A economia brasileira se encaminha para crescer 2,5% neste ano, impulsionada pelo consumo das famílias, que segue com perspectivas favoráveis, avalia o novo economista-chefe do Credit Suisse, Leonardo Fonseca. Como nunca chegou a projetar uma expansão na casa de 3% ou mais para este ano, Fonseca não se decepcionou com os resultados um pouco mais fracos da atividade nos primeiros meses de 2018.
"Todos os determinantes do consumo das famílias apontam de fato para uma recuperação sustentável", afirma ele, destacando a expectativa de um aumento razoável da massa salarial real (descontada a inflação), na casa de 3,5%, do avanço do crédito para a pessoa física e do menor endividamento do consumidor, num quadro de juros bem mais baixos. Ele estima um crescimento de 3,1% para ao consumo das famílias em 2018, uma aceleração razoável em comparação ao 1% registrado em 2017.
Para Fonseca, o que faz da atual retomada a mais lenta desde o começo dos anos 1980 são os outros componentes da demanda - o consumo do governo, as exportações e o investimento. Na atual retomada, o crescimento trimestral médio é de 0,5% em relação ao trimestre anterior; nos oito episódios anteriores, de 1,4%, diz Fonseca.
Para ele, o investimento deve crescer 5% em 2018, depois de quatro anos de quedas consecutivas. A alta não deverá ser mais forte por fatores como a delicada situação fiscal de União, Estados e municípios, a mudança no perfil do crédito no país e a incerteza em relação às contas públicas num ano eleitoral.
Na entrevista, a primeira desde que assumiu o cargo no mês passado, Fonseca destaca a necessidade de medidas fiscais que revertam a trajetória de alta da dívida bruta e de medidas que melhorem a capacidade de o país crescer a um ritmo mais forte de modo sustentado. A seguir, os principais trechos:
Valor: A atividade começou o ano num ritmo mais fraco. Isso muda a perspectiva de crescimento?
Leonardo Fonseca: A nossa leitura era um pouco mais conservadora do que a que o mercado tinha. Já prevíamos crescimento para este ano de 2,5%. O consenso estava convergindo para um cenário mais perto de 3% para 2018. O que vemos neste começo do ano é de fato uma moderação nos dados, especialmente em relação a dezembro, quando começou a ter mais otimismo em relação ao crescimento deste ano. Foi o mês em que a produção industrial teve uma alta fortíssima e os dados de crédito mostraram melhora. Em janeiro e fevereiro houve alguma devolução. Mas, de modo mais amplo, há um processo de recuperação gradual desde o começo do ano passado.
Valor: Quão lenta é esta retoma em relação às anteriores?
Fonseca: Na recuperação atual, o ritmo de crescimento trimestral está perto de 0,5% em relação ao trimestre anterior. Nos oito processos anteriores de saída de recessão desde os anos 1980, a taxa média foi de 1,4%.
Valor: Por que isso ocorre?
Fonseca: Primeiro, há a questão do consumo do governo. Dada a situação fiscal atual, boa parte dos cortes de gastos ocorre nas despesas discricionárias. As exportações, por sua vez, crescem, contribuindo para a retomada, mas já contribuíram mais no passado. Quando o país tinha uma pauta mais voltada para produtos manufaturados, como no começo dos anos 2000. E, por fim, há a questão dos investimentos. Uma parte importante é construção civil, que vê uma recuperação mais lenta, também associado à questão do próprio governo.
Valor: O que mais afeta a retomada do investimento?
Fonseca: Boa parte do processo de ajuste fiscal tem sido feita pelo corte de investimentos, tanto em Estados e municípios como no governo federal. É mais um fator que dificulta uma aceleração mais rápida. Outro é a questão dos bancos públicos. Todo mundo avalia como positiva a questão da medida da TLP [Taxa de Longo Prazo, que substituiu a partir deste ano a Taxa de Juros de Longo Prazo nos empréstimos do BNDES ], mas no curto prazo afeta a oferta de crédito. No Relatório de Inflação, o BC mostrou que a volta do mercado de crédito está sendo muito parecida com outros processos de flexibilização monetária. É verdade, mas no crédito livre. Em outros momentos, o crédito direcionado se expandia num ritmo mais forte. Hoje não tem isso. O crédito livre precisaria estar crescendo a um ritmo maior para ter o mesmo tipo de impacto.
Valor: O consumo das famílias decepcionou no quarto trimestre e os indícios deste começo de ano não são muito favoráveis.
