05 setembro 2011

Prontos para a oportunidade

O empreendedor brasileiro é hoje capaz de explorar as oportunidades de uma economia mais madura.

Bons exemplos mostram que aliar ótimas ideias às melhores práticas de gestão, governança e estratégia pode, além de potencializar o crescimento, atrair investidores como parceiros no alcance das metas de negócio.

Sem dúvida, a imagem do Brasil melhorou ao longo das últimas duas décadas. Para chegar onde está, o País trilhou caminhos que lhe
garantiram estabilidade econômica e distribuição de renda, permitindo a ampliação e o fortalecimento do mercado interno, além de um ambiente menos vulnerável às oscilações internacionais. Agora, o desafio é alavancar condições que incentivem a atividade empresarial a deslanchar. Chegou a vez de o espírito empreendedor nacional se revelar.

Um estudo realizado em 80 países mostra que o País já está entre as 10 nações mais empreendedoras do mundo. Os números do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) revelam que mais de 21 milhões de brasileiros estavam à frente de algum empreendimento em 2010. A mesma edição mostra que o perfil de quem parte para o desafio de conduzir um negócio próprio no País mudou. O espírito empreendedor agora é muito mais orientado pelas oportunidades que uma economia forte desperta do que pela busca de uma mera alternativa de remuneração. “Somos empreendedores natos”, sintetiza Romeu Herbert Friedlaender Junior, economista e integrante do Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP), responsável pelo projeto em âmbito nacional. A pesquisa também mostra que, em relação à edição anterior, de 2002, os empreendedores valorizam hoje muito mais a inovação como uma condição para empreender.

Para o País, a ampliação da capacidade empreendedora é essencial. Para Fernando Dolabela, consultor-associado da Fundação Dom Cabral, é muito importante unir pessoas e ambientes favoráveis ao empreendedorismo. Segundo ele, ainda mesmo longe do ideal, a desburocratização de alguns processos e o estabelecimento de regulamentações mais propícias às micro e pequenas empresas são fundamentais. Dolabela enxerga no empreendedorismo uma maneira de estabelecer um novo conjunto social no País. “É uma importante forma de promover um fortalecimento das bases sociais do País, sem vínculos assistencialistas”, descreve. E o melhor, a partir da adoção de práticas maduras de gestão, as empresas, especialmente as emergentes, serão capazes de atrair investimentos, que vão ajudá-las a crescer e a desenvolver suas próprias ideias.

Da ideia à maturação do negócio

Depois do estabelecimento de uma base sólida para desenvolver seus projetos, o desafio seguinte que aparece aos pequenos e médios empreendimentos é a necessidade de expansão. Para Alex Borges, sócio da Deloitte e especialista no atendimento às empresas emergentes, há três pilares que devem ser levados em consideração, principalmente por aquelas enraizadas em uma cultura empreendedora e que buscam um crescimento rápido: governança, gestão e estratégia. A partir deles, devem ser explorados pontos como relacionamento e fidelização de clientes, investimento na gestão de recursos humanos e estruturação e fortalecimento dos controles internos.

“O momento é propício para ações arrojadas por parte do empreendedor”, aponta Borges.

“Nos últimos anos, houve uma mudança e maio disponibilidade de capital para impulsionar boas ideias”, revela. Mais do que investir no próprio negócio, ao fortalecer esses pilares, os novos negócios passam a ser mais do que uma simples ideia e começam a atrair o interesse de possíveis parceiros, como fundos de investimentos, que podem colaborar na gestão e ampliação de um bom conceito.

Alex Todres e Bob Rossato são exemplos de que construir e fortalecer uma boa ideia têm poder de atração. Com experiência em agências de viagens que atuam via internet, eles resolveram empreender um projeto que teve início no começo de 2009. Por intermédio de um amigo, chegaram a investidores e, com um plano de negócio bem estruturado os convenceram de que, por trás dos números da apresentação em PowerPoint, existia um mercado rentável. Nesse momento, o fundo norte-americano Travel Investment Technology injetou US$ 1 milhão na proposta, o que garantiu o lançamento da ViajaNet, agência online, em novembro daquele mesmo ano.

