A urgência de ajustar o tamanho do Estado brasileiro, rever as obrigações tributárias e acelerar privatizações já se impunha antes de a pandemia acenar a recessão econômica e a fuga de investidores estrangeiros. Agora, essa agenda de reformas se tornou obrigatória para assegurar o crescimento do País.
100% DO PIB É o que pode atingir a dívida púbica se não houver redução do gasto com o funcionalismo.
O que antes era recomendável passou a ser obrigatório. Não estamos falando de protocolos de segurança para a saída da quarentena imposta com a chegada da Covid-19 ao Brasil e sim da discussão sobre mudanças estruturais na gestão pública e nas obrigações tributárias privadas. Os dois temas estavam na pauta do Congresso Nacional antes da pandemia e deveriam entrar em votação para garantir um impulso na retomada do crescimento econômico, após mais um ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) não passou da casa de 1%. Com a iminência de um colapso econômico, avançar com essa agenda se tornou essencial. Tanto porque dela depende a imagem da economia brasileira para investidores de todo o planeta quanto pela certeza de que a própria atividade vai mudar — e a capacidade de adaptação ao futuro ditará o papel do Brasil em um novo mundo.
Há poucos meses, a reforma tributária surgia como um modo de diminuir as distorções do sistema fiscal brasileiro. Hoje, ela é vital para que os empresários fiquem menos estrangulados financeiramente após um período longo de baixas receitas. A reforma administrativa, que figurava no discurso liberal da equipe econômica como uma ação para modernizar o Estado brasileiro, virou a única saída para que a dívida pública não ultrapasse 100% do (PIB) em um horizonte próximo. As duas reformas — administrativa e tributária — precisam ser aprovadas para que o governo federal tenha condições de atrair investimentos estrangeiros para vender a preços justos as estatais e ativos públicos que não sejam estratégicos e podem ser geridos com maior eficiência pela iniciativa privada. Atrair interessados em fazer essas aquisições será bem mais difícil agora, com a retração da economia global, e praticamente impossível se não houver uma sinalização clara de que o País ofereça segurança jurídica, responsabilidade fiscal e um ambiente tributário simplificado.
Em entrevista à DINHEIRO, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) ressaltou a necessidade de avançar com a reforma administrativa e cobrou do presidente da República e da equipe econômica comandada pelo ministro Paulo Guedes o envio de um texto para apreciação do Parlamento. “No pós-pandemia teremos uma nova realidade e uma necessidade de reorganização do Estado brasileiro também em outro patamar”, afirmou. “Quem pensava uma reforma administrativa antes dessa pandemia com uma relação dívida/PIB de 70%, agora vai ter que pensar uma relação dívida/PIB com 100%”.
Para o deputado, além de rever o tamanho do Estado, a reforma administrativa terá como objetivo ampliar as economias previstas com a nova Previdência. Ele entende que a mudança da seguridade social foi insuficiente por só atingir servidores futuros e, com a dívida bruta pública em trajetória de crescimento, algumas medidas para diminuir os gastos precisam ter efeito imediato. Maia não descartou novas análises sobre mudanças nos processos de aposentadoria, visto que o contexto em que foi aprovada a nova Previdência era completamente outro se comparado ao atual.
“PARASITAS” O ministro Paulo Guedes, que sempre combateu o elevado número de cargos na estrutura pública, chegou a chamar os servidores de “parasitas”, e no dia 17 de maio voltou a falar sobre a necessidade da reforma, quando acusou os trabalhadores do Estado de querer “assaltar” o Brasil com pedidos de reajuste. As falas de Guedes, mais do que alfinetar uma categoria inteira, têm como objetivo instigar o Congresso a retomar a votação das Propostas de Emenda à Constituição 186 e 188, conhecidas como PEC Emergencial. Já no Parlamento, esse conjunto de emendas cria mecanismos para exclusão de cargos obsoletos, acaba com a estabilidade do servidor, trava concursos públicos em estados de calamidade e estabelece metas meritocráticas para pagamento de bônus. O argumento de Guedes é que a folha de pagamento de funcionários ativos e inativos da União forma a maior despesa do governo (sem contar os juros da dívida pública) e, com a pandemia, a arrecadação vai cair, tornando inviável manter esse contingente de trabalhadores e aposentados. “A conta não fecha”, afirmou o ministro. Contumaz defensor do Estado mínimo, Guedes se apoia também nas orientações do Banco Mundial para o Brasil. Desde 2016, a instituição financeira defende que o País comece a equiparar os salários dos funcionários públicos com os da iniciativa privada.
