31 julho 2018

Setor imobiliário é alvo da Pimco no Brasil

Dan Ivascyn, da Pimco: temos participações consideráveis em ativos brasileiros, mas hoje estamos mais cautelosos

O ambiente global de reversão das políticas monetárias acomodatícias e de aumento dos riscos geopolíticos impõe mais cautela aos investidores, mas também traz oportunidades. Essa é a visão de Dan Ivascyn, chefe global de investimentos da gestora americana Pacific Investment Management Company (Pimco), que reúne US$ 1,7 trilhão em ativos, quase o valor do PIB brasileiro em dólar em 2017.

Famosa pelos retornos alcançados nas alocações de renda fixa, que renderam a um de seus fundadores, Bill Gross, o título de "rei do bônus", a Pimco está buscando diversificar seus investimentos e está olhando oportunidades em outros setores, como o imobiliário. No Brasil, além de ser um dos maiores investidores em títulos de dívida, a gestora também está avaliando oportunidades em outros setores como o imobiliário, seja em papéis de dívida desse segmento ou em investimentos diretos. A gestora não abre o volume total investido no país.

Em entrevista ao Valor, Ivascyn disse que está mais cauteloso com o mercado de bônus brasileiros diante das incertezas eleitorais e da capacidade do novo governo de dar prosseguimento às reformas. O executivo, que é membro do comitê executivo e de investimentos da Pimco e responsável pelas estratégias de renda fixa, hedge funds de crédito e investimentos oportunistas em hipotecas, esteve no Brasil na semana passada, quando participou de um evento com clientes em São Paulo, cidade que vai abrigar a nova sede da gestora no Brasil, a ser transferida do Rio.

No mercado local, a gestora distribui o fundo Pimco Income, que investe na carteira cogerida por Ivascyn no exterior e contava em junho com R$ 5,42 bilhões de patrimônio. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Os fundos de bônus têm sofrido neste ano diante de saques e da performance fraca dos papéis. Quais as razões para isso e a sua perspectiva para esse mercado?

Dan Ivascyn: As taxas de juros em grande parte do mundo subiram neste ano e acreditamos que a principal razão é que as economias de mercados desenvolvidos estão no estágio final da atual expansão econômica. Assim, o crescimento continua forte e os bancos centrais, como o Federal Reserve, estão gradualmente reduzindo a política monetária acomodatícia ou elevando os juros para buscar um pouso mais suave para a economia. Em termos de perspectivas, acreditamos que as taxas de juros provavelmente vão subir um pouco mais à medida que o banco central dos Estados Unidos continue apertando a política monetária.

Valor: Qual sua perspectiva para os bônus de países emergentes e os principais riscos?

Ivascyn: Embora a taxa de juros provavelmente suba um pouco mais, não acreditamos que esse seja o começo de um 'bear market' [mercado baixista] para bônus, porque o juro vai subir gradualmente. Esperamos uma volatilidade contínua nos mercados emergentes e há situações específicas, idiossincráticas em muitos países que vão direcionar os preços daqui para frente.

Valor: Qual a sua perspectiva para a política monetária americana?

Ivascyn: Acreditamos que o Fed vai aumentar ligeiramente as taxas de juros mais uma vez este ano e, no nosso cenário base, mais uma a duas vezes no próximo ano.

Valor: Isso já está nos preços?

Ivascyn: Isso já está, na maior parte, refletido nos preços. Mas, a Pimco está um pouco menos preocupada com um 'sell-off' nas taxas de juros do que outros participantes do mercado.

Valor: E o impacto para o dólar?

Ivascyn: Não acreditamos que isso tenha um impacto significativo no dólar. Na Pimco, temos menos exposição ao risco cambial do que tínhamos há alguns anos. Assim, acreditamos que o dólar poderá ganhar alguma força moderada em resposta a taxas de juros mais altas, mas não acreditamos que haverá um aumento significativo do dólar em relação a outras moedas.