Na essência, além do espírito dos empreendedores o negócio trazia uma visão de mercado que direcionava ações para uma melhor experiência de usuários situados nas emergentes classes C e D que, depois de adquirirem seus primeiros computadores, começavam a consumir por meio da internet e utilizar serviços até então pouco acessíveis, como passagens aéreas. O mercado ainda pouco explorado no Brasil e o mapeamento de uma potencial base de clientes fizeram com que, pouco tempo após o início da operação, a ViajaNet passasse por uma nova rodada de investimento, desta vez, por parte do grupo espanhol IG Expansión. “Seria muito importante contar com um crescimento gradual e sustentável”, explica Alex Todres, um dos sócios-fundadores. “Quando se entra na mira dos fundos de venture capital, é importante crescer muito e rápido”, justifica. Seis meses após a segunda rodada, a ViajaNet triplicou de tamanho. A velocidade chamou a atenção de mais interessados. Em junho deste ano, a agência divulgou um terceiro aporte, desta vez, de US$ 19 milhões, vindo dos fundos norte-americanos Redpoint Ventures e General Catalyst.

Não foi apenas dinheiro que os investidores colocaram. Veio junto muita experiência trazida de mercados que já passaram pelos estágios que se vivenciam agora no Brasil. Além disso, há uma presença e cobrança por parte deles proporcionais aos recursos alocados. No final de 2009, o faturamento já era de R$ 55 milhões. Hoje, a agência conta com 150 funcionários e pretende encerrar o ano com R$ 200 milhões de faturamento, além da expectativa de iniciar operações em países da América
Latina, como México, Argentina e Colômbia.

Os fundos e os seus alvos


O exemplo da ViajaNet mostra uma faceta do empreendedorismo emergente no Brasil, que exige maior profissionalismo na gestão para uma inserção mais acelerada na economia global e, sobretudo, para ampliar as chances de se tornar atraente para investidores.

O estudo “Tendências Globais em Venture Capital”, realizado pela Deloitte em junho de 2011 com o apoio da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), mapeou o investimento dos fundos no País. “Fundos procuram novos mercados para remunerar seu capital em melhores alternativas que as existentes nas economias mais maduras”, analisa José Paulo Rocha, sócio-líder da área de Corporate Finance da Deloitte. Muito dessa avaliação está na perspectiva dos fundos que operam no País na recuperação do mercado de capitais e na retomada das ofertas primárias de ações (Initial Public Offerings – IPOs, na sigla em inglês), uma importante estratégia utilizada pelos fundos para obter remuneração após investirem recursos e atuarem na gestão de ideias promissoras.

Além do dinheiro, os fundos de investimento proveem experiência no desenvolvimento, ajudam a revisar estratégias e a dar condições para a profissionalização da empresa.” José Paulo Rocha, sócio-líder da área de Corporate Finance da Deloitte

Para eles, a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) é uma das três mais promissoras para as IPOs nos próximos cinco anos. “Claramente, no Brasil, existem alguns setores privilegiados para investimento”, opina José Paulo. A pesquisa aponta que a intenção dos fundos que operam no Brasil é ampliar o investimento (ver gráfico nesta página) nos setores de tecnologia e energia limpa, serviços de saúde e novas mídias – entre elas, as redes sociais – e nas estruturas para computação em nuvem (acesso remoto a dados).

No caminho dos fundos

Muitas vezes, faltam um plano de negócio e o desenvolvimento de um raciocínio claro. O mercado precisa acreditar nisso para aportar dinheiro.” Aldo Ramos, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)

A partir da análise da intenção dos fundos no País, é importante entender a dinâmica de operação do modelo de negócio para contextualizar a sua relevância dentro do cenário de empreendedorismo e inovação do País.

As funções clássicas de um fundo consistem em criar negócios e times para administrá-los de maneira estratégica, monitorar processos, criar valor e garantir financiamentos para, em um prazo de três a cinco anos, obter retorno sobre o investimento por meio de mecanismos de liquidez, entre eles, as IPOs ou uma venda estratégica. Isso tem um efeito catalisador nas estratégias das empresas, trazendo mecanismos para realização de planos do empreendedor, e na consolidação do negócio.

“Além do dinheiro, eles proveem experiência no desenvolvimento, ajudam a revisar estratégias e a dar condições para a profissionalização da empresa”, enumera José Paulo, da Deloitte. “Há momentos em que um empreendedor sozinho não é mais capaz de fazer o negócio manter o ritmo de crescimento. De certa forma, os fundos contribuem nesse passo”, avalia.

Viabilizadores da expansão

Normalmente, empreendedores nacionais autofinanciam-se. “Mas isso está mudando”, comenta Friedlaender, do IBQP. O fato pode ser observado na postura dos candidatos que tentam incubar projetos com um perfil cada vez mais voltado para o cenário global no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (CIETEC). Sérgio Risola, diretor-executivo do centro de incubação, que abriga cerca de 150 start-ups de 21 áreas de conhecimento, diz que a busca por apoio para consolidar novas ideias vem aumentando. “Ainda há alguns pontos de resistência e empreendedores tentando conduzir tudo de forma individual, mas, nos últimos anos, a busca por alternativas de parceria para o crescimento vem se acentuando”, declara. Um trabalho de desenvolvimento para estimular a necessidade de contar com parceiros e, além de tudo, estar com o modelo de negócios apto a receber e atrair investimentos vem sendo conduzido pelo CIETEC, pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), pela BM&FBovespa e pelo Instituto Endeavor. “Uma empresa que nasce em uma das incubadoras no Brasil passa a perceber que atrair recursos externos é fundamental para colocá-la em um patamar que garanta alavancagem mercadológica”, aponta.