Fonseca: Os dados do ano passado foram muito influenciados por medidas pontuais. Houve liberação dos recursos das contas inativas do FGTS. Se você olhar os dados do segundo e terceiro trimestres, registraram acelerações mais fortes do que se imaginava. Havia um processo de desalavancagem, que ocorre de forma gradual, no mercado de trabalho, ninguém esperava que o desemprego fosse cair de forma muito rápida, e muito menos a questão dos salários reais. No começo do ano passado, houve inflação caindo muito mais rápido do que se esperava. Os salários reais terminaram crescendo 2,4%, mesmo com desemprego ainda alto, de 12,7% na média do ano. Na verdade, houve várias surpresas que ajudaram o consumo a destravar e começar a crescer antes e mais rápido que se imaginava.
"O direcionado tinha ritmo mais forte. O crédito livre precisaria estar crescendo em ritmo maior para ter mesmo impacto"
Valor: Mas o crescimento de 0,1% do consumo das famílias no quarto trimestre não foi muito baixo?
Fonseca: O número do quarto trimestre com ajuste sazonal, de alta de 0,1%, indica uma desaceleração grande em relação ao 1%, 1,1%, dos trimestres anteriores. Mas o dado na comparação ano contra ano já está ali perto de 3%. Não é um ritmo historicamente muito elevado, mas já é um ritmo bastante razoável de crescimento. Se continuar crescendo 3%, é mais ou menos o número que nós temos para este ano. O que estamos vendo é um processo de melhora que tende a permanecer. Se você pensar que o crédito livre para pessoa física tem mantido um ritmo de expansão, mesmo em janeiro e fevereiro, a massa salarial vai desacelerar, mas segue crescendo entre 3,5% e 4%. Além disso, há um nível de comprometimento de renda já num nível muito mais baixo. Todos os determinantes do consumo das famílias apontam de fato para uma recuperação sustentável. Para mudar muito esse cenário, precisaria de algum tipo de mudança mais radical que revertesse todo esse estímulo monetário.
Valor: E essa inflação persistentemente mais baixa tem a ver com uma atividade possivelmente mais fraca?
Fonseca: Os modelos vão mostrar que, com uma economia um pouco mais fraca, isso leva a uma inflação menor. Mas há um problema nessa questão de estimar variáveis não observadas. Há toda a questão do crescimento potencial da economia brasileira. Existe um nível de incerteza elevado sobre isso. E acho que o impacto da moderação do crescimento no começo do ano não tende a ser tão grande sobre a inflação. No nosso cenário, esperamos uma alta de 0,7% para o PIB no primeiro trimestre em relação ao trimestre anterior, e hoje talvez esteja se tornando mais provável algo como 0,5%. Do ponto de vista da inflação, isso não deveria ter grande contribuição. O que poderia ter é outro fator que se tem discutido, o quão longe o PIB está do PIB potencial. Há pessoas argumentando que os dados recentes mostram que talvez se esteja numa distância maior do que se pensava.
Valor: A recuperação do mercado de trabalho se dá basicamente pela informalidade, isso preocupa?
Fonseca: Isso é um risco, sem dúvida. O emprego formal vem se recuperando, mas num passo gradual. Já o setor informal começa a mostrar uma desaceleração. Será que essa desaceleração do informal vai ser mais rápida do que a aceleração do mercado formal? Aí entraria um cenário de risco e o desemprego talvez não caísse tanto quanto se imagina. Mas, se pegar o Caged, continua a haver indícios de recuperação, de criação de postos de trabalho, num ritmo talvez compatível com o que nós já imaginávamos, de 2,5%, e não um ritmo muito mais forte que parte do mercado imaginava. A economia começa o ano crescendo num ritmo mais moderado, mas crescendo e mantendo a perspectiva de recuperação. Isso é o que importa.
Valor: E como voltará o investimento sem crédito direcionado e com a construção patinando?
Fonseca: Os investimentos são a parte mais sensível à questão da transmissão monetária. Quando o BC corta juros, é o componente que mais reage quando se pensa em termos de demanda. Para traçar um cenário de recuperação mais forte dos investimentos, é necessário manter esse cenário de juros baixos por mais tempo. Como se consegue isso? Mantendo a incerteza lá da frente baixa. Nós temos hoje num quadro com inflação baixa, as expectativas de inflação estão bem comportadas e não há um problema de demanda afetando. Se a taxa de câmbio não tiver nenhum movimento forte, o cenário é relativamente favorável para a inflação. Você consegue manter os juros baixos até que esse efeito se reflita numa economia mais forte. Isso também depende da nossa capacidade de crescimento hoje. Temos muita ociosidade, se conseguirmos crescer a um ritmo de 2,5%, 3%, se esse cenário de juros prevalecer por um tempo relativamente grande é natural que uma hora a economia reaja a isso. Com todo esse processo de desalavancagem de empresas, de famílias, a demanda voltando e tudo mais, o caminho normal vai ocorrendo e se consegue estimular também os investimentos.