Valor: Outra questão em discussão é a tensão comercial entre os EUA e grandes parceiros. Qual o impacto disso sobre o crescimento global e quais os países mais vulneráveis a esse movimento?

Ivascyn: Continuará havendo muita discussão em torno das tensões comerciais. Isso levará a uma maior volatilidade no mercado, o que já vimos nos últimos dois anos. No entanto, neste momento, a Pimco acredita em muita retórica, e o mais provável é que haja uma série de acordos. Não esperamos ver uma ação comercial extrema que possa levar a um sell-off nos mercados. É claramente um risco com o qual os investidores devem se preocupar, mas não é nosso cenário base. Os países mais expostos a isso seriam aqueles que dependem mais de exportações para impulsionar o crescimento. A China, por exemplo, sofrerá um forte impacto, pelo menos no curto prazo, e já vimos mais volatilidade no país recentemente. Outros mercados emergentes provavelmente vão ter mais volatilidade se esse tipo de discussão comercial se deteriorar ou mais ações agressivas forem implementadas.

"De uma perspectiva de longo prazo, o Brasil continua sendo uma das nossas principais áreas estratégicas"

Valor: Onde você vê oportunidade para investir nos mercados de bônus e de crédito em geral?

Ivascyn: No mercado de crédito, estamos mais cautelosos, mas ainda vemos oportunidades em todo o mundo. Desde a crise financeira, continuamos preferindo setores altamente regulados. Gostamos de investimentos relacionados ao mercado imobiliário nos EUA, do setor financeiro e, no mercado de títulos corporativos, de alguns emergentes como fontes de diversificação. Estamos um pouco mais cautelosos de forma genérica com crédito corporativo, como títulos 'high yield' [classificados como grau especulativo] ou o segmento de empréstimos bancários, em que os investidores precisam ser muito mais seletivos nesse estágio do ciclo.

Valor: Como está a taxa de inadimplência no mercado de crédito?

Ivascyn: A taxa de inadimplência está muito baixa para os padrões históricos, tanto nos títulos high yield como nos papéis com grau de investimento, e provavelmente permanecerá muito baixa nos próximos dois anos. E a razão para isso é que os EUA e a economia global continuam muito fortes. Esperamos ver um forte crescimento para o restante de 2018 e até para 2019. A economia americana tem a chance de crescer a 3% pela primeira vez em muitos anos. Porém, os riscos de recessão estão aumentando e não podem ser ignorados quando há uma política de aperto por parte do banco central ainda incerta.

Valor: Qual sua visão sobre o investimento em bônus brasileiros?

Ivascyn: A Pimco tem presença local no Brasil há muitos anos. Ainda temos participações consideráveis em investimentos brasileiros. Mas hoje estamos mais cautelosos do que nos últimos anos. E nossa cautela gira em torno da incerteza sobre o resultado eleitoral e da capacidade de o novo governo dar prosseguimento às reformas fundamentais. Então, até termos mais clareza sobre as próximas eleições, continuaremos a ser mais cautelosos do que o normal em relação aos títulos brasileiros. Mas, apesar de nossa cautela, a Pimco como empresa continua muito comprometida com o Brasil e a região de forma mais ampla.

Valor: Além da eleição, quais as principais preocupações em relação à economia brasileira?

Ivascyn: Acreditamos que, pelo menos no cenário base, a economia brasileira continuará melhorando. Houve uma recessão e estamos começando a ver crescimento, a inflação está razoavelmente sob controle. No entanto, é uma economia que está frágil, particularmente devido aos crescentes desequilíbrios fiscais. Ainda assim, enquanto a macroeconomia global permanecer relativamente estável, haverá tempo para que as reformas necessárias sejam implementadas. No entanto, se observarmos volatilidade externa e falta de tração nessas reformas fundamentais, o ambiente no mercado financeiro pode se deteriorar muito rapidamente; vimos sinais disso recentemente com o aumento da volatilidade no câmbio, nas taxas de juros, ações e em todos os ativos.

