11 fevereiro 2020

Os bastidores da dramática saída da Rakuten do Brasil

A Rakuten vendeu suas operações no país. Três meses depois, a companhia que assumiu pediu recuperação judicial e deixou mais de 2.000 varejistas sem receber

Leonel Messi, no Barcelona: uma das estratégias utilizadas pela Rakuten para se popularizar foi patrocinar o Barcelona. No Brasil, estratégia não teve muito efeito (Divulgação/Barcelona)

 No fim de janeiro a empresária Silvia Monteil percebeu que havia algo errado com a conta corrente de seu negócio. O dinheiro que deveria receber das compras feitas pelo site da loja, a Livraria Francesa, não estava lá.

Ao entrar em contato com a GenComm, responsável por intermediar as transações financeiras de seu e-commerce, Silvia foi informada de que se tratava de um problema temporário e que logo o dinheiro da livraria, que atua há mais de sete décadas no país, estaria em sua conta. Isso nunca aconteceu.

A GenComm, que até outubro do ano passado operava sob o nome de Rakuten Brasil, entrou com pedido de recuperação judicial pouco tempo depois, no dia 3 de fevereiro, e o pedido foi aceito pela justiça na última sexta-feira (7).

A Livraria Francesa, de Silvia, entrou na lista de credores da GenComm — juntamente com mais de 2.000 lojistas brasileiros e o dinheiro que eles tinham a receber por compras feitas em seus sites.

“Eu utilizava os serviços da GenComm desde 2008 [na época, a empresa operava sob o nome de Ikeda]. Nunca achei que passaria por isso. Além de não receber, tive que tirar o e-commerce do ar porque ele era todo operado pela GenComm. Não sei quanto tempo vou demorar até achar outro fornecedor e voltar a vender pelo site”, diz Silvia.

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“Muitos lojistas dependiam do dinheiro que foi parar na recuperação judicial para continuar operando. Muita gente vai quebrar. É uma situação absurda e acontece com uma empresa que sempre foi vista exemplar”, afirma Cleyton Soares, gerente do e-commerce da varejista de sapatos Santa Lolla, que também entrou na lista da recuperação judicial.

O drama dos lojistas acontece apenas três meses depois de a GenComm assumir a operação da Rakuten Brasil — braço local da multinacional japonesa Rakuten, que está entre os cinco maiores conglomerados de e-commerce do mundo. As operações no país focam em oferecer serviços de pagamento, entregas e  infraestrutura de um site de e-commerce para varejistas que desejam montar uma loja virtual.

Por conta do curto espaço de tempo entre a mudança de controle e o pedido de recuperação judicial, muitos lojistas cobram explicações tanto da GenComm quanto da companhia japonesa. A Rakuten não tem mais ligação alguma com as operações vendidas e atualmente mantém em operação no Brasil apenas uma outra empresa de publicidade online, a Rakuten Marketing

O que todos querem é entender o que levou uma empresa que entrou no mercado brasileiro em 2011 cheia de promessas e planos e a terminar com um pedido de recuperação no valor de R$ 46,4 milhões.

Os meses da ex-Rakuten antes da recuperação
O InfoMoney apurou que a Rakuten começou a procurar por interessados em suas operações no país no começo do ano passado.

Os negócios por aqui nunca deram o retorno esperado e a multinacional decidiu se concentrar em planos mais ambiciosos — como uma rede de telefonia construída 100% “na nuvem”.

Depois de negociar com alguns interessados, a Rakuten assinou contrato com a Tog Brazil Holding, um veículo local do fundo americano Ten Oaks Group — até então sem qualquer histórico no Brasil.

Segundo seu site, o fundo Ten Oaks Group é formado por um grupo de investidores de private equity focado em empresas pequenas (com Ebitda abaixo de US$ 25 milhões) que precisam passar por reestruturações.

Executivos ouvidos pelo InfoMoney que acompanharam de perto a transação afirmam que, durante as negociações, executivos do fundo Ten Oaks se mostraram interessados em fortalecer as operações da até então Rakuten e mencionaram que planejavam um aporte de recursos.

Logo que assumiu, no entanto, o fundo alterou o nome da companhia para GenComm e demitiu grande parte dos funcionários, incluindo os diretores e o presidente René Abe — que deixou as operações no dia seguinte. A maior parte dos clientes foi informada sobre a mudança de controlador — e de nome —por e-mail. Procurada, a GenComm não deu entrevista

“Todas essas mudanças aconteceram dias antes de uma operação grande para o varejo que é a Black Friday”, afirma um ex-funcionário da empresa. Desde outubro, o quadro de funcionários da ex-Rakuten foi reduzido de 200 para 68.

Em seu pedido de recuperação judicial, a GenComm afirma que, ao assumir os negócios, encontrou um cenário pior do que o previsto.

No documento, a GenComm afirma que, além de ser uma operação deficitária (com prejuízo de R$ 25 milhões nos 12 meses anteriores à aquisição), um dos maiores problemas que descobriu foi o calote de um de seus principais clientes.

A XIAOMIBRZ, revendedora não autorizada de produtos da chinesa Xiaomi, teria deixado de entregar 60% dos pedidos realizados entre fevereiro e setembro de 2019 — período em que a Rakuten prestou serviço. O passivo desse cliente totalizaria R$ 5,5 milhões, segundo informou a GenComm no pedido de recuperação judicial

Ex-executivos da companhia alegam que o caso da XIAOMBRZ e os números do prejuízo dessa operação já eram de conhecimento “público” na empresa desde setembro.

Alguns funcionários afirmam ainda que já haviam alertado René Abe e os demais executivos sobre os problemas com a XIAOMIBRZ quando o site entrou em operação. Procurado, René Abe não comentou o assunto.

A GenComm afirma que a situação, que já era grave por conta do prejuízo com XIAOMIBRZ, teria piorado após o banco Itaú Unibanco cortar uma linha de crédito de R$ 65 milhões e manter os recebíveis do grupo para amortizar o saldo devedor.

“Na prática o que o Itaú fez foi se apropriar do nosso dinheiro”, afirma Cleyton Soares, da Santa Lolla. Procurado, o Itaú Unibanco não respondeu ao pedido de entrevista.

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