Valor: Há quem ache que o BC demorou para baixar juros.
Fonseca: A minha opinião é diferente. Se você pegar a projeção do Focus em agosto, setembro de 2016, ela vai mostra uma inflação de 5,5% para 2017, mas ela ficou em 3%. Todo mundo foi surpreendido, tanto é que muita gente na época defendia uma flexibilização da meta de inflação. Isso mostra, por si só, que não era claro para ninguém que haveria uma queda expressiva da inflação. O BC foi ajustando o passo de acordo com o que ele foi vendo. Houve um choque muito forte de alimentos [no domicílio], que saiu de uma alta de 16% para uma queda de 5% [em 12 meses]. Então ele foi de atualizando, como todo mundo.
Valor: Quais suas projeções para IPCA e Selic este ano?
Fonseca: Temos um IPCA de 3,8% e esperamos que haja mais um corte de 0,25 ponto percentual e ele para o processo de redução dos juros.
Valor: E qual é o seu cenário básico para os próximos anos?
Fonseca: Nós vamos até 2019, até porque nós importamos o cenário global do banco. Os nossos times de fora projetam até 2019, então não temos muito como ampliar muito para 2020, porque se eles vêm com uma projeção diferente nós temos que mudar completamente o cenário. Mas o que vemos hoje é uma série de desafios.
Se pensarmos do ponto de vista da partida, alguma coisa já foi feita. Houve um primeiro passo, a medida do teto de gastos. Não resolve o problema, mas talvez coloque parâmetros para a discussão, embora seja necessário observar ao longo dos próximos anos uma série de medidas tendo que ser implementadas.
Há a questão primordial da reforma da Previdência. Em qualquer cenário fiscal de alguma forma precisa contar com uma reforma relativamente dura.
Valor: O que seria uma reforma relativamente dura?
Fonseca: Pelo menos igual à primeira versão da proposta que o governo apresentou no fim de 2016, que ele enviou ao Congresso. Precisaria começar por ali para começar a observar algum tipo de ajuste. Sem essas medidas adicionais, o teto não vai funcionar.
"As pesquisas [eleitorais] mostram muita incerteza. Se Lula não disputar, para onde vai essa intenção de voto?"
Valor: O teto de gastos será rompido já no ano que vem?
Fonseca: No nosso cenário, rompe, mas fica muito perto. É muito difícil fazer uma previsão precisa em relação a isso. É necessário admitir que no ano passado o governo conseguiu controlar as despesas discricionárias numa magnitude maior do que se imaginava. Há essa incerteza de quanto eles conseguem cortar a mais de modo a não prejudicar muito a qualidade dos serviços públicos. Nas nossas projeções, colocamos que o teto acaba sendo rompido, mas, se olharmos o que tem sido feito nos últimos meses, não pode se afirmar categoricamente que será. Mas, se não for em 2019, o rompimento será muito mais provável em 2020.
Valor: Mesmo com uma reforma da Previdência mais dura?
Fonseca: Nós vamos precisar de medidas adicionais. A reforma da Previdência ajuda nos próximos dez anos, mas no primeiro ano o efeito não é tão significativo, algo como R$ 15 bilhões. Então o governo claramente vai precisar já no curtíssimo prazo trazer outras medidas de corte, de ajuste, para atuar junto com a reforma da Previdência e garantir o cumprimento nos primeiros anos. Num prazo mais amplo, a reforma da Previdência tem um impacto maior e aí ajuda. Mas é difícil. Mesmo com a reforma da Previdência, não é trivial cumprir o teto de gastos nos próximos dez anos. Você vai precisar de medidas adicionais.
Valor: Que medidas? Mudar a regra de reajuste do salário mínimo? Acabar com o abono salarial?
Fonseca: Parte significativa dos gastos primários é voltada também para salários. Nós observamos durante um período altas acima da inflação, ganhos reais significativos. Estamos num período que precisará ter um ajuste também por aí para fazer uma parte do trabalho. Também há o abono e uma série de questões de eficiência que o governo pode adotar para auxiliar pelo menos a reforma da Previdência na tarefa.
Valor: No seu cenário-base há um governo reformista em 2019?
