação, Carvalho aceitou se render ao índice da FGV. O que desde o início ele não queria abrir mão era de brigar pela liderança do setor. Em 2007, a Drogaria São Paulo foi desbancada pela rede cearense Pague Menos e só conseguiu retomar a posição no ano passado, com a aquisição da rede Drogão.

Carvalho sempre teve certa obsessão pelo primeiro lugar. Em 1994, quando chegou pela primeira vez ao topo do ranking, após passar a Drogasil, ele fez questão de bancar um comercial gravado nos Estados Unidos em que comparava sua rede a coisas gigantes, como a uma sequoia, a maior árvore do mundo. "Provocar um concorrente não tem preço", diz o empresário, que tem outra frase bem-humorada para se referir aos rivais: "Concorrente bom é concorrente morto".

Briga. Não é preciso muito para descobrir que Ronaldo Carvalho gosta de uma briga. Quase todo dia ele escreve para jornais e revistas para reclamar sobre os mais diversos assuntos. "Inflação, procriação e educação são meus temas preferidos", diz.
A postura belicosa não está restrita às ofensivas na imprensa. No mercado, Carvalho é um concorrente provocador. A entrada da Drogaria São Paulo em Fortaleza, território da Pague Menos, é exemplo disso. Um dia, durante uma conversa com Deusmar Queirós, dono da rede cearense, Carvalho ameaçou entrar no Ceará se a Pague Menos se instalasse em São Paulo. "Era só um blefe, mas, quando ele se instalou aqui, tive de levar até o fim." A São Paulo abriu duas lojas em Fortaleza, mas acabou processada por dumping, em função dos descontos que praticava. A operação foi encerrada em 2010.

O sócio da São Paulo também experimentou desse veneno. Quando comprou nove lojas de uma rede de farmácias em dificuldade no Rio de Janeiro, recebeu a notícia de que Samuel Barata estava rumo à capital paulista. No ano seguinte à entrada de Carvalho no mercado fluminense, a Pacheco abriu 23 unidades em território paulista.

A chegada a São Paulo fazia parte de um projeto de expansão iniciado alguns anos antes. Mas é no Rio de Janeiro que a Pacheco é praticamente onipresente. Nesse mercado, nenhuma outra rede conseguiu fazer sombra à sua presença até hoje.

Nascido em uma família pobre de Belém (PA), o empresário Samuel Barata, hoje com 80 anos, tinha quase 50 quando começou a erguer seu império, ao comprar uma tradicional farmácia carioca, localizada no centro da cidade. Empreendedor nato, àquela altura já era dono de vários imóveis, de uma concessionária de carros, de uma construtora e da distribuidora de medicamentos Jamyr Vasconcellos.

Barata ainda é o presidente da Pacheco e, apesar da idade, acompanha o dia a dia da empresa, interferindo ativamente na área comercial, o que lhe deu fama de centralizador. Magro, estatura mediana, cordato e falante, Barata é conhecido pelo bom papo de vendedor. Mas não gosta de aparecer. Desde o sequestro que provocou a morte do irmão, em 1994, nenhum membro da família dá entrevistas ou aparece na imprensa. Barata, em especial, tornou-se muito reservado.

É mais fácil encontrá-lo numa farmácia do que nos eventos do setor. "Ele adora fazer visitas surpresa às unidades para sentir o pulso e inspecionar a concorrência", conta Mauro Pacanowski. Há quem diga no mercado que ele ainda pega o telefone para negociar o preço de remédio com os distribuidores.

Contratado em 2002 para o cargo de superintendente da Pacheco – na única vez que a rede teve um executivo fora da família no cargo –, Ari Girotto relativiza a fama: "Ele gosta de participar e isso dá muita agilidade à companhia". Girotto ficou quatro anos e meio no cargo. Sua principal função foi reestruturar os processos da empresa, dando mais transparência à gestão. "Naquela época, não se discutia IPO, entrada de sócio ou de fundo. A empresa estava sendo preparada para perpetuar", diz Girotto.

Sua saída foi vista pelo mercado como uma tentativa fracassada de profissionalizar a gestão. "Não houve rota de colisão, como dizem no mercado, mas divergências de ideias. Saí para tocar projetos pessoais", diz o executivo. Com a saída de Girotto, Barata, pai de quatro filhos, voltou ao cargo. A filha Helena é a vice-presidente. "Samuel não sabe delegar, não fez seu sucessor", diz o dono de uma grande rede de farmácias.

Desafio. O novo sócio admite que a postura de Barata é um desafio para a fusão. "É difícil soltar a cria. Isso ele vai ter que aprender", diz Carvalho. Embora também tenha fama de centralizador, Carvalho deixou oficialmente a operação da rede em 2001, quando profissionalizou a gestão.

Formado em engenharia mecânica pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), o empresário substituiu o pai na empresa na década de 70, quando a família tinha 18% de participação na rede de farmácias e dividia o controle com outros 31 sócios. Persistente, Carvalho comprou a participação dos outros acionistas até chegar aos 80%.

Juntar empresas com culturas tão distintas não será uma tarefa fácil. Mas o maior desafio mesmo será manter a liderança num mercado cada dia mais competitivo. As farmácias, que até pouco tempo atrás eram uma espécie de patinho feio do varejo, entraram no radar de grandes cadeias de supermercados e de investidores financeiros.

Em junho, a novata Brazil Pharma, do banqueiro André Esteves, lançou suas ações na bolsa. Na última quinta-feira, a cearense Pague Menos anunciou que também pretende abrir o capital, num sinal de que vai reagir ao movimento das concorrentes. A julgar pelo ritmo do mercado, imprevisível mesmo fica o ranking do setor.
Fonte: OestadodeSP05/09/2011

05 setembro 2011



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