Contribuintes têm conseguido reverter na Justiça derrotas que sofreram no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre o uso de ágio. Há sentenças e pelo menos 28 liminares favoráveis a empresas, segundo levantamento do escritório Mattos Filho Advogados. Entre as beneficiadas estão companhias como Gerdau, Johnson & Johnson, Cremer e Empresa de Mineração Esperança (Emesa), com autuações fiscais que somam cerca de R$ 6 bilhões. há 6 horas Legislação
O tema está entre as prioridades de trabalho da Receita Federal. Nos últimos anos, foram encerrados 160 procedimentos fiscais com a constituição de crédito tributário de R$ 56,6 bilhões, segundo o plano anual de fiscalização do órgão para este ano.
O ágio é o valor pago, em geral, pela rentabilidade futura de uma empresa adquirida ou incorporada. Pode ser registrado como despesa no balanço e amortizado, em cinco anos consecutivos.
O que representa a redução dos valores a pagar de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL.
A fiscalização, porém, costuma autuar o contribuinte quando entende que a operação teve como único objetivo diminuir o montante de tributos a recolher.
Pelo levantamento do escritório Mattos Filho, até início deste mês existiam ao menos 58 processos judiciais em tramitação sobre o tema. Em 39 deles, havia decisão sobre os pedidos de liminares. Das 28 favoráveis, em metade delas os juízes analisaram o mérito da discussão. Até o fim do ano de 2017, existiam menos de dez decisões judiciais sobre a questão, segundo o levantamento. “Os contribuintes perderam em quase a totalidade dos casos julgados na Câmara Superior do Carf. A maioria por voto de qualidade [proferido pelo presidente da turma, representante da Fazenda, em caso de empate].
É um dos argumentos levados pelos contribuintes”, diz Roberto Quiroga, sócio do Mattos Filho. Na Justiça, acrescenta o advogado, o cenário é mais favorável aos contribuintes. “Há uma melhor acolhida porque muitas vezes é uma questão mais formal, não existe o viés fiscal da Câmara Superior”. De acordo com ele, com o ajuizamento de tantas ações, a discussão será devidamente analisada e amadurecida no Judiciário. Uma das sentenças favorece a Gerdau Aços Longos. Foi obtida na 11ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro para anular dois autos de infração pelo uso de ágio em uma reorganização societária do grupo de 2004. A Receita cobra IRPJ e CSLL relativos a fatos geradores de setembro de 2005 a junho de 2010.
Além da Gerdau Aços Longos, a Gerdau Aços Especiais e a Gerdau Açominas foram autuadas pela mesma operação. O valor total das cobranças chega a R$ 5 bilhões, de acordo com o Formulário de Referência de 2017. Em maio de 2018, a Gerdau Aços Especiais obteve decisão semelhante na 16ª Vara Federal de Porto Alegre. (processo nº 5058075-42.2017.4.04.7100). Ao analisar o processo da Gerdau Aços Longos, o juiz Silvio Wanderley do Nascimento Lima entendeu ser válido o voto de qualidade.
Porém, considerou que não havia “qualquer irregularidade” na reestruturação societária. “Ainda que pudesse ter como propósito subjacente (ou, até mesmo, primaz) promover elisão fiscal, de modo a produzir um autofinanciamento, tal circunstância não compromete a validade dos atos empresariais perpetrados, eis que, efetivamente, atingiram um objetivo societário: a reorganização”, diz na decisão (processo nº 0143649-58.2017.4.02.5101). A Cremer também obteve sentença favorável, na 2ª Vara Federal de Blumenau (SC). Ela foi autuada pela amortização de despesas de ágio de 2005 a 2009, gerada na aquisição de seu controle por investidor estrangeiro (Merryl Linch Global Partners), em 2004.
O juiz Francisco Ostermann de Aguiar também manteve o voto de qualidade. Sobre a operação, que gerou ágio de R$ 60 milhões, entendeu que “possuía propósito negocial, necessário para a reorganização societária da demandante (fechamento do capital, aquisição do controle acionário, reorganização da estrutura administrativa)”. Há também recentes decisões liminares sobre o tema. Umas delas (tutela de urgência), da 6ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, beneficia a Empresa de Mineração Esperança (Emesa), que suspendeu cobrança de R$ 36, 9 milhões (valor originário). A Receita exige Imposto de Renda e CSLL dos anos de 2011 e 2012, acrescidos de multa de ofício de 75% e multa isolada de 50%. O caso trata da compra da Emesa pela mineradora Ferrous Resources do Brasil (processo nº 1006997-96.2019.4.01.3800).
O juiz federal em exercício Aníbal Magalhães da Cruz Matos já analisou o mérito e entendeu que não há vedação legal para uso de empresa veículo na obtenção de ágio e dedutibilidade para fins fiscais. De acordo com ele, “o contribuinte não é obrigado a realizar negócios pelo maior custo e com pagamento de maior carga tributária.” Outra liminar foi obtida pela Johnson & Johnson. A empresa alega (processo nº 5011781- 15.2018.4.03.6100) que o ágio é resultado de processo válido e legítimo de reorganização societária globalmente conduzido pelo grupo Johnson & Johnson ao longo de dois anos, não só no Brasil, como em outras jurisdições onde mantém presença comercial.
Na decisão, a juíza federal substituta Tatiana Pattaro Pereira, da 4ª Vara Cível Federal de São Paulo, afirma que o Fisco não pode desconsiderar os negócios jurídicos pela suposta falta de propósito negocial. “Se não houver fraude ou simulação nas operações realizadas, estas serão válidas, ainda que tenham o propósito único de economizar tributos”, diz. Ela lembra que no artigo 14 da MP nº 66, de 2002, houve a tentativa de se inserir o conceito de propósito negocial. Porém, a Medida não foi aprovada pelo Congresso. Segundo o advogado Maurício Faro, do BMA Advogados, é a primeira vez que as discussões sobre ágio chegam efetivamente ao Judiciário. “Até então, existiam decisões isoladas”, diz. Entre elas, destaca precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que considerou legal uma operação de transferência de ágio ao analisar o caso da fabricante de móveis Todeschini.
Ele acrescenta que, em geral, os juízes têm analisado mais a legalidade das operações. Apesar da discussão estar bastante incipiente na Justiça, o advogado Diego Miguita, do Vaz, Buranello, Shingaki & Oioli Advogados, também ressalta que o debate tem sido mais fundamentado no que a lei admite sobre o tema e se a operação realmente existiu. A grande dificuldade em levar ao Judiciário, segundo Roberto Quiroga, é que o contribuinte tem que garantir a dívida discutida, seja por seguro garantia (em torno de 0,5% ao mês do valor da dívida), carta de fiança (cerca de 1% mensal) ou depósito judicial (que onera mais a empresa por ter que liberar o valor integral). “Como o processo demora de sete a dez anos, o custo para garantir a discussão é significativo”, afirma. Gerdau, Johnson & Johnson e a advogada da Emesa foram procuradas, mas não quiseram se manifestar. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Cremer não retornaram até o fechamento da edição. - Valor Econômico Leia mais em sindeprestem. 22/10/2019
22 outubro 2019
Empresas vencem na Justiça disputa bilionária sobre ágio
terça-feira, outubro 22, 2019
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Ruy Moura
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