FUTURO INCERTO Governo ainda pensa em privatização do Correios, medida que deve ser apresentada ao Congresso
em 2021. (Crédito: Hélvio Romero)
Sobre o andamento da reforma tributária, Maia também defendeu agilidade, com aprovação rápida após a pandemia, para acelerar a recuperação brasileira e dar fôlego aos empresários e à sociedade civil em um momento no qual precisa haver maior circulação de dinheiro para reativar a atividade econômica. “Se a reforma não andar, o pós-pandemia será um caos para o Brasil”, disse e deputado. A reforma da estrutura fiscal brasileira, desenhada na PEC 45, é a mais forte entre as quatro propostas no Congresso, e deve voltar à discussão no Parlamento no começo de julho. Mesmo com a previsão de celeridade, Maia adianta que a análise será mais complexa e profunda em função dos efeitos da Covid-19. “Certamente a discussão sobre o sistema tributário como um todo será um pouco mais complexa e mais relevante”.
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O projeto de emenda em questão trata principalmente da união de impostos federais, estaduais e municipais (PIS, Cofins, IPI, ISS e ICMS) sobre o consumo de bens e serviços. “Temos um debate sobre a tributação dos impostos de bens e serviços na Câmara. A gente não sabe se depois da pandemia esse é o debate, mas não tenho dúvida que discutir um novo sistema tributário será fundamental para que o Brasil consiga sair com alguma força dessa crise.”
Com as empresas estranguladas e o governo podendo abrir mão de parte da arrecadação com programas de desoneração da folha de pagamento (leia mais no quadro) a alta conta da retomada pode ficar, até a aprovação da reforma tributária, nas mãos de pessoas físicas. Ainda que a volta da CPMF seja um assunto refutado publicamente pelo governo, nos bastidores do palácio do Planalto se estuda algum tipo imposto temporário, que pode ser em transações digitais, para elevar a arrecadação de forma ágil. A medida, no entanto, nem sequer está em discussão no Congresso. Um parlamentar da comissão especial de assuntos econômicos afirmou ter sido sondado pela equipe de Guedes sobre a aderência desse projeto – que já havia sido descartado por Maia antes da pandemia. “É um assunto espinhoso, principalmente em 2021, com os senadores e deputados pensando na eleição de 2022”, disse, em condição de anonimato. Até por essa razão, acelerar os trâmites da reforma tributária se faz ainda mais necessário e urgente.
Danilo Alves, doutor em economia tributária e conselheiro do ex-ministro e atual secretário da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo Henrique Meirelles, afirma que a solução mais adequada é rever as obrigações fiscais de modo transparente, por meio de mudança na Constituição. “Impostos temporários são mal vistos pela população e podem se tornar uma dor de cabeça em pouco tempo. É preciso redesenhar obrigações, até para atrair capital estrangeiro dando estabilidade aos investidores e empresários”, afirma.
Outro plano de Paulo Guedes que foi devastado pela Covid-19 era diluir a dívida pública por meio da venda de ativos do governo que não fossem considerados primordiais pela equipe econômica. Sem condições de tocar tais medidas em meio ao coronavírus, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar, confirmou o adiamento do programa, prometendo retomá-lo com força total em 2021. De acordo com o secretário, a recessão econômica global desvalorizou o preço dos ativos, inviabilizando qualquer venda neste momento. Ele admitiu que a meta de se desfazer, neste ano, de 300 ativos federais avaliados em R$ 150 bilhões não será cumprida. Essa meta tinha sido estabelecida em janeiro.
“Nossa meta ambiciosa era de R$ 150 bilhões, e vocês viram que, depois de fevereiro, não houve venda, nem há clima”, disse Mattar à DINHEIRO. Diante de um cenário nebuloso em relação à economia, ele disse que não tem uma meta nova.“O ambiente é de incerteza. Não sabemos se poderemos fazer a venda de ativos no segundo semestre, no quarto trimestre. Esperávamos fazer a capitalização da Eletrobras até outubro. Esse plano foi postergado. Não há ambiente no mercado para a venda de participações e ativos. Essa crise nos surpreendeu.”