Valor: Qual a posição da Pimco em bônus brasileiros?

Ivascyn: Em nossas carteiras especializadas em mercados emergentes estamos com posição neutra [em relação ao benchmark]. Em alguns de nossos mandatos mais amplos, que abrangem todo o mundo, temos uma pequena posição, mas o tamanho dessa posição é menor do que foi nos últimos anos. Estamos mais cautelosos em relação à moeda e preferimos títulos públicos com vencimentos mais curtos.

Valor: O que mudou na Pimco desde a saída de Bill Gross?

Ivascyn: Bill Gross deixou a Pimco com estruturas muito fortes para tomar decisões de investimento em nome dos clientes. Ele também deixou a empresa com uma equipe muito forte. Não precisamos fazer mudanças significativas. No entanto, ao longo dos últimos anos, as necessidades de nossos clientes se tornaram mais complexas, e as economias globais se expandiram e se tornaram mais interconectadas. Então, a Pimco fez algumas coisas. Criamos um conselho consultivo global, composto por consultores externos como Ben Bernanke [ex-presidente do Fed], Gordon Brown [ex-primeiro-ministro do Reino Unido] e Anne-Marie Slaughter [cientista política americana]. Mais recentemente, trouxemos mais assessores políticos para lidar com o ambiente político em rápida mutação em todo o mundo. Estamos fazendo aportes consideráveis em tecnologia e na divisão da empresa focada em investimentos privados em empresas e imóveis. Também estamos fazendo investimentos internacionais consideráveis em toda a América Latina e na Ásia e até mesmo em toda a Europa. Assim, desde essa transição, continuamos nos globalizando e isso é evidenciado pelo nosso relativamente novo presidente, Emmanuel 'Manny' Roman, que é francês. Estamos em constante expansão internacional.

Valor: Como vê o risco político?

Ivascyn: Ele é significativo. Na Pimco temos o nosso Fórum Secular a cada ano, em que reunimos todos os profissionais e investidores para mais de uma semana de reuniões, inclusive com palestrantes externos. Nos últimos dez anos, falamos sobre uma economia global e os mercados financeiros dominados por bancos centrais. Acreditamos que esse tipo de ambiente ficou para trás e avançar na política importará muito mais. A incerteza política é mais difícil de lidar. Assim, continuamos a ver pressão 'anti-establishment', populista ou nacionalista, e isso não se limita a apenas uma região do mundo. É um movimento, ou uma série de movimentos que estão ocorrendo em todo o mundo e levando à vitória desses candidatos nas eleições nos principais países. Vemos essa dinâmica nas eleições aqui no Brasil, vimos isso recentemente nas eleições na Itália, nos EUA, em outros países europeus, e no México também. Acreditamos que isso levará a uma maior volatilidade nos mercados em relação aos períodos anteriores. Assim, os investidores precisam ser muito mais cautelosos nesse tipo de ambiente, mas também oportunistas quando os mercados tiverem uma tendência de 'overshooting' [movimento exagerado] de preços.

Valor: O que vocês têm olhado no Brasil em termos de investimento?

Ivascyn: Do lado do investimento, temos sido muito atuantes em mercados de juros, moedas e títulos de dívida. Mais recentemente, começamos a nos concentrar em estratégias mais oportunistas, incluindo investimentos potenciais no setor imobiliário, que poderiam incluir títulos de dívida ou mesmo investimentos diretos, como em imóveis comerciais. Também estamos olhando negociações privadas no Brasil em outros segmentos. Nos próximos anos, pretendemos aumentar a equipe, com foco em oportunidades na região. De uma perspectiva de longo prazo, o Brasil continua sendo uma das nossas principais áreas estratégicas. Ana Paula Paiva/Valor  Leia mais em gsnoticias 31/07/2018

31 julho 2018



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