24 novembro 2019

Privatizações são o caminho para reeleição de Bolsonaro, defende Delfim Netto

Segundo ex-ministro, muitos políticos têm medo que governo tenha êxito e consiga se reeleger em 2022, o que dependeria do enxugamento do estado

Delfim Netto diz ver governo Bolsonaro no rumo certo na economia

Antônio Delfim Netto, ex-ministro, ex-deputado e decano da economia brasileira, orbita o poder há décadas e faz questão de alertar sobre os caminhos que entende como certeiros para o Brasil na direção do crescimento sustentável .

Um dos principais responsáveis pelo “milagre” econômico que proporcionou desenvolvimento acelerado entre os anos de 1968 a 1973, durante a ditadura militar,  Delfim Netto soube se afastar da imagem manchada pelo autoritarismo do regime ao qual fez parte e ajudou a manter, conseguindo, posteriormente, aproximar-se de governos ideologicamente distintos em relação à ditadura.

Ao longo de sua trajetória, a paternidade de uma ideia – teve outras, mas essa certamente o guindou ao posto de guru — fez com que todos compreendessem a importância de deixar crescer o bolo para depois dividi-lo .

Otimista por convicção e princípio, Delfim foi e segue sendo um atávico defensor do crescimento econômico como saída para todos os males.

Resguardado, ele busca costurar uma teia de teorias que, juntas, podem elucidar a complexa equação que mistura geração de empregos, resgate da indústria, incremento das exportações, estímulo aos investimentos e garantia de um mercado de ações ativo para firmar o chamado ciclo positivo da economia .

Aos 91 anos, ele acha que as mudanças propostas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes , são mais ambiciosas “do que aquelas que qualquer um tenha imaginado até hoje”. As mudanças estruturais que Guedes está propondo dentro do plano “Mais Brasil” têm o condão de organizar a economia.

Para o ex-ministro, as transformações propostas por Guedes comportam “ambições” maiores em relação às que ele próprio sugeriu no programa “Ponte para o Futuro”, posto em prática pelo ex-presidente Michel Temer em 2016 como forma de recuperar a economia.

Delfim acredita que o atual governo, no entanto, em que pese os bons técnicos disponíveis na equipe econômica, não conseguirá repetir os resultados do milagre . "O mundo era outro, as circunstâncias eram bem diferentes", ressalva.

O ex-ministro entende que a política executada por Guedes, obedecendo os fundamentos do corte dos gastos públicos lançados pelo governo anterior, já está surtindo efeitos positivos.

"No setor público, o ajuste fiscal caminha razoavelmente", diz ele, que continua mais ativo do que nunca, não apenas como professor emérito da Faculdade de Economia e Administração (FEA), da Universidade de São Paulo (USP), mas também como consultor de grandes empresas.

Para ele, a redução da taxa de juros , que atinge o mais baixo patamar da história (5% ao ano), pode atrair novos investidores. "Somos um País com estabilidade, com projetos que têm taxas reais de retorno de 7% a 8% ao ano, por 25 ou 30 anos, quando o mundo está com taxas de juros negativas".

Delfim recomenda que o atual governo negocie melhor com o Congresso os avanços propostos por Guedes e fixe regras para que flua melhor a atração de investimentos por meio das privatizações , leilões e projetos de parcerias-público-privadas — fundamentais para o crescimento da economia, segundo ele.

Para facilitar as privatizações , a sugestão é o “fast-track”, uma lei delegada na qual o Congresso entrega ao Poder Executivo as condições de produzir esse processo de atração de capitais.

"O fast-track seria uma via rápida a ser aprovada pelo Congresso para conceder ao governo mais poderes para a venda de estatais", explica.

Delfim só teme que isso não seja possível porque boa parte da classe política "guarda muito medo de que o governo Bolsonaro tenha êxito e assim se reeleja em 2022”.

Ele compreende que os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, tenham dado grande contribuição para a aprovação da reforma da Previdência, mas lembra que o País precisa de muito mais do que isso.

"O investimento está esmagado . Para 2020, ele será de 0,3% do PIB, quando o ideal seria chegarmos a um investimento de 4% ou 5%". Nesse ritmo, diz Delfim, "o Brasil está em pleno subdesenvolvimento acelerado."

Confira a entrevista exclusiva de Delfim Netto 

Qual é a sua avaliação do governo Bolsonaro?

Vejo uma clara divisão. Tem uma área escura, que tem preconceitos identitários e cuida de problemas de costume. Não me agrada. Mas tem uma outra área técnica, com gente altamente competente, que é realmente espetacular: Tarcísio Freitas (Infraestrutura), Tereza Cristina (Agricultura) e Paulo Guedes (Economia). Representam uma proposta de mudança do Brasil. Bolsonaro ajuda deixando-os trabalhar, e atrapalha com as questões da outra área. Esses nomes representam um programa de modernização, que faz diferença e pode significar uma inflexão na história do País, se tiver suporte no Congresso.

O senhor concorda com o plano Mais Brasil do ministro Paulo Guedes? 

É uma tentativa de se mudar a estrutura administrativa do Brasil. O grosso do excedente produtivo é apropriado por uma casta de funcionários públicos, em um sistema que se autorreproduz. Está no Legislativo, no Judiciário e no Executivo. Esse excedente precisa ser reconduzido para a sociedade, e não para um grupo que detenha o poder. Isso é fundamental.

Esse programa pode trazer o crescimento de volta? 