Com relação à privatização de empresas como a Eletrobras, o secretário confirmou a intenção de enviar ao Congresso um projeto de lei para a reinclusão da estatal no Programa Nacional de Desestatização (PND). Haveria ainda outro texto envolvendo Correios, Casa da Moeda e Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Com relação à desestatização da Hemobrás, estatal de produção de hemoderivados, Mattar ressalta ser mais complicado, por depender de uma mudança na Constituição.
POSTERGADO Plano inicial do secretário de Desestatização, Salim Mattar, de vender R$ 150 bilhões em ativos ainda em 2020 foi adiado para 2021
“ECONOMIA COMBALIDA” No radar também estaria a venda de parcela da Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF) e a venda da Empresa Gestora de Ativos (Emgea). Essas duas, segundo ele, poderia acontecer no último trimestre, caso a Covid-19 seja controlada e os preços reajam. “Passada a pandemia do coronavírus, o Congresso vai ter de tomar sérias medidas. A economia brasileira está combalida”, disse Mattar. Sobre os negócios já feitos este ano, Mattar destacou ter obtido R$ 29,5 bilhões com venda de ativos. Desse total, R$ 22,5 bilhões referem-se à venda de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na Petrobras e na Light, R$ 6 bilhões em desinvestimentos da Petrobras e R$ 1,1 bilhão de venda de ações excedentes da União no Banco do Brasil. Até dezembro, o governo planejava vender mais R$ 70 bilhões em participações da União e do BNDES. O secretário disse que elaborará uma nova meta “ambiciosa” de desestatizações para 2021, mas não deu mais detalhes. Sem saídas milagrosas, reformar o estado brasileiro é tão difícil quanto receber um pedreiro em casa. Pode parecer exaustivo, dá vontade de desistir no meio do caminho e possivelmente demora mais que o projetado inicialmente, mas vale a pena no final das contas.
Desoneração no radar
Enquanto as mudanças estruturantes não saem, uma medida de aprovação mais simples voltou ao radar dos deputados e senadores: a desoneração da folha de pagamento. A possibilidade de que a isenção passe dos atuais três meses para até dois anos seria um alívio para o empresariado, que assim compensaria parte das perdas da baixa atividade econômica. Para o governo, ela pode gerar um grande problema nas contas públicas, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que entre 2011 e 2015 renunciou a quase R$ 460 bilhões com desonerações e teve como resultado o maior déficit do governo na história.
A discussão sobre a desoneração retornou ao Congresso com a Medida Provisória 936. O foco agora está em quais setores devem receber a benesse do governo e por quanto tempo.
Para o Procurador do Distrito Federal Eduardo Muniz Machado Cavalcanti, a saída não é simplesmente a desoneração por si só, mas o entendimento de que o Brasil enfrenta uma “aberração jurídico-econômica por décadas”. Segundo o advogado, o excesso de tributação sobre a folha de pagamento (que pode ultrapassar 50% quando somado contribuição de empregador e empregado) inviabiliza boa parte dos trabalhos formais no País. “A desoneração é importante para atravessar a tempestade, mas não se sustenta no médio e longo prazo”.
A Confederação Nacional de Serviços (CNS) e Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT) elaboraram algumas propostas para que a desoneração não custe tão caro aos cofres públicos. O texto, que é de conhecimento de parte dos parlamentares na Câmara, inclusive do deputado Orlando SIlva (PCdoB-SP), relator da MP, envolve substituir o subsídio da Previdência que hoje se dá na produção pela cobrança do imposto no consumo. “A forma direta e mais eficaz de promover essa mudança é zerar a contribuição patronal e reduzir a contribuição dos trabalhadores”, diz Luigi Nese, presidente fundador da CNS. Na contrapartida, afirma, para garantir os recursos para o financiamento das aposentadorias e pensões, “seria empregado um tributo sobre depósitos à vista nos bancos, ou Contribuição Previdenciária sobre Movimentação Financeira [CPMF]”...
Leia mais em istoedinheiro 30/05/2020
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