12 abril 2018

'Governo Temer é o retrato do Brasil que queremos esquecer'

"Não é possível mudar o país sem respaldo popular." Essa é a lição que fica do governo Michel Temer, na opinião do banqueiro Ricardo Lacerda, fundador do banco de investimento BR Partners.

Para ele, o Brasil precisa de um presidente eleito com legitimidade e que tenha autoridade moral para avançar.

Lacerda, que desde a fundação do banco, em 2010, fechou operações que ultrapassam R$ 100 bilhões, ressalva que o governo Temer conseguiu estabilizar a economia.

Mas não fez nada que atendesse os anseios de quem foi às ruas pedir mudança.

Para ele, a prisão do ex-presidente Lula é consequência de um amadurecimento do Judiciário, o que beneficia o ambiente de negócios, mas o importante agora é que o mesmo rigor pegue outros corruptos.

Folha - Como o senhor avalia o impacto da prisão do ex-presidente Lula para o país?
Ricardo Lacerda - Lamento que um presidente com uma trajetória tão bonita tenha seguido o caminho da mentira e da corrupção. Considero isso uma grande desnecessidade diante do papel que a história reservava a ele. Mas a condenação se deu dentro de um processo transparente e ordenado. Isso fortalece nossas instituições e a imagem do Brasil perante os investidores. O fim da corrupção e da impunidade vai melhorar muito nosso ambiente de negócios.

O que quer dizer na prática?
É um processo de amadurecimento das instituições e do Poder Judiciário. Há um fortalecimento do Ministério Público e da Polícia Federal e uma orientação mais rígida dos tribunais. Tudo isso levou a centenas de prisões e recuperação de bilhões desviados com a corrupção.

A prisão de Lula é consequência disso, com o simbolismo de que ninguém está acima da lei. O importante agora é que o mesmo rigor pegue outros corruptos, de todos os espectros políticos.

Mas o investidor teme a possibilidade de ele sair da prisão antes da eleição?
O PT e as esquerdas terão peso na eleição mesmo com Lula preso. Mas hoje o mercado acredita na vitória de um candidato de centro ou direita. Não está no preço dos ativos a vitória de um candidato radical de esquerda.

Que diagnóstico o sr. faz do país hoje? Qual é a prioridade?
Estamos vivendo a falência do modelo da Constituição de 1988. O Estado inchou, foi corrompido e engoliu boa parte da sociedade. Se não for contido, implodirá o país. Precisamos de reformas que garantam a solvência do Estado e devolvam poder ao cidadão. A força da sociedade tem de estar com trabalhadores, empreendedores e empresários, e não com políticos e burocratas.

A receita é fazer reformas, dar independência ao BC, privatizar os bancos e empresas estatais, rever o papel do BNDES e modernizar as agências reguladoras. O Estado tem que se concentrar em educação, saúde e segurança.

O que o sr. acha dos candidatos à Presidência?
É cedo para prognósticos. A grande dúvida é se teremos um segundo turno entre radicais ou se algum nome de centro se viabilizará e com qual discurso. Acredito no segundo cenário, mas a dúvida é se teremos alguém novo, eleito com uma plataforma de reformas, ou um candidato de coalização de partidos desgastados, que governará com as amarras de sempre.

O sr., diversas vezes, elogiou Henrique Meirelles. Ele teria capacidade de domar o Congresso para fazer as reformas?
Henrique Meirelles e Pedro Parente são os nomes deste governo com legitimidade para disputar a Presidência da República. Assumiram a responsabilidade de corrigir graves erros do governo anterior e entregaram resultados concretos. Ambos são boas opções de centro para as próximas eleições, mas não está claro se serão candidatos.

Por que o mercado e alguns empresários simpatizam com Jair Bolsonaro? Eles acreditam na promessa de privatização de um ex-estatizante?
É triste que parte da elite intelectual e econômica defenda uma candidatura sem nenhuma qualificação, ancorada no ódio e desprovida de valores morais e humanos. Há um clima de muita frustração na sociedade, uma desilusão enorme com os políticos tradicionais e uma busca por mudanças. Apesar de nesse estágio do processo eleitoral os radicais estarem em evidência, isso tende a ser corrigido com o decorrer da campanha. Para o bem do país, creio que essa candidatura não se sustentará.

O movimento de empresários interessados em entrar na política pode beneficiar o país? O sr. apoia alguma iniciativa?
Estou engajado no Partido Novo e na pré-candidatura do João Amoêdo à Presidência. Ele é um empresário de sucesso, estudioso do setor público, criou um partido do zero, mostrando obstinação notável. É o que temos de mais próximo a Emmanuel Macron, uma grande esperança para quem quer mudar de fato o Brasil.

Que balanço o sr. faz do governo Temer? Ainda há tempo para mudar seu legado?
Exceto pela estabilização da economia, esse governo não fez nada que fosse ao encontro dos anseios dos que foram às ruas pedir mudanças. É o retrato do Brasil que queremos esquecer.

Não sei se há legado, mas ficam algumas lições:
a primeira é reconhecer a necessidade de transparência na política econômica, de controle da inflação e das contas públicas.
A segunda é a necessidade de reformas estruturais, como a tributária e a da Previdência.
Mas a principal lição é que não é possível mudar o país sem respaldo popular. Precisamos de um presidente legitimamente eleito, respeitado e com autoridade moral para propor o melhor caminho para a sociedade.

A atual retomada econômica é sustentável?
É sustentável num patamar aquém do almejado. O Brasil está crescendo abaixo da economia mundial e dos países latino-americanos. Isso é inaceitável diante de nossas necessidades de criação de riqueza e distribuição de renda.

É retrato de um Estado gigantesco e autofágico, que precisamos rever com urgência. Precisamos criar condições para atrair capital estrangeiro em larga escala. Só isso pode elevar nosso patamar de crescimento sustentável.

RAIO-X
Carreira  É fundador do BR Partners   Foi chefe de do banco de investimentos do Citi na América Latina (2007-2009) e no Brasil (2005-2009)
No Goldman Sachs, foi diretor-presidente no Brasil (2001-2005) e vice do banco de investimento em NY (1996-2001)
Formação  Graduação em administração (1990) e pós em finanças pela FGV; mestrado pela Universidade Columbia Data:12/04/2018 Fonte:Folha de S.Paulo Leia mais em portal.newsnet 12/04/2018

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