Há alguns sinais de que as coisas se recuperam. No setor público, o ajuste fiscal caminha razoavelmente. Seguramente estamos indo para um controle da relação entre dívida pública e PIB, que é importante para dar uma perspectiva melhor para o futuro. Estamos com uma baixa da taxa de juros, que eu acho definitiva. Desde a gestão do Ilan Goldfajn, o Banco Central colocou em marcha um programa de modernização do sistema financeiro que o Brasil estava necessitando. Hoje há um aumento de competitividade enorme com as fintechs. Tudo isso promete. Se houver crescimento, provavelmente não vai faltar o suporte monetário.

O que pode atrapalhar? 

Minha única preocupação são as posições extremas de Bolsonaro. Ele nega a coisa mais fundamental de uma sociedade civilizada que é a negociação política. Confunde isso com corrupção, ignorando o fato de que o exercício político republicano é a coisa mais natural em todos os governos em que não há maioria no Congresso. O presidente tem 10% do Congresso. Portanto, seria natural que escolhesse parceiros, construísse um programa comum e distribuísse o poder com eles.

A economia está no caminho correto? 

Algumas propostas são boas, outras são menos boas, mas em geral estão na direção certa. Há uma falta de demanda efetiva. Em condições normais, você mobilizaria alguns recursos e o governo investiria no programa de infraestrutura. Hoje isso é impossível. O País está com um nível de dívida de 80% do PIB, buscando o equilíbrio fiscal.

É preciso mobilizar a oferta, os projetos de infraestrutura e as parcerias público-privadas, com financiamento interno ou externo, pois o governo não tem condições de financiar. Vamos corrigir a deficiência de demanda pelo aumento da oferta. À medida em que há aumento da oferta com investimentos, eles se multiplicam, elevam o nível de renda e emprego, e suprem a deficiência de demanda. Precisamos de um mecanismo que se autoalimente com recursos que vêm de fora. Esse é o esquema fora do tradicional “keynesianismo hidráulico”, que não funciona.

Mas isso não está funcionando? 

Para isso precisamos de um fast-track. Tenho insistido em uma lei delegada. Ou seja, o Congresso, por um período determinado e sob seu controle, entrega para o Executivo as condições de produzir as privatizações, os leilões de investimentos e as parcerias público-privadas. É para o aumento da oferta, paradoxalmente, aumentar a demanda.

O fast-track ainda não foi enviado ao Congresso. 

Há um problema sério. Honestamente, acho que uma boa parte do sistema político tem muito medo de que Bolsonaro tenha êxito. Porque assim ele se reelegeria. O fast-track é o maior risco para o governo Bolsonaro dar certo. Isso tem implicações políticas muito sérias.

Por que o governo não consegue propor esse projeto? 

Há uma objeção política. O Congresso tem hoje um protagonismo muito interessante com o Rodrigo Maia e com o Davi Alcolumbre. Eles assumiram o controle da Reforma da Previdência. Mas, ainda que ela tenha feito tanto barulho, representa muito pouco. Temos um sistema em que as despesas correntes são endógenas. Aumentam independentemente do que acontecer. Como há um teto, o investimento foi sendo esmagado.

Chegamos ao ponto em que o investimento previsto para 2020 é de 0,3% do PIB. Não poderia ser inferior a 4% ou 5% do PIB. Faz anos que o investimento público é menor do que a depreciação da infraestrutura. O Brasil está em pleno subdesenvolvimento acelerado.

Fatores externos ameaçam a retomada econômica? 

A perspectiva não é das melhores com o Trump, de um lado, e o Brexit, do outro. Os EUA entregaram a Europa ao Putin. Cometeram equívocos na Ásia, levando uma surra dos chineses, e abandonaram os seus parceiros. Há um mundo instável do ponto de vista geopolítico, como é o caso do Oriente Médio.

O Brasil está fora disso, em um mundo de paz. Já representamos uma grande oportunidade para o investidor. Somos um país com estabilidade, com projetos que têm taxas reais de retorno de 7% a 8% ao ano, por 25 a 30 anos, quando o mundo está com taxas de juros negativas. Por isso tenho a esperança de que o Brasil realmente recuperará o crescimento, se tiver acuidade e inteligência. Ninguém está falando em crescimento como o que já tivemos, mas de 3% ou 4%.

As taxas de crescimento que aconteceram na época em que o senhor estava à frente da economia voltarão? 

Não, era um outro mundo. As circunstâncias eram diferentes. A população crescia 3,5% ao ano. O crescimento de 7% era um crescimento per capita de 3,5%. Se crescermos 4%, estaremos avançando tanto quanto naquele momento.

O ministro Paulo Guedes está se inspirando no programa econômico de Temer, para o qual o senhor contribuiu? 

Os dois programas convergem. Acho que a ambição do Paulo Guedes é muito maior. Ele está propondo uma mudança estrutural na organização da economia brasileira. É muito mais profundo do que qualquer um tinha imaginado até hoje. Eu diria até que é necessário. Como estamos em um Estado Democrático de Direito, isso precisa ser negociado com a sociedade.

O AI-5 voltou ao noticiário com a menção de Eduardo Bolsonaro à possível utilização do instrumento novamente. Há espaço para se discutir uma medida semelhante? 

Isso é uma tolice monumental. Não se volta ao passado. Se voltar, é uma farsa. É incompreensível que alguém que seja político proponha uma tolice como essa. No fundo, é porque não entendeu nada da história. É um marginal da história. Fonte: Economia - iG Leia mais em .ig 24/11/2019

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