27 outubro 2019

“O investimento dependerá cada vez mais do setor privado”

Em entrevista, o  economista e ex-ministro da Fazenda Maílson de Nóbrega aborda os impactos da Previdência, futuro do país e o que é preciso ser feito para o Brasil voltar a crescer mesmo com a instabilidade política.  Especialista é um dos palestrantes do 14º Encontro de Lideranças, promovido pela Rede Gazeta

“União, Estados e municípios perderam a capacidade de empreender em infraestrutura, isso dependerá cada vez mais do setor privado.” A constatação é do economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Para ele, com o aumento das despesas governamentais, o poder público precisará criar novas alternativas para manter os investimentos e melhorar a economia brasileira.

Nóbrega é um dos palestrantes do Encontro de Lideranças, realizado pela Rede Gazeta, que acontece na Pedra Azul até este domingo (27). Em entrevista abaixo, ele ainda avalia os impactos da reforma da Previdência e fala sobre a importância de melhorar a qualidade da educação para que o Brasil não seja “um país medíocre”.

Como o senhor avalia o texto da reforma da Previdência aprovado pelo Congresso?
Na verdade, o resultado final é melhor do que o esperado. Havia estimativa de que quando o projeto passasse pela Câmara poderia ter projeção de economia de R$ 650 bilhões a R$ 700 bilhões em dez anos (apesar de o governo falar em R$ 1 trilhão). O texto saiu da Câmara com estimativa de R$ 900 bilhões. E, no Senado, ficou em torno de R$ 800 bilhões.

Mas houve muita desidratação no texto. Isso comprometeu a eficiência da reforma?
Cada reforma tem uma função. A da Previdência será evitar um colapso fiscal do governo federal e, por tabela, dos Estados e municípios, o que colocaria o país em uma trajetória de catástrofe iminente. Porém outras medidas deverão vir. Daqui a alguns anos, vamos ter que fazer outra reforma. A estimativa é de que essa dure uns dez anos e então demandará uma nova, pois não conseguiu atacar todos os pontos necessários.

A Câmara desidratou uma parte e o Senado, outra. Essas questões vão precisar ser discutidas no futuro. A capitalização precisa voltar?
A capitalização vai voltar à pauta. É uma questão de necessidade e que foi mal entendida pela opinião pública e pelo Congresso. Divulgou-se uma má ideia de que seria como a do Chile. Na verdade, o regime atual seria parcialmente substituído. O novo sistema deve ser composto de três partes. A primeira, para amparar os brasileiros mais pobres sem capacidade de contribuir. O Estado vai ter que ampará-los. A segunda, o regime de repartição, que é o atual, em que os trabalhadores de hoje paguem pelos de ontem. Já o terceiro será o de capitalização, que é apenas uma parte do que se imagina que seja a nova Previdência do Brasil.

E quanto à reforma tributária?
Ela vai gerar ganho de produtividade para o país. Hoje, temos cinco tributos, sendo o mais perverso o ICMS, que é a principal fonte da ineficiência da economia brasileira. A substituição por um único imposto vai reduzir o custo das empresas. Isso também vai contribuir para melhorar a economia, já que vai aumentar a renda das pessoas e gerar empregos

E a reforma administrativa? Por que ela é importante para o país?
Para estabelecer o mínimo de racionalidade das três esferas do governo. Essa reforma tem sua origem nos custos das folhas de salário dos Estados, municípios e União. O governo federal, por exemplo, tem mais de 300 carreiras. Hoje, o servidor federal ganha um salário 97% maior do que o pago a uma pessoa do setor privado que ocupa função semelhante. Algo parecido existe nos Estados com as carreiras do Judiciário e do Ministério Público, onde é fácil encontrar juízes com aposentadorias que vão de R$ 50 mil a R$ 100 mil por mês.

O que é preciso para que ela ocorra? E qual será a maior dificuldade?
Será preciso fixar mecanismos de avaliação de desempenho dos servidores e permitir a demissão de quem não atende ao que se espera. Com isso, será possível melhorar a gestão fiscal, desengessar a administração orçamentária dos Estados e criar serviços públicos melhores, mais racionais e com menos influência dos sindicatos. A maior dificuldade dessa reforma será o fato de ela estar relacionada ao direito adquirido dos servidores.

Que tipo de melhorias a reforma administrativa vai gerar?
Vai melhorar a gestão do setor público, a relação do cidadão com o Estado. Com isso, o custo será menor e a folha de pagamento será mais compatível com as possibilidades futuras do país. Hoje, o Brasil gasta 13% do PIB com folha de pagamento, já em outros países desenvolvidos esse percentual é inferior a 10%.

Quais outras ações o governo deve fazer para melhorar a economia?
Outras ações microeconômicas são os investimentos privados em infraestrutura, principalmente na área de transportes, por meio da concessão dos serviços à iniciativa privada. Estados e municípios perderam a capacidade de empreender em infraestrutura, isso dependerá cada vez mais do setor privado.

