24 fevereiro 2014

Gigantes de TI viram grandes hubs de integração de empresas

Provedores de tecnologia trazem em seu DNA uma característica que pauta suas estratégias de crescimento: a voracidade com a qual compram outras companhias e consolidam o mercado. Olhamos a história para compreender os vetores desses processos

 Tinha engavetado essa texto por algum tempo. A ideia inicial era produzir uma reportagem para a edição de dezembro/2013 da revista CRN Brasil. Mas, devido às muitas mudanças de final de ano, o projeto acabou postergado. Contudo, não há mais porque esperar. O assunto virou uma questão aparentemente urgente. Tanto que tratar do tema agora parece bem oportuno.

 A grande questão é que passamos por um período bastante interessante na indústria de TI quando pensamos em fusões e aquisições. Há cerca de dois anos, conversando com o fundador de um grande integrador brasileiro, nos corredores de um evento da IBM em Nova Orleans (EUA), esse executivo resumiu o sentimento atual. “As grandes empresas de tecnologias se transformaram em hubs de integração de companhias”, comentava.

 Fato é que a indústria avança rápido em movimentos intensos de consolidação. Os grandes players globais possuem histórico impressionante de compras e fusões ao longo dos últimos anos. Isso ajudou a desenvolver estruturas de M&A altamente ativas e profissionais dentro de suas estruturas. 

Recentemente fiz uma busca na web, basicamente em páginas que as companhias mantém para informar investidores, e me deparei com um volume incrível: se considerarmos oito grandes fabricante veremos que eles adquiriram mais de 600 empresas ao longo de intervalos distintos (de até 10 anos), como mostra a lista a seguir:



 Vale destacar que, possivelmente, alguns dos números acima já se desatualizaram desde o levantamento dos dados, enquanto outros não são tão precisos devido à dificuldade de coleta de informação. Seja como for, isso não deve fazer tanta diferença no contexto geral, uma vez que a ideia era trazer apenas uma visão de como as coisas se desenrolam.

 Olhando para o passado, e em como essas empresas conduziram seus processos de crescimento inorgânico, dá para tirar alguns insights interessantes:


  • A Cisco sempre fez com certa maestria os processos de integração. Até pouco tempo atrás, era uma compradora voraz e isso lhe permitiu chegar onde está agora no mercado de rede; 
  • A HP historicamente se caracterizou por comprar grandes empresas. Compaq? 3Com? EDS? Palm? Ocorre que existe um parênteses chamado Autonomy em seu histórico recente. Isso significou uma derrapada em sua estratégia de M&A. Olhando agora, ainda há pouco direcionamento quanto a aquisições que acompanhem as transformações do mercado de TIC; 
  • IBM, ao longo dos anos, sempre buscou comprar empresas que complementassem seu portfólio. Era como se dissesse “preciso dessa solução/produto, mas não vou gastar tempo e dinheiro desenvolvendo internamento. Vamos comprar alguém bom”. Tem o mérito de reter alguns talentos adquiridos e, em alguns casos, não afobar-se em matar algumas marcas. Na mais recente transformação da companhia, a do “Smarter Planet”, as peças acabaram se encaixando. A mensagem recente indica que o caixa está forrado e semiaberto. Em outras palavras: se perceber uma demanda do mercado que ainda não atende, certamente vai comprar um bom provedor que o faça; 
  • Oracle, sob o comando de Larry Ellison, parece querer apresentar-se como um provedor de solução fim-a-fim. A estratégia para isso, contudo, não é a mais clara da galáxia. Percebe-se que cresceu bastante seu portfolio e fez desaparecer algumas tecnologias compradas dentro de sua estrutura. Aparentemente, é um consolidador (matador?) voraz; 
  • A SAP, por trás do discurso de analytics, cloud e mobile, ainda busca se afirmar como um provedor de serviços. Esse objetivo ainda não se concretizou de forma plena. SucessFactors é uma aposta interessante como um movimento defensivo que bloqueia o avanço de provedores de HCM (gestão de capital humano) que se posicionam com ofertas de ERP (conhece a Workday?); 

O movimento intenso que temos presenciado mostra outros fatores a serem observados (claro que é difícil fazer uma análise precisa da situação – uma vez que cada fabricante tem estratégias e objetivos distintos quando compram outras empresas). Alguns pontos chamam atenção, em especial os que se referem ao Google.

 Extremamente jovem, a empresa tem no seu DNA um motor de inovações geradas internamente. Há algum tempo, chegou até a disseminar por aí a sua filosofia de deixar os funcionários aplicarem 20% de seu tempo de trabalho em projetos pessoais o que, no final do dia, gerava muitas ideias interessantes que engordavam o portfólio da companhia – mesmo que poucos desses produtos virassem algo economicamente impressionante no longo prazo.

 Agora, ao que demonstra um levantamento da Bloomberg, abriu a carteira e já dominou regras de M&A para amplificar suas estratégias. Não faz tanto tempo que abocanhou a Nest e DeepMind, sendo outros marcos o Waze e o YouTube. Sem medo de errar, dá para dizer que o Google já se comporta como “gente grande” quando o assunto é compra de outras organizações. Tem, ainda, duas vantagens adicionais: dinheiro no bolso e coragem para gastá-lo (a compra bilionária da Motorola em uma decisão veloz prova isso).

 O fim da inocência 

Algumas consultorias, quando exploram uma visão apocalíptica do momento, lembram que muitos gigantes da indústria no passado não conseguiram fazer a transição de um mundo onde o processamento era centralizado para o modelo cliente-servidor. Da mesma forma, dizem, alguns não conseguirão completar a guinada para o “como serviço” e “pago o quanto usar” que o mercado lhes impõem agora.

 Dificilmente a história da Digital, Wang e Cullinet se repetirá agora. Ninguém é “inocente” e poucos sustentam a soberba de acreditar serem tão bons que não tem que surfar nas ondas atuais e nas próximas. Talvez o máximo que pode acontecer é presenciarmos empresas que não tem fôlego para sobreviver sozinha acabarem sendo incorporadas por outras.

 Hoje, as empresa valem pelos seus ativos (Wall Street) ou pela percepção que o mercado tem do seu valor (Nasdaq)? Enquanto as tradicionais veem seu valor em bolsa flutuar de acordo com os rumos da economia, as outras passam por solavancos, valorizações e/ou desvalorizações de magnitude muito maior. Ainda há um paradigma a ser compreendido, com corporações sendo medidas cada vez mais pela percepção de possibilidade de lucro do que pelo resultado apurado no final dos trimestres.

 E aqui, abro um parênteses muito, mas muito, grande: até poucos dias eu ainda sustentava dúvidas que algumas empresas do novo modelo que vivemos não se manteriam em uma eminente futura transformação de mercado. Na ingenