25 março 2015

"Startup não é lugar de fantasia", diz mentor do Vale do Silício

CEO do Founder Institute fala sobre o programa de treinamento de empreendedores que chega ao Brasil reproduzindo a filosofia e os desafios do centro de inovação americano

Todo negócio tem seus riscos, mas o das startups é assustador. Estima-se que entre 80% e 90% das empresas nascentes que querem revolucionar seus mercados morram antes de completar o segundo ano de vida. Com várias startups no currículo, o americano Adeo Ressi vem lutando para reduzir essa taxa de mortalidade. Criador e CEO do Founder Institute, ele desenvolveu um método de seleção e treinamento de empreendedores que se aventuram na área de tecnologia que ostenta um número invejável: 87,5% dos mais de 1.500 negócios gestados no programa prosperam na fase inicial - entre eles, estão o gigante do e-learning Udemy. Não é fácil ser admitido. Candidatos passam por um teste que em tese indica quem tem DNA de empreendedor. Mas é fácil ser "demitido", ou melhor, expulso do programa: 30% dos aspirantes a empreendedor são convidados a se retirar antes do fim. "Não vou mentir: o Founder Institute é duro", diz Ressi. Nascido no Vale do Silício, o treinamento de 14 semanas é oferecido hoje em 50 países. No exterior, os mentores são nomes como Peter Vesterbacka, executivo da Rovio, e Eric Ries, autor do livro A Startup Enxuta. Pela primeira vez, o programa será realizado no Brasil (saiba como fazer a inscrição, até o próximo domingo), reunindo mentores recrutados em startups vencedoras e também em grandes empresas de tecnologia. Na entrevista a seguir, Ressi fala sobre o programa e as razões do sucesso - ou fracasso - dos negócios.

Trinta por cento dos participantes do programa do Founder Institute deixam o treinamento antes do encerramento do curso - eles são cortados do grupo pelos mentores, na verdade. Parece um reality show. Qual é o objetivo? 
Não vou mentir: o Founder Institute é duro com os participantes. Mas construir um negócio duradouro no ramo de tecnologia é muito mais. E não somos um reality show. Nosso programa é um passo a passo acelerado para construir esse negócio duradouro. Se mais de vinte mentores, que já são empreendedores experientes, não acreditam que seu negócio pode ser realista e duradouro ou que você não está trabalhando duro o suficiente, então, você está fora. Não somos um acampamento para diversão e fantasia. Nós vamos pressioná-lo para ser bem-sucedido, mas algumas pessoas não estão prontas para criar algo que faça sentido.

Ao contrário de outros, o processo de admissão não avalia os candidatos por uma ideia ou projeto, mas a partir de teste próprio, que em tese prevê as chances de sucesso daquela pessoa. Os detalhes do teste são sigilosos, mas você pode ao menos dizer o que ele leva em conta para indicar um e não outro candidato? 
Ter uma ideia não significa dominar os conhecimentos e capacidades necessários para torná-la um grande negócio. Começar uma companhia de tecnologia é estremamente desafiador, e a qualidade das pessoas envolvidas em geral determina o sucesso ou fracasso do empreendimento. Nós elaboramos o teste com o objetivo de encontrar essas pessoas. Começamos a construí-lo há seis anos em parceria com estudiosos de ponta das ciências sociais e desde então comparamos seus resultados com a performance no mundo real dos mais de 1.500 empreendedores e empreendimentos formados aqui. Posso dizer que procuramos identificar pessoas que possuam três características. A primeira é inteligência fluida, que é a capicidade de aprender rapidamente um novo conjunto de regras e aplicá-las na solução de novos problemas. A segunda é a mente aberta, comum em pessoas criativas e que aceitam riscos e desafios. Por fim, a afabilidade moderada, que permite flexibilidade e generosidade. No teste, também procuramos identificar características negativas, como agressividade predatória, instabilidade emocional e narcisismo.

