27 agosto 2017

Professor de Harvard foi mediador de guerrilha e guru de Abilio

Autor de best-seller de negociação, William Ury diz que disputas entre nações são mais complicadas do que as empresariais

Na Colômbia, ele foi apontado como um dos protagonistas no acordo de paz selado entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). No Brasil, ficou conhecido por ter tido um papel-chave para o fim do litígio entre o empresário Abilio Diniz, ex-dono do Pão de Açúcar; e o ex-sócio francês Casino. Para o antropólogo americano William Ury há uma regra de ouro em negociações: “O segredo é conseguir se colocar na posição do outro lado. Se você busca vencer tentando derrotar o outro, não funciona”, diz. “Você até terá uma vitória temporária, mas depois de um tempo volta e aí vira uma espécie de jogo de pingue-pongue.”

William Ury, que ajudou a selar arcordo com as Farc e a solucionar disputa no Grupo Pão de Açúcar
Há mais de 35 anos, Ury, de 63, participa de importantes mediações, que vão de guerras civis a litígios empresariais e familiares. Segundo ele, a maior dificuldade para chegar a um acordo é o fato de todas as partes envolvidas acharem que têm razão.

Cofundador do Programa de Harvard de Negociações, o antropólogo participou do processo de desarmamento das Farc, concluído no semestre passado, como parte do acordo assinado em novembro de 2016, em Havana, após quatro anos de longas negociações. “Meu papel foi de conselheiro principal do presidente Juan Manuel Santos, seus ministros e diretores de negociações. Mas, também fui para Havana e me encontrei com os líderes das Farc.”

Na disputa entre Abilio Diniz e o empresário Jean-Charles Naouri, do grupo francês Casino, controlador do Grupo Pão de Açúcar, Ury foi contratado em um momento crucial: convencer Abilio a deixar a queda de braço com a cabeça erguida. A briga entre os dois sócios veio à tona quando empresário brasileiro tentou promover a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour no Brasil. O embate ficou conhecido como uma das disputas societárias mais famosas do País.

“Abilio pediu minha ajuda para tentar resolver o conflito extremamente difícil que ele tinha com o Casino. Negociações são sempre sobre conseguir o que você quer. Mas, como sabemos o que queremos? Perguntei o que ele realmente queria. Ele respondeu que queria liberdade. E eu rebati: o que liberdade significa para você?”, detalha Ury.

Abilio deixou o negócio em 2013 e seguiu em frente. Transformou-se um dos principais acionistas da BRF (união da Sadia e Perdigão) e, um ano e meio depois, se tornou um dos maiores acionistas do Carrefour. Ury ajudou Abilio nessa transição. Neste ano, a varejista francesa protagonizou a maior operação de abertura de capital no Brasil, levantando quase R$ 5 bilhões.

Para Abilio, o acordo selado com o ex-sócio francês é o que menos importa. “O mais importante foi ter conhecido o Bill. Que ele me ajudou no trabalho do GPA, todo mundo sabe. Ele faz o que parece impossível. Negociou com as Farc, com a Venezuela (que passa por um crise política), com a Chechênia... Ele é um negociador.”

Mas, Ury reconhece que não é fácil abrir mão de um embate. “A negociação mais difícil que você terá não será com seu adversário, será consigo mesmo. Abilio teve de decidir o que era mais importante para ele. E para ele o mais importante foi liberdade. Hoje ele tem o Carrefour, passa mais tempo com sua família, está mais feliz que nunca.”

Livros. Autor de best-sellers, como o Getting to Yes (Como chegar ao sim - A negociação de acordos sem concessões), em coautoria com Roger Fischer, Ury esteve no Brasil no dia 7 de agosto para lançar o livro O Caminho de Abraão, publicado em parceria com Stefan Szepesi. A publicação foi inspirada no projeto da ONG fundada por Ury, que leva o mesmo nome.

Criada há 10 anos, a ONG busca promover o desenvolvimento econômico e social por meio de uma trilha de 2 mil quilômetros de peregrinação, que reconstitui os passos do profeta Abraão pelo Oriente Médio há aproximadamente 4.000 anos. Abraão é um profeta conhecido por buscar a união dos povos – judeus, cristãos e muçulmanos.

Com um discurso conciliador, Ury diz que a rota é uma forma de promover o turismo e levar o desenvolvimento à região, a exemplo do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha.

Midiático, o antropólogo é tratado como uma celebridade do mundo dos negócios. E se porta como tal: escolhe bem as palavras e suas palestras têm um tom motivacional, como a dos livros de autoajuda.

Casado com uma brasileira e pai de dois filhos, Ury brinca ao responder que exerce melhor o seu melhor papel como mediador de conflitos entre nações e empresas e evita discussões em casa. “Essas são as negociações mais difíceis... E, para mim, novamente, a chave é ouvir. Realmente ouvir”, responde, com um largo sorriso no rosto.

Venezuela. Nos últimos dois anos, Ury está concentrando em outra espinhosa tarefa: tentar selar um acordo entre o governo de Nicolás Maduro, da Venezuela, e os representantes da oposição. “Estamos tentando ver se há uma maneira negociável de resolver isso. Toda guerra, acredito, pode ser evitada. Neste momento, a Venezuela está à beira de uma guerra civil.

A falta de diálogo também pode ser tornar um problema no Brasil, que vive uma crise política e econômica. “Entendo que o Brasil está numa grande crise. Provavelmente, a maior que o País já viu. Felizmente, não chega ao ponto da Venezuela. Mas acho que a abordagem, não é sobre achar a solução correta. É sobre o processo que você usa para lidar com as diferenças. E, para mim. o que está faltando no Brasil é um diálogo nacional. Que tipo de Brasil queremos ter para nossas crianças? Não importa de qual lado você está." Mônica Scaramuzzo, O Estado de S.Paulo Leia mais em estadão 27/08/2017

27 agosto 2017



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