Quais as próximas medidas que o governo precisa tomar para garantir a estabilidade do país?
Aprovar a reforma da Previdência era prioridade. Agora vem a aprovação da reforma tributária e, em seguida, a administrativa. Isso associado a outras ações no campo da infraestrutura, de desburocratização e no campo da economia que não estão no conceito de reforma por não terem necessidade de mudar a Constituição para que ocorram. Em longo prazo, é fundamental melhorar a qualidade da educação. Com o nível que estamos hoje, não vamos muito longe, seremos um país medíocre. Todos os casos de sucesso têm como base uma revolução na educação, pois ela é a base para ganho de produtividade de gestão, eficiência e melhor funcionamento do Estado.

O senhor acredita que o Orçamento da União é muito engessado?
Acredito, sim. Hoje, 94% das despesas são determinadas e com uma margem de manobra de apenas 6%. A política fiscal em todo o mundo é um instrumento do governo para propiciar o crescimento da economia. No Brasil, não. O governo vai investir neste ano apenas R$ 19 bilhões, o que é quase nada em comparação ao déficit previdenciário do governo federal, que está em mais de R$ 200 bilhões. O déficit ainda vai persistir por muitos anos. O que a reforma fez foi evitar um crescimento explosivo. O déficit vai ser menor, mas vai continuar. A vinculação para educação e saúde precisa ser revista, isso engessa o governo e gera desperdício com a arrecadação. O que ocorre é que essas áreas, sabendo que terão um recurso certo, não têm incentivo para economizar e aproveitar melhor as transferências.

O cenário atual é de uma taxa Selic que chegou ao seu menor patamar da história, com perspectiva de mais quedas até o final do ano. O que isso significa?
Em primeiro lugar, essa é uma situação que veio para ficar. O Brasil está colhendo frutos de um conjunto de transformações que ocorreram nos últimos 30 anos, desde a criação do Comitê de Política Monetária no primeiro governo do Fernando Henrique Cardoso, depois pelo teto de gastos, pela criação da taxa de juros em longo prazo e pelo aumento do peso da política monetária.

Como isso pode refletir em redução real dos juros, movimentar economia e incentivar o investimento?
O novo quadro inflacionário é benigno e lento, mas que, ao longo do tempo, começará a viabilizar novos empreendimentos. As empresas terão maior capacidade de se financiar e diminuir custos. Porém, o spread bancário é ainda muito alto. Você tem tributação das transações financeiras que não existem em outros lugares - cobrança de PIS, Cofins e IOF que, juntos, somam quase 20% do valor total do spread. Em segundo lugar, é muito difícil executar garantias no país. Os bancos recuperam apenas 16% de tudo aquilo que não foi pago. Na Inglaterra, esse percentual é de 80% e, nos EUA, de 60%.

Como o senhor avalia o cenário econômico nacional, que, mesmo com redução de juros, ainda não teve a retomada esperada?
A retomada não depende só de uma taxa de juros mais baixa, depende também de confiança e, sobretudo, de produtividade, que é o principal fator de crescimento da economia. A produtividade está estagnada e não é à toa que estamos crescendo pouco. A taxa de crescimento da produtividade está baixa, em torno de 15% do PIB, e precisaria ser acima dos 20%. A produtividade do trabalhador também é baixa, isso tem a ver com a educação, onde as empresas operam e com o ambiente de negócios. Para o país crescer 3% ou mais, precisa de reformas que alterem esse quadro de produtividade.

Era esperado que as crises políticas do país se estabilizassem. Porém ainda há várias turbulências. Como o investidor encara essa instabilidade?
Até agora, as crises no governo têm servido mais para afetar a credibilidade do presidente do que o andamento das reformas e a situação da economia. As reformas estão andando porque estamos vivendo um quadro em que as preferências dos parlamentares se alinham às necessidades da realização das reformas. Era necessário um líder para coordenar esse processo. Tradicionalmente, seria o presidente, mas (Jair) Bolsonaro decidiu renunciar ao papel e ser minoritário, o que nunca deu certo. Com isso, surgiu uma figura que é a do Rodrigo Maia (presidente da Câmara) para executar esse papel de articulador. Enquanto isso, o presidente se preocupa com uma agenda de caça a comunista, dedicada aos filhos e aos conceitos que tem de família no lugar de uma que seria muito séria. É provável que, nos próximos anos, esse período seja visto como medíocre. Vamos caracterizá-lo de medíocre, de ausência de articulação, mas que não foi capaz de colocar o país em uma crise financeira. As crises atuais podem impactar muito o crescimento, mas não acredito que podemos viver um colapso econômico... Leia mais em gazeta 27/10/2019


27 outubro 2019



0 comentários: