24 agosto 2018

Economistas veem custo do ajuste maior que em 2002

A situação da economia brasileira hoje está pior do que em 2002. O grave desequilíbrio das contas públicas e a dificuldade política em aprovar medidas para resolver o problema fiscal tornam os riscos da atual eleição mais elevados, segundo economistas ouvidos pelo Valor - percepção compartilhada pelo ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga.

Para o também ex-BC Gustavo Loyola, embora as contas externas estejam mais sólidas e o Brasil disponha de um grande colchão de reservas internacionais, o tamanho do esforço para estabilizar e reduzir a dívida pública torna o cenário atual mais desafiador do que há 16 anos.

Em entrevista ao Valor, publicada ontem, Arminio avaliou que o vencedor das eleições deste ano terá que fazer um ajuste fiscal equivalente a 6% do PIB para colocar a relação entre a dívida e o PIB em trajetória de queda. Depois de ganhar o pleito de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva elevou o superávit primário em 0,5% do PIB. O resultado primário mostra a diferença entre receitas e despesas do setor público, excluindo gastos com juros.

Loyola também considera necessário colocar a relação dívida/PIB em trajetória de baixa - estabilizá-la na casa de 80% a 85% do PIB seria um nível muito elevado. Em junho, ela estava em 77,2% do PIB, devendo subir nos próximos anos. Hoje, o país tem um déficit primário na casa de 3% do PIB, sem contar receitas e despesas extraordinárias. Para reduzir o endividamento como proporção do PIB, será preciso um superávit de 2% a 3% do PIB. "O tamanho do ajuste requerido hoje é bem maior", diz Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada.

O chefe do Centro de Estudos Monetários da FGV/Ibre e ex-diretor do Banco Central, Jose Júlio Senna, corrobora os argumentos de Arminio e Loyola: "Lá atrás, os fatores macros não tinham saído dos trilhos e agora o desafio é colocá-los de volta aos trilhos, algo de custo muito mais elevado".

Conforme o economista do Ibre, "em 2002, olhando para frente, tinha muita coisa para fazer, mas vínhamos de uma grande virada no combate à inflação, de onda boa de privatizações que trouxe ganhos de eficiência para o sistema econômico, especialmente na siderurgia e nas telecomunicações, o [saldo] primário era positivo desde 99, com uma média de 2,5% do PIB de superávit, os gastos federais em proporção ao PIB tinham um patamar bem inferior ao de hoje, em torno de 15% do PIB, e a dívida pública não era tão alta".

Um problema existente na época, aponta o economista, era o fato de 30% da dívida pública estar indexada ao dólar, o que fazia com que desvalorizações do câmbio tivessem um impacto negativo sobre as contas públicas. Hoje, essa fragilidade não existe mais.

Na atualidade, o país está muito mais resistente a choques de fora. As contas externas estão bem melhores atualmente. O déficit em conta corrente é inferior a 1% do PIB e o país tem US$ 380 bilhões de reservas. A retomada da confiança a partir de 2003, com uma política fiscal responsável, trouxe de volta fluxos de capitais para o país.

Embora tenha menor exposição externa, o país atualmente enfrenta desafios maiores comparados a 2002. "Hoje o grau de intervenção na economia cresceu, com a criação de empresas estatais em ritmo mais acentuado, o lado fiscal hoje apresenta um déficit há cinco anos, os gastos federais agora alcançam 20% do PIB e, de lá para cá, houve crescimento acentuado dos gastos públicos de maneira real", compara Senna, do Ibre. O economista acrescenta que "a trajetória da relação dívida/PIB é nitidamente explosiva: representava 53,5% do PIB em 2014, hoje está em torno de 77% do PIB e subindo".

"Não tenho ilusão de que [a situação fiscal] se resolva em dois ou três anos", diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator. Para o especialista, o cenário para crescimento piorou na atualidade em relação a 2002. "Agora claramente a chance de a economia melhorar é muito pequena, seja pelo cenário internacional ou por investimentos domésticos."

De fato, o cenário externo está se tornando mais complicado para países como o Brasil. Os juros americanos estão em alta e há uma onda protecionista no comércio mundial, puxada pelas ações do presidente Donald Trump. Já nos anos que se seguiram à posse de Lula, houve um ciclo internacional benigno, com a forte alta dos preços de commodities, pondera Loyola.

O economista-chefe do Fator lembra ainda que "em 2002, se a economia voltasse a crescer e os juros caíssem, já melhorava a situação fiscal, que foi o que acabou acontecendo". Agora, diz o Gonçalves, "nem uma melhora fiscal daria para se colocar na conta de uma melhora da atividade". Conforme o economista, o cenário depende de equalizar o déficit da Previdência, "uma incerteza brutal". E, diz o especialista, "isso não depende de atividade ou até piora com uma retomada se não for feito nada".

Além da magnitude do esforço fiscal, as medidas necessárias para realizar o ajuste exigem uma coordenação política complexa e difícil. Loyola, da Tendências, observa que aumentos de tributos, por exemplo, encontram feroz resistência da sociedade. Reonerações tributárias, com o fim ou redução de isenções, são possíveis, mas elevar impostos não parece uma saída factível para melhorar o resultado fiscal.

Do lado da despesa, é preciso fazer uma reforma da Previdência e conter os gastos com funcionalismo, o que é complicado do ponto de vista político, afirma o ex-presidente do BC. "Não há nenhuma despesa óbvia para cortar." Os gastos discricionários, aqueles sobre os quais o governo tem mais controle, já foram muito reduzidos nos últimos anos.

De acordo com Senna, do Ibre, o governo atual piorou muito o problema com sua reação à greve dos caminhoneiros. "Depois da paralisação dos profissionais de transportes, inventaram uma tabela para o frete e subsídio ao diesel, soluções populistas e péssimas, que contaminam a maneira de as pessoas pensarem e gera demanda por mais ações populistas", diz. Para o pesquisador, "esse ambiente torna mais difícil implantar política econômica de maneira racional".

Para Senna, "se o ajuste não for feito logo na largada, nos primeiros trimestres do próximo governo, não será mais feito e o investimento vai ficar inibido". O economista, porém, faz críticas à possibilidade de o novo governo optar por subir impostos. "Minha ponderação é que devemos evitar a qualquer custo aumento de impostos, porque é uma ilusão achar que se corrige déficit primário com aumento de impostos e a razão é simples: sempre que se entrega mais receita tributária ao governo ele gasta mais." Valor Econômico - Leia mais em abinee. 24/08/2018

24 agosto 2018



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