25 novembro 2015

O 1º trimestre de 2016 será a 'hora da verdade'


Hora da verdade, ponto de decisão. As nomenclaturas podem variar um pouco, mas o
primeiro trimestre de 2016 é aguardado com ansiedade por analistas econômicos e políticos.
O cenário mostra que neste período o mercado de trabalho mostrará plenamente os efeitos da
recessão, os preços estarão ainda altos e o cenário de "dominância política" deverá persistir, impedindo que a agenda fiscal avance no Congresso.

Com a inflação elevada e desemprego crescente, a "sensação térmica" da população
sobre a economia pode piorar sensivelmente nos primeiros três meses do ano que vem, avaliam economistas do Comitê de Acompanhamento Macroeconômico da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que se reuniram ontem no Valor.

Para eles, esse cenário será importante tanto para o Banco Central quanto para o quadro político. Quando a sensação de bem-estar da população efetivamente se deteriorar, restará ver de que forma isso afetará os preços sobretudo do setor de serviços, que insiste em não ceder e os ânimos. Entre os que acompanham a política, existe a sensação de que, se o governo superar o primeiro trimestre, a
hipótese do impeachment da presidente Dilma Rousseff perderia força. Para alguns dos economistas, isso pode ter relação com esse momento em que vai "cair a ficha" da população.

A avaliação geral é que, embora as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) mostrem redução mês a mês, o fundo do poço ainda está longe. "É um situação de dominância política", resume Luiz Fernando Figueiredo, sócio-diretor da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central, em brincadeira sobre o debate em torno da tese de que o Brasil estaria em dominância fiscal.

"O lado político não está dando espaço para que questões como rigidez dos gastos, excesso de indexação da economia e aumento de despesas sejam resolvidos. Nós temos o diagnóstico, sabemos o que precisa ser feito, já estamos sofrendo os efeitos Vera Brandimarte, do Valor e Denise Pavarina, da Anbima (ao centro), conduzem debate com os economistas do comitê da entidade: Honorato, da Bram; Figueiredo, da Mauá; Carvalho, do BNP e Kawall, do Safra da crise, mas estamos dominados por essa situação de impasse do lado político, que não permite enxergar melhora", diz.

A deterioração marcante das expectativas é um sintoma desse impasse. As instituições que compõem o Comitê da Anbima projetavam para 2015 crescimento de 2% no início do ano passado. Hoje, o melhor cenário é de queda de 2,4% e o consenso aponta retração de 3,1% do PIB. Para 2016, a previsão de recuperação feita no início do ano cedeu espaço a estimativas de recuos cada vez maiores do PIB. A mediana das projeções está em 2,1%, "mas pelo teor do debate, o viés ainda é de baixa para esses números", avalia Marcelo Carvalho, economista-chefe para América Latina do BNP Paribas.

Para Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe da Bradesco Asset Management, não há variável hoje que explique o tamanho do tombo previsto para a atividade econômica. "O que explica o que está acontecendo é o fato de que as decisões de investimento e consumo estão sendo adiadas por causa do cenário de incerteza". Ele lembra que a retração de 3% estimada para o PIB pode ser decomposta em contribuição negativa de seis pontos da demanda doméstica, enquanto o setor externo deve adicionar três pontos à atividade.

"A sensação das pessoas é muito pesada basicamente por causa desses 6% de queda [da absorção doméstica], mas a nossa avaliação é que a percepção das pessoas em geral ainda não se ajustou ao que vai ser a economia em 2016", diz ele.

A crise ainda pode se intensificar significativamente no ano que vem, diz Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra. "O ano está acabando de forma infinitamente pior do que começou", argumenta ele, que espera um primeiro trimestre bastante difícil, já que os efeitos do aumento do desemprego serão mais sentidos pela população. Para ele, há ainda neste ano uma rede de proteção social que minimiza os efeitos da piora do mercado de trabalho, como o seguro-desemprego. "Mas vamos ter um ano de recessão forte seguido de outro ano de recessão forte. O desemprego vai voltar para o que era no início do governo Lula, e as pessoas vão sentir isso", afirma.

Segundo Kawall, a taxa de desocupação só já não subiu para 9% porque a taxa de participação da população em idade ativa no mercado de trabalho surpreendentemente caiu. "Caso contrário, poderíamos já estar falando em desemprego de 9% agora e de 10% na virada do ano", diz ele.

Honorato afirma que o resultado dessa combinação entre inflação alta e desemprego crescente será uma piora grande da sensação de bem-estar. O primeiro trimestre seria o momento em que a sensação da crise atingiria de fato a população e cairia a ficha.

"Sem dúvida, no primeiro trimestre a sensação vai ser muito pior do que hoje, por causa do desemprego", concorda Figueiredo, da Mauá Capital. Nos preços, o ajuste feito este ano nos administrados foi ambicioso, avalia. "Na campanha, falavam que o [Eduardo] Giannetti [assessor da candidata Marina Silva] era muito liberal, mas não sei se ele teria coragem de fazer o ajuste feito", diz ele, lembrando que a tarifa de energia subiu 50%.

A possibilidade de avanços concretos no ajuste fiscal foi vista com bastante ceticismo. "Há uma lacuna com o encaminhamento do ajuste fiscal", diz Kawall, do Safra. O problema mais grave, na visão dele, não é apenas a situação de curto prazo, apesar das várias incertezas que envolvem o resultado primário do ano que vem. "Minha preocupação é que estamos gastando muito tempo discutindo 2016 se aprova repatriação de recursos, CPMF, privatização do ativo A ou B , mas isso não é solução, isso continuará a manter a bola de neve da dívida crescendo", diz ele. Neste cenário, diz, não há confiança que se recupere.

Para alguns, porém, a piora "contratada" da atividade para os próximos meses, com maior desconforto da população, pode ser uma pressão "positiva" sobre o impasse político. "O Congresso funciona à base de pressão, e ela vai aumentar bastante até o fim do primeiro trimestre. Isso pode amenizar o ambiente dali para frente", afirma  Figueiredo, que pondera que esse não é o cenário que considera mais provável.

Para ele, hoje as forças políticas estão divididas e buscam ocupar o espaço deixado por um governo muito enfraquecido. "Mas há diferença entre ocupar espaço se o governo muda, com impeachment, ou se segue até 2018. Enquanto esse imbróglio não se resolve, ninguém se posiciona", afirma, o que torna difícil aprovar o ajuste.

A maior probabilidade, afirma Carvalho, é que o Brasil empurre os problemas com a barriga "muddle through", na expressão em inglês. "Mas há a ideia de que economia tem repercussão sobre a política e ainda não chegamos ao fundo do poço. Talvez essa sensação de urgência dada pela deterioração da economia seja condição necessária para eventual melhora. É difícil ter uma coisa sem ter a outra", afirma.

Figueiredo adverte, porém, que isso não significa um cenário de equilíbrio estável para o país. "A piora não será linear, vamos piorando em degraus, com grandes chances de perda de grau de investimento por mais uma agência." Fonte: Valor Econômico  Por Tainara Machado, Flavia Lima e Lucinda Pinto | De São Paulo Leia mais em sinicon 25/11/2015

25 novembro 2015



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