O mercado brasileiro voltou a aproveitar o bom humor nas praças internacionais para reduzir as perdas que acumula ao longo dos últimos meses, com destaque para o real. Em um movimento respaldado pela animação dos investidores com a reabertura de algumas economias pelo mundo e notícias sobre novos tratamentos da covid-19, o dólar teve mais um dia de forte queda contra o real, escorregando para a marca de R$ 5,34, menor nível em mais de um mês.
O alívio na pressão no câmbio, entretanto, está muito ligado à temperatura na cena política. Por ora, o mercado ainda se apoia numa aparente trégua na escalada da tensão em Brasília, principalmente com a aproximação entre o Congresso e o governo. Mas analistas dizem que esse equilíbrio é delicado e traz desconfiança, em especial para investidores estrangeiros. Até por isso, o mercado local corre o risco de ficar para trás numa futura retomada pós-pandemia.
Sinal de que não há euforia, o Ibovespa até ensaiou uma extensão dos fortes ganhos vistos no pregão anterior, quando subiu mais de 4%. Mas, as perdas do setor bancário pressionaram o índice, que operou com maior volatilidade na reta final da sessão. Assim, o Ibovespa fechou em leve baixa de 0,23%, aos 85.469 pontos após ajustes.
Já o dólar comercial terminou em queda de 2%, aos R$ 5,3493, depois de tocar R$ 5,3348 na mínima do dia. Com isso, o real teve o segundo melhor desempenho da sessão, atrás apenas da valorização do zloty polonês. Outros emergentes e moedas ligadas a commodities vieram logo na sequência, em um dia de desempenho positivo dos ativos de risco no exterior.
Esse bom humor só consegue chegar por aqui devido à aparente amenização da escalada de tensões em Brasília. Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, adotou um discurso mais conciliatório, em nome de “relações harmoniosas” e pela “pacificação de espíritos” entre os Poderes. Inclusive, mesmo com cobranças sobre medidas do governo, Maia elogiou a tentativa do Planalto de construir uma base aliada. A afirmação faz referência a aproximação entre Bolsonaro e o grupo conhecido como “Centrão”, que controla a Casa.
Porém, entre os investidores estrangeiros, o sentimento negativo com o Brasil é unânime e já sacou R$ 77 bilhões da bolsa no ano. Foi essa a percepção que Fernando Ferreira, estrategista-chefe de pesquisa da XP Investimentos, colheu numa rodada de conversas com gestores de fundos globais ou dedicados a emergentes e à América Latina.
Para Ferreira, já tem muita piora embutida nos preços. Como pano de fundo está a percepção de que com tanto ruído e sem coordenação apropriada para conter a covid-19, o Brasil pode ficar para trás na recuperação econômica pós-pandemia, além de sair da crise da saúde fiscalmente mais frágil.
“O Brasil vai ser um dos países mais impactados, tanto pela queda do PIB, como pelo tamanho do déficit fiscal e da relação dívida/PIB”, afirma Ferreira. “O país está passando por três crises: da saúde, da economia e da política, e não resolveu nenhuma delas. Esses fatores explicam por que performa tão mal no ano, caindo mais do que qualquer outro emergente.” De fato, o real segue isolado com o pior desempenho dentre as moedas mais negociadas do mundo, com desvalorização de 25%. Já o Ibovespa acumula baixa de 26% no período.
Para o economista-chefe da Capital Economics para mercados emergentes, Willian Jackson, chegou a ser um pouco surpreendente ver a recuperação nos mercados financeiros brasileiros durante a última semana, dados os desenvolvimentos políticos. Ele entende que o movimento ocorre no contexto de recuperação geral dos ativos emergentes, mas afirma que “ainda parece haver um prêmio de risco nos ativos brasileiros”.
“Eu gostaria de ter uma história mais positiva sobre o Brasil. Mas parece provável que o Brasil saia dessa crise - junto com outros emergentes como o México e a África do Sul - sob uma luz relativamente fraca”, diz o profissional, que alerta para “sérias dúvidas” sobre a retomada da agenda de reformas no futuro.
A deterioração da economia na América Latina nos últimos meses tem surpreendido analistas e levado à revisão das projeções para um cenário ainda mais grave. O Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês) alerta agora que a região deve ter uma retração de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, estimativa pior que a projetada em abril, de -4,5%.
As novas projeções incluem baixa de 9,7% na Argentina e de 6,9% no Brasil, enquanto o México caminha para um recuo de 8,7%. A característica mais marcante desta recessão é a sua velocidade. Um único trimestre custará à região quase 10% de sua produção econômica, dizem os analistas do IIF. Para eles, mesmo se a recuperação ocorrer na América Latina em breve, o legado de um longo período de maus resultados de crescimento pesará no espaço das medidas econômicas e gerará uma perspectiva política e social desafiadora.
Por aqui, a combinação de pandemia ainda descontrolada, riscos fiscais crescentes e condições políticas “desconhecidas” para o avanço de reformas impopulares reduzem o apelo do investidor estrangeiro no momento. Essa é a avaliação do economista-chefe para o Brasil do Barclays, Roberto Secemski, que alerta: o Brasil deve sair da atual crise como um dos emergentes mais endividados do mundo, com relação dívida/PIB perto de 90%.
Até por isso, aumenta a importância de reformas, em especial as de cunho fiscal. “No entanto, as condições políticas para reformas impopulares ainda são desconhecidas dado o momento atual de Brasília e levando-se em conta a nova liderança do Congresso em 2021”, diz Secemski. “Este quadro todo gera incertezas grandes que tendem a diminuir o apelo do Brasil junto ao investidor estrangeiro até que haja uma clareza maior dos rumos do país.” Valor Economico Leia mais em portal.newsnet 27/05/2020
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Estrangeiro revela desconfiança com retomada do mercado local
quarta-feira, maio 27, 2020
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Ruy Moura
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