24 agosto 2011

A polêmica causada por uma carta de gestão – Parte II

Depois de discutirmos práticas contábeis que causaram polêmica, hoje falaremos sobre as críticas de alguns gestores de recursos à atuação das corretoras. Além disso, abordaremos a consolidação setorial via aquisições, caso, entre outros, da Anhanguera Educacional.

As críticas ao trabalho das corretoras são pertinentes?

Uma crítica efetuada pela gestora carioca Squadra em carta a investidores é direcionada às equipes de análise das corretoras. Diz a carta: “Elas (as companhias) contam com a benevolência dos mais diversos tipos de prestadores de serviços. (...) Uma visão negativa sobre algumas dessas empresas pode acabar custando caro para o banco de investimento que a assessora e para o analista de 'sell side' responsável pela cobertura”.

Trabalhei dez anos em gestoras de recursos (o “buy side”) e os últimos seis em equipes de pesquisa de corretoras (o “sell side”). Logo, militei em ambos os lados. Percebo que há uma tendência de parte do “buy side” de criticar o trabalho das corretoras e de seus bancos de investimento. O mercado acionário, como a vida, não comporta visões maniqueístas. Mocinho x bandido. Explico.

Alguns agentes do “buy side” criticaram a atuação dos bancos de investimento que trouxeram companhias ao mercado que não estariam preparadas para se tornarem de capital aberto. Mas essa crítica está mal colocada. Os bancos de investimento, por intermédio de suas corretoras, apenas indicaram, sugeriram tais companhias aos investidores. Quem, em última instância, decidiu se essas empresas se tornariam listadas em bolsa foi o “buy side”, que decidiu comprá-las nas ofertas.

Outra crítica que escuto com frequência: “Os analistas não colocam recomendação de vender, apenas comprar ou manter!”. Essa crítica é fraca. Mesmo que não haja uma recomendação explícita de venda (“sell” ou “underweight”), por que manter uma ação com recomendação manter (“hold”/“neutral”) se há tantas outras com recomendação de compra (“buy”/“overweight”)? Brinco dizendo que o “manter” nada mais é que um “sell” tímido, envergonhado.

É inegável que pode haver conflitos de interesse entre os bancos de investimento e suas corretoras. Por isso, os órgãos reguladores vêm disciplinando tal atividade como, por exemplo, promovendo a separação física entre o banco de investimento e a corretora. Além disso, a área de pesquisa também fica separada da mesa de operações.

Há ainda o período de silêncio, em que os participantes da operação não podem dar entrevistas. É público que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já adiou operações e descredenciou algumas corretoras por terem burlado certas regras. Muito ainda precisa ser feito, mas o caminho trilhado parece ser o correto.

A tese de investimento com enfoque em aquisições. Certa ou errada?

Algumas companhias vieram a mercado com a proposta de promoverem a consolidação do setor por intermédio de aquisições. Podemos citar vários exemplos além da Anhanguera, como Dasa, Hypermarcas, Brasil Insurance, Brasil Brokers etc. Os prospectos da oferta já informavam que boa parte da destinação dos recursos levantados na oferta seria alocada em aquisições. Há algumas complicações na análise dessas companhias.

É comum a apresentação de demonstrações financeiras “pro-forma”, ou seja, adicionando os resultados da adquirida aos da empresa compradora. Muitas vezes esses demonstrativos não são auditados. Cabe a cada gestor aceitar ou não tais demonstrações em suas análises.

Outro inconveniente. É de se esperar que, durante a expansão, essas companhias não apresentem geração líquida de caixa consistente, pois apresentam forte investimento.

Em momentos de crise, empresas com essa estratégia, com forte desembolso de recursos, tendem a sofrer mais. Essas companhias costumam apresentar maior grau de endividamento, logo beta elevado (veja post As ações defensivas do Ibovespa).

Qualquer consolidação apresenta riscos de execução, tais como companhias com culturas distintas, sinergias que acabam não se materializando, passivos escondidos (litígios trabalhistas, ações cíveis, pendências tributárias). Mas essas empresas são muito pressionadas para efetuarem aquisições. Transformarem-se em “máquinas de compras”, como classificou a Squadra.

É interessante comentar o caso de Tegma (TGMA3). Participei da abertura de capital da empresa de logística em 2007. A empresa, muito forte no setor automotivo, buscava com os recursos derivados da oferta diversificar sua atuação para outros setores da economia. Contudo, logo após a oferta, o setor automotivo passou a apresentar vigoroso crescimento somente visto no início da década de 70.

A Tegma, então, recuou na sua estratégia de se diversificar e focou no seu principal segmento de atuação, inclusive adquirindo uma transportadora que atuava na região Norte do país, onde a empresa não possuía atividade operacional. Em 2010, informou receita líquida de R$ 1,167 bilhão. Apesar do robusto crescimento de 56,7% do faturamento desde a abertura de capital, somente com aquisições marginais, o investidor continuou cobrando da administração as aquisições de companhias de outros setores como prometido na época da abertura do capital.

Prefiro teses de investimento cujas companhias sejam mais comedidas no ritmo de crescimento devido ao risco de execução das aquisições. Mas é inegável que parte do mercado tem corroborado essas estratégias. Vejam o exemplo da mesma Anhaguera. A companhia levantou em torno de R$ 800 milhões do mercado no final do ano passado para persistir na sua estratégia de aquisições. Prova irrefutável.

Até o próximo post. Valeu.Andre Rocha
Fonte:valor24/08/2011

24 agosto 2011



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