Fonseca: Se tiver avaliação de que o próximo governo está indo para o caminho certo, o quadro pode ser muito mais favorável, porque entram impactos não considerados no nosso cenário base. Nós consideramos um cenário ali no meio do caminho, com algumas reformas sendo implementadas, porque, se não for, as simulações de dívida mostram uma tendência de alta pelos próximos dez anos que não é revertida. Do ponto de vista do crescimento, temos projeção de 2,3% no ano que vem. Pode ser melhor se houver uma avaliação mais favorável em relação ao próximo governo, que poderia, por exemplo, manter essa situação de juros mais baixos por mais tempo, uma aversão ao risco menor.
Valor: Há um aumento da tensão política. O sr. considera algum cenário mais caótico, de inviabilidade, de ameaça à democracia?
Fonseca: Não é o cenário base com que a gente trabalha. Quando se fala que possivelmente as eleições vão gerar uma volatilidade nos preços dos ativos, é mais pela questão do ponto de partida em que estamos hoje. Se pensarmos em processos eleitorais anteriores, de alguma forma a economia estava um pouco mais ajustada. Hoje, se pensarmos do ponto de vista de desafios, e aí não só do lado fiscal, como de crescimento, a percepção é de que a economia, se nada for feito, não consegue crescer muito mais que 2%, 2,5% ao longo dos próximos dez anos. A incerteza é maior. Tem que entregar muita coisa e nós sabemos que às vezes o ritmo de aprovação das medidas não acontece na velocidade ideal.
Valor: E essa incerteza se traduz num cenário de crescimento um pouco mais gradual da formação bruta de capital fixo, não? Quanto o investimento cresce este ano?
Fonseca: Temos 5%. Se fosse seguir o ritmo das recuperações anteriores estaria crescendo até acima de 10%. Geralmente é a variável de ajuste, num processo de queda é o componente da demanda que mais se contrai, num processo de expansão é o que mais se expande num primeiro momento. E aí, por conta dessas questões, seja de incerteza, do próprio impacto do governo sobre o investimento, pensando como um todo, tem as estatais, Petrobras por exemplo, contribuía muito mais. Tudo isso de alguma forma trava a recuperação dos investimentos.
Valor: Como estão vendo o cenário para disputa eleitoral?
Fonseca: Quando nós olhamos as pesquisas, vemos muita incerteza. Para nós, não está nem um pouco claro qual é o candidato que vai vencer as eleições. Começa por aí - se o Lula não participar, para onde vai essa intenção de voto. Não conseguimos fazer uma avaliação candidato a candidato. A informação disponível hoje é baixa. Tentamos de algum modo não entrar muito nesse detalhe. O que nós tentamos fazer é mostrar que há muitos desafios, nossa visão é cautelosa por causa disso. Quando começar a se delinear um cenário mais claro em relação ao próximo presidente, o que ele vai anunciando, nós vamos ajustando o nosso cenário. Hoje o cenário está muito incerto.
Valor: Em que cenário um quadro de dominância fiscal poderia ocorrer?
Fonseca: Se as medidas [fiscais] não forem adotadas, nós vamos voltar para a mesma discussão. E acaba sendo relativamente rápido. Quando quebra a confiança, ninguém vai investir em algo que não acredite.
O mercado antecipa. Ninguém vai esperar o governo chegar a uma situação completamente desfavorável. [Os investidores] vão observar se as medidas estão de acordo com a trajetória que levaria a dívida se estabilizar e as contas a melhorarem. Considerando o ponto de partida hoje, não dá para se dizer que está completamente afastado. Se voltar a ter políticas de expansão de gasto fiscal, voltaria a discussão.
Valor: E o cenário externo?
Fonseca: Ainda vemos o cenário externo atuando favoravelmente. É bem verdade que o ano começou com a Europa crescendo muito mais, os próprios EUA com os dados e a própria perspectiva de crescimento sendo maior, todo mundo revisando os dados de economia global. Economias que estavam em recessão, como Brasil e Rússia, tudo também se recuperando, num processo cíclico. Houve esse primeiro momento de ajuste aí a partir de fevereiro, talvez, começou a haver alguns acontecimentos que mudaram um pouco o cenário para frente. É a questão de ritmo de alta dos juros pelo Fed, de como o banco central americano vai implementar a política monetária, e houve a questão comercial, com a discussão sobre uma guerra comercial.
Valor: Vai acontecer?
Fonseca: Não é o cenário que nós assumimos. Acreditamos na moderação e um acerto entre os países. O cenário externo continua favorável porque o crescimento segue alto lá fora e o ajuste monetário ocorre de forma gradual.
Jornalista: Sergio Lamucci e Catherine Vieira Data:12/04/2018 Fonte:Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 12/045/2018
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Ruy Moura
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