30 agosto 2011

Totvs cria sistema de franquia e visa mercado internacional

Uma decisão recente de Laércio Cosentino deixou aborrecidos muitos cabeleireiros e manicures na zona norte de São Paulo, onde fica a sede da Totvs, mas fez vibrar donos de restaurantes nas imediações da avenida Berrini, no outro lado da cidade. Há cerca de dois meses, o executivo-chefe da maior companhia brasileira de software - e a sexta do mundo no mercado de gestão empresarial - abriu novo escritório, para onde transferiu sua equipe de desenvolvimento.

Da noite para o dia, 800 pessoas passaram a circular na nova vizinhança - tanta gente que faltou lugar nos restaurantes próximos. "Mas os salões de beleza aqui por perto ficaram mais vazios", brinca Cosentino, no topo do quartel-general da empresa, onde recebe clientes para almoçar e, eventualmente, até cozinha para eles.

Causar esse tipo de impacto não é para qualquer um, e o grupo transferido é apenas parte do quadro de profissionais da companhia. Ao todo, são 5 mil funcionários diretos. Somada a equipe das franquias, o número mais que dobra, para 12 mil pessoas.
O tamanho da Totvs, a Empresa de Valor 2011, só sublinha a origem modesta da companhia. "O negócio começou com um funcionário - esse que vos fala -, US$ 6 mil e um Fiat 147", diz Cosentino, entre uma garfada e outra. A história parece tirada de um filme: em 1978, Cosentino entrou como estagiário na Siga, empresa de serviços criada por Ernesto Haberkorn. Cinco anos mais tarde, e depois de galgar rapidamente os cargos na empresa, Cosentino convidou Haberkorn para um almoço e propôs a criação de uma companhia de software, aproveitando a rápida expansão dos computadores pessoais. Antes do café, estava criada a Microsiga.

Histórias de sucesso como essa são comuns no Vale do Silício, na Califórnia, e isso não é de hoje. Basta lembrar que a fundação da Hewlett-Packard (HP), considerada o principal marco na região, aconteceu em 1939. Mas é difícil repetir a experiência americana em outros lugares, pela dificuldade em replicar as condições que tornaram o lugar o principal polo de tecnologia da informação dos EUA. Duas dessas características são um desafio para quem quer começar seu negócio: a existência de investidores dispostos a aplicar dinheiro - e, muitas vezes, perdê-lo - em empresas novatas, e a disponibilidade de talentos com experiências diversas, capazes de criar um ambiente propício à inovação.

Cosentino nunca perdeu de vista esses dois pontos. O mercado brasileiro de TI sempre foi marcado pela pulverização, e a Totvs poderia ser apenas mais uma dessas pequenas empresas, voltadas a segmentos muito específicos, se o empresário não tivesse colocado em prática uma estratégia para captar recursos e garantir à companhia um papel de destaque no processo de consolidação do setor.

O primeiro movimento importante nessa direção ocorreu em 1999, quando a Microsiga vendeu uma participação de 25% de seu capital para o fundo Advent. Em 2005, em outro lance significativo, a Advent saiu do negócio, dando lugar ao BNDESPar, sob uma operação pela qual a companhia adquiriu a concorrente Logocenter. Estavam lançadas as bases do que viria a ser a Totvs. Um ano depois, a empresa estreou no Novo Mercado da Bovespa, tornando-se a primeira do setor na América Latina a abrir capital.

Com o apoio financeiro assegurado, Cosentino pôde partir para a disputa pelos talentos profissionais. O mercado de software de gestão empresarial se assemelha a uma colcha de retalhos: há os módulos para atividades específicas - como contas a pagar e a receber ou folha de pagamento - e os softwares voltados a setores específicos: financeiro, varejista, saúde etc.

Além disso, existem programas adicionais, como os de relacionamento com os clientes e os de análise de negócios. Vence quem consegue combinar a maior parte dessas tecnologias - o que exige gente para criar produtos e entregar serviços. Quem sai na frente pode ganhar vantagem de meses ou até anos em relação à concorrência. Para ser rápido, o melhor às vezes é adquirir a tecnologia pronta - assegurando o acesso aos profissionais que a criaram - em vez de começar do zero.