Foi esse pensamento que levou a Mundo Verde a dar um passo importante em sua trajetória. Fundada no final dos anos 80, em Petrópolis (RJ), por empreendedores que perceberam uma lacuna de mercado relacionada aos seus hábitos de alimentação saudável, a rede de franquias de produtos naturais chegou a um dilema, pressionada por não ter um modelo com base no varejo e até mesmo sucessores para conduzir o negócio.
A solução, posta em prática em agosto de 2009, foi a venda para quem conduzisse e respeitasse a filosofia que havia sido construída. Entre os requisitos, estava a operação por modelo de franquia, que já contava com 125 unidades espalhadas pelo País. O atual CEO da Mundo Verde, Sergio Bocayuva, participou, na época, como conselheiro dos fundadores na busca por investidores. “Apresentamos a empresa a seis investidores”, recorda Bocayuva. “A maior oferta não foi a vencedora, mas aquela que respeitava o espírito do empreendimento”, completa.
Adquirida pelo fundo de private equity Axxon Group e por outros quatro executivos, entre eles o atual CEO, a Mundo Verde ainda conta com a presença de seus fundadores no dia a dia da empresa, que hoje atuam como consultores e guardiões da marca.

Na ocasião da chegada do fundo, a empresa contava com 19 colaboradores. Em quase dois anos, o número chegou a 55. A base franqueada, que crescia em torno de quatro lojas por ano, foi multiplicada por dez, ultrapassando 180 unidades em operação. A Mundo Verde fechou 2010 com um faturamento acima de R$ 180 milhões, desempenho 21% superior ao registrado no ano anterior. A projeção para 2011 é de um incremento de 16% nos negócios. “Além disso, hoje, temos todos os regimes de um processo de governança pleno, com auditoria, conselhos de administração e consultivo e plano de negócios”, explica Bocayuva.

A estratégia que levou a Mundo Verde a ser uma referência em alimentação saudável contempla ainda investimentos superiores a R$ 5 milhões em estruturação, incrementos de gestão, suporte à rede franqueada e fortalecimento da marca. Com metas claras para o médio e longo prazos – um dos requerimentos mais comuns dos fundos para entrar em um negócio –, a empresa espera atingir R$ 550 milhões de faturamento em 2015, quando pretende contar com 450 lojas no modelo de franquias.

Os passos incluem, ainda, adquirir fornecedores, verticalizar o negócio e montar uma estrutura de holding, seguindo uma cartilha que conduz a uma IPO em um prazo de cinco a sete anos.

Recursos para empreender

O crédito passou a ser uma modalidade muito mais acessível às empresas e até mesmo aos empreendedores. Investimento produtivo, por outro lado, é uma decisão estratégica que fortalece a empresa e adiciona potencial de crescimento sustentável de longo prazo. “Para um bom projeto ou produto posicionado em mercado crescente e que apresente oportunidade de saída com boa liquidez para o investidor certamente não vai faltar recurso de capital de investimento”, resume Sidney Chameh, presidente da ABVCAP, citando que não é tão simples achar um empreendimento que apresente claramente esses fatores. “Talvez o que falte não sejam ideias, mas organização”, julga Aldo Ramos, economista e assessor da área de Capital Empreendedor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Muitas vezes, faltam um plano de negócio e o desenvolvimento de um raciocínio claro. O mercado precisa acreditar nisso para aportar dinheiro”, acrescenta.

Uma importante lição aos empreendedores brasileiros na busca de alavancagem externa é a necessidade de um diálogo com investidores em momentos decisivos para o crescimento, e não quando o negócio apresenta dívidas ou problemas, alerta Marcos Simões, do Instituto Endeavor, ONG que promove o tema no País.
Ele também se mostra bastante otimista com o aprendizado que os empreendedores nacionais têm conseguido assimilar. “Nos próximos cinco anos, veremos uma escalada desse mercado no Brasil, e isso, invariavelmente, fará com que tenhamos mais micro e pequenos negócios se tornando grandes empresas”, aponta. Por Felipe D. Koch
Fonte: MundoCorporativonº33Julho-Setembro2011 DeloitteToucheTohmatsu

05 setembro 2011



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