Um sonhador ou um workaholic: de acordo com sua experiência, qual o perfil ideal para o empreendedor? 
Quem você realmente admira? Você não será um empreendedor bem-sucedido se não trabalhar duro. Mas trabalho duro é só um pré-requisito. Em seguida, eu diria que paixão pelo problema que seu negócio se propõe resolver é estremamente importante. Sempre desencorajo pessoas a começar um negócio se o único objetivo é fazer dinheiro. Digo a elas: "Ame o sonho, não o papel." Quando isso não acontece, o negócio em geral fracassa. Elon Musk (confundador da Tesla Motors e PayPal, entre outros) é meu amigo e certamente a pessoa que conheço que mais trabalha. É também o mais apaixonado pelos problemas aos quais suas empresas se dedicam. Muitas vezes, ele colocou sua fortuna em risco para se arriscar em negócios nos quais ninguém acreditava. Agora, aquelas pessoas que achavam que ele estava louco imploram para que ele use o dinheiro delas da mesma forma.

Entre outras habilidades, inovar requer criatividade e até improvisação. Assim, à primeira vista, ensinar inovação parece uma contradição. Como ensinar um método sem cortar as asas de um aspirante a inovador? 
Concordo que não é possível ensinar alguém a inovar. Mas, ao fim do dia, inovação só acontece se você tem um produto que as pessoas querem, além de uma plano racional para difundi-lo em escala e construir uma empresa em torno dele. Nós oferecemos a estrutura que dá à inovação a melhor chance de crescer.

Como o método do programa foi desenvolvido? 
A primeira versão contou com a colaboração de milhares de empreendedores de tecnologia por meio do TheFunded.com (plataforma que reúne mais de 20.000 CEOs e empreendedores para fomentar startups). Pedi que eles respondessem à seguinte questão: "Se você tivesse à sua disposição um programa para ajudá-lo a lançar uma empresa, economizando tempo e minimizando riscos, como ele seria?" Desde 2009, recebemos respostas de centenas de profissionais de todas as áreas e aprimoramos o conteúdo em conjunto com nossos melhores mentores, caso de Eric Ries. Hoje, temos uma versão bastante desenvolvida, que inclui práticas de desenvolvimento de clientes e de lean startup.

Qual o erro mais comum cometido por quem começa um negócio? Como corrigir isso? 
No caso das startups, os erros acontecem de saída e podem ser fatais. Que tipo de companhia devo formar? O mercado em que quero atuar é grande o suficiente? Alguém quer meu produto? Como vou distrubuí-lo? Como ganhar dinheiro com ele? A maior parte das companhias que fracassam falha em tomar as decisões certas no começo. Por isso, focamos na fase inicial dos negócios.

Qual habilidade em geral falta aos empreendedores? Como preencher essa lacuna? 
O desconhecimento sobre os aspectos financeiros é provavelmente a maior lacuna. Isso inclui dúvidas sobre como obter financiamento, equity e até questões primárias de contabilidade. Nós compartilhamos com as startups assistência jurídica e a experiência de outros empreendedores.

Vocês apresentam um novo modelo de negócio também. Se os projetos dos participantes do programa decolam, todos recebem parte dos dividendos - isso inclui os demais participantes e o próprio instituto. Qual é o objetivo desse modelo? 
O Vale do Silício não é um lugar, é um jeito de pensar, uma mentalidade de construir a partir da colaboração. Aqui, as pessoas vindas de várias áreas trabalham juntas porque isso favorece a todos. Não é o que acontece na maioria dos lugares. A criação do fundo de liquidez compartilhada, como chamamos esse mecanismo, pretende forçar as pessoas a trabalhar em conjunto. A cada semestre, todos compartilham do patrimônio líquido das companhias: então, quando um ganha, todos ganham. Hoje, o instituto fica com 15%, sendo que os 85% restantes são divididos entre diretores locais, mentores e companhias.

Por que você decidiu dedicar sua vida a este projeto? 
Empreendedorismo é minha paixão. Eu adoro conversar sobre novas ideias, negócios nascentes e criação de empresas. Com o instituto, faço isso todo dia. Chego ao escritório pela manhã cheio de energia porque consegui fazer da minha paixão minha profissão. Quero ajudar outras pessoas a fazer o mesmo. Eu trabalho 80 horas por semana, no mínimo, chegando a 120 em algumas ocasiões. Não me parece trabalho, contudo. Acordo e mal posso esperar para começar a fazer ligações e começar o dia. Por: Jadyr Pavão Júnior (Divulgação/VEJA) Leia mais em veja 25/03/2015

25 março 2015



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