25 agosto 2018

FGV aponta riscos de concentração no mercado brasileiro de energia

Levantamento destaca entrada massiva de empresas estatais estrangeiras no setor e reforça necessidade de medidas que garantam condições isonômicas em disputas no segmento

A presença de empresas estrangeiras no mercado nacional de energia elétrica tem crescido de maneira exponencial. Nos últimos anos, estas companhias foram as principais compradoras de ativos de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia no Brasil, num movimento que tem levado a uma concentração cada vez maior no mercado brasileiro de energia. Estudo inédito realizado pelo Grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV– Análise do ambiente concorrencial do setor elétrico no Brasil – aponta que, desde 2016, foram realizadas mais de 15 operações de M&A no setor elétrico, somando quase R$ 86,2 bilhões em valor da empresa (ou “enterprise value”). Desse total, 95,2% – ou R$ 80,5 bilhões – representaram aquisições em que o capital comprador foi de origem estrangeira.

“Trata-se de uma tendência cada vez mais forte no setor elétrico, que se explica pelas condições financeiras mais favoráveis no exterior relativamente ao mercado no Brasil. Com acesso a taxas de juros menores e com menor risco país, esses grupos conseguem oferecer lances mais competitivos nos leilões e processos de fusões e aquisições. Em sua grande maioria, são empresas de origem estatal, que buscam investimentos em países mais atrativos e com condições financeiras mais favoráveis para seus negócios”, afirma Gesner Oliveira, professor da FGV responsável pelo estudo.

O estudo da FGV apontou que a potencial redução no número de participantes do mercado, em um movimento de concentração na mão de alguns poucos grupos, tem efeito nocivo à competitividade e à concorrência do mercado. A preocupação com a redução no número de competidores é ainda maior nos segmentos que adotam modelos de regulação baseados em incentivos que usam benchmarking, ou seja, o desempenho da empresa é balizado pela comparação com outros players. Esse modelo é adotado, por exemplo, no segmento de distribuição de energia.

“Em um cenário em que um ou poucos controladores detém as concessões é possível que ocorra um nivelamento ´por baixo`, isto é, em níveis ruins para o mercado, devido à ausência de competição, sem incentivos à atuação eficiente. Sendo essa concorrência pelo mercado, a pouca rivalidade e o número reduzido de players tende a diminuir a disputa nos leilões e licitações, prejudicando o equilíbrio competitivo, com maiores preços, menor qualidade e menor comprometimento com investimentos. Quando há maior concentração entre poucos agentes, não é possível a comparabilidade entre empresas, o que é necessário nos modelos de regulação baseados em incentivos pelo benchmarking”, explica Oliveira.

Nos leilões realizados no país nos últimos anos, também foi possível constatar uma participação elevada de empresas estrangeiras, indicando um crescimento orgânico dessas companhias nos serviços de geração e transmissão de energia elétrica no Brasil, ampliando de forma acelerada a concentração do capital estrangeiro no setor.

De acordo com ranking de atração de investimentos da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o Brasil passou de sétimo a quarto país a mais atrair Investimento Estrangeiro Direto (IED) em 2017, superado apenas por EUA, China e Hong Kong. A entidade destaca a entrada significativa de capitais chineses no setor de energia do país e mostra que o crescimento de 8% de IED no Brasil no ano passado foi ainda mais importante porque contrastou com a queda de 23% no fluxo global. Em 2017, o país atraiu US$ 62,7 bilhões de IED, 40% do fluxo total para a América Latina.

Nove das 10 maiores aquisições por companhias estrangeiras na região ocorreram no Brasil, sendo que sete envolveram compradores chineses. Os investimentos foram, sobretudo, em eletricidade, petróleo, infraestrutura (distribuição de gás) e em companhias do agronegócio. A Unctad aponta “um boom de IED no setor de energia” no Brasil, onde o capital estrangeiro mais que triplicou, para US$ 12,6 bilhões. Esse movimento foi favorecido também pelo cenário internacional de declínio da taxa de juros, abundância de crédito e amadurecimento dos mercados externos, com maiores restrições e estagnação na demanda, que impulsionaram os investimentos de empresas estrangerias nos mercados emergentes mais liberalizados e crescentes como o Brasil.

O estudo da FGV aponta que entre as empresas estrangeiras que realizaram operações no setor elétrico brasileiro nos últimos anos, há uma participação maior de empresas estatais e, nesse ponto, a China lidera com participação de diferentes companhias estatais. São empresas que têm o governo como principal acionista e, por isso, no geral, têm condições mais favoráveis de financiamento, entre outros incentivos. Nos processos de fusão e aquisição entre 2016 a 2018, a participação de empresas estrangeiras estatais foi de 81,3%, de empresas estrangeiras privadas de 13,9% e de empresa privadas nacionais somente 2,2% (em termos de enterprise value). No segmento de Distribuição, por exemplo, em todas as operações o comprador era de origem estrangeira, sendo 96% estatal estrangeira, como mostra o quadro abaixo.

Concorrência desleal e as regras da OMC
O estudo mostra que o subsídio do governo em empresas estatais para investimento direcionados a mercados de outros países pode, em certas condições, ser condenável nas normas de comércio exterior da Organização Mundial do Comércio (OMC) e ter efeitos negativos para a concorrência de mercado. O estudo mostra uma crescente presença de empresas estrangeiras no setor elétrico brasileiro e que, entre estas, se destacam companhias estrangeiras estatais. Somente na distribuição, por exemplo, a ENEL, italiana estatal, após aquisição da Eletropaulo passou a deter participação de mercado de 18,3%, e a CPFL, controlada pela State Grid, estatal chinesa, de 15,1%.

Segundo Oliveira, a participação de empresas estrangeiras por si só não caracteriza necessariamente um problema concorrencial, porém, se o crescimento dessas empresas for, de alguma forma, facilitado por subsídios financiados por governos, a prática pode ser condenável.

“É fundamental que os processos concorrenciais ocorram em condições isonômicas. As regras das licitações e dos leilões do setor devem deixar os competidores, privados ou estatais, em condições de igualdade, por exemplo, no que diz respeito às garantias de contratos e seguros. A existência de mecanismos que evitem uma concorrência desleal por conta de subsídios de governos de outros países às empresas estatais estrangeiras é, portanto, primordial, uma vez que o financiamento subsidiado fere normas básicas da livre concorrência e está em desacordo com regime da OMC para o comercio exterior. A adoção de medidas preventivas e corretivas para essa vantagem competitiva garante a isonomia nas condições competitivas entre as empresas, nacionais ou estrangeiras, e evita a concorrência desleal no setor elétrico brasileiro”, explica.

Oliveira lembra ainda que, devido ao avanço das aquisições de ativos do setor elétrico por empresas estrangeiras, em particular as estatais chinesas, em alguns países como Austrália, Estados Unidos e Reino Unido, foram adotadas medidas restritivas ou preventivas para evitar o avanço indiscriminado de aquisições de ativos considerados estratégicos para o país.
DA AGÊNCIA CANALENERGIA Leia mais em canalenergia 24/08/2018


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