Nessa corrida, a Totvs disputou uma guerra de aquisições com a então rival Datasul em meados da década passada. As duas companhias anunciavam aquisições com um ou dois dias de diferença. Na época, o leitor mais desatento podia achar que estava lendo notícia velha, de tão curtos que eram os intervalos entre os anúncios. Em 2008, no entanto, veio a surpresa: a Totvs comprou a Datasul e pôs fim à disputa.

O esforço para criar uma estrutura reforçada de capital e reunir os talentos necessários foi acompanhado de outra diretriz: foco em um segmento específico de clientes. A primeira onda dos softwares de gestão concentrou-se nas grandes companhias, como seria de se esperar: eram essas empresas que tinham mais a ganhar com a automatização dos processos internos. Além disso, somente elas tinham condições de pagar pelos projetos de implantação - geralmente longos, complexos e dispendiosos.
Foi natural, portanto, que os principais fornecedores internacionais de software de gestão, como a alemã SAP e a americana Oracle, se mantivessem ocupados com os grandes clientes. A Totvs farejou uma oportunidade nesse ambiente - dar ênfase às pequenas e médias empresas.

A estratégia deu certo. Com 38% de participação, a companhia hoje é líder no mercado brasileiro de software de gestão, à frente da SAP (27%) e da Oracle (17%), segundo levantamento anual da Fundação Getulio Vargas (FGV/SP). Essa liderança está fortemente apoiada nos clientes de pequeno e médio portes. Entre as empresas cujos parques de computadores vão de 30 a 160 máquinas, a participação da Tovs é de 54%, contra 8% da SAP e uma fatia idêntica da Oracle. No grupo com 160 a 550 computadores, a empresa continua na liderança, com 40%, contra 20% da SAP e 19% da Oracle. O perfil muda no topo da pirâmide, com mais de 550 máquinas - a Totvs detém 21% do segmento, quase empatada com a Oracle (20%). A SAP vem à frente, com 50%.

Nos últimos anos, com a disseminação dos softwares de gestão, praticamente todos os fornecedores tentam insistentemente ingressar no segmento das companhias menores. Isso é provocado pelo crescimento mais forte proporcionado pela área, já que o mercado de grandes clientes está maduro.

A vantagem para a Totvs é jogar em um campo há muito conhecido. "Não queremos descer [das grandes e médias para as pequenas empresas]; queremos começar embaixo", afirma Cosentino. "Nosso momento não é de descida, é de subida."

A experiência será útil para o próximo ciclo de crescimento da companhia, internamente considerada a quinta fase da companhia. Um dos pontos centrais para vender a pequenas e médias empresas é ter uma rede descentralizada, capaz de cobrir grandes extensões geográficas e, ao mesmo tempo, oferecer atendimento local ao cliente.

A Totvs fez isso criando um sistema de franquias. A companhia passou a convencer fornecedores de software com bons produtos, mas sem estrutura suficiente para participar de sucessivas ondas tecnológicas, a tornar-se franquias, sob uma exclusividade de mão dupla: as franquias vendem exclusivamente Totvs e, em contrapartida, são as únicos a fazer isso em uma determinada região. A ideia, agora, é aplicar a estratégia em mercados internacionais, com perfil semelhante ao do Brasil.

A Totvs também está investindo em novas tecnologias. No primeiro semestre, começou a testar uma rede social - a by You, cujos serviços serão pagos - para clientes que querem trocar informações sem sair do ambiente do programa de gestão. Foram seis projetos-piloto. Até o fim do ano, mais cem empresas vão aderir à rede social. No início de 2012, a tecnologia estará disponível a todos os interessados, diz Cosentino, enquanto termina a refeição.

A sobremesa também é servida na sala envidraçada, com vista para o Horto Florestal e para os canteiros bem cuidados da avenida à frente, adotados pela Totvs. Com um "Facebook" próprio, planos de expansão, posição de liderança e uma vista dessas, quem precisa do Vale do Silício?
Fonte:valoreconomico30/08/2011

30 agosto 2011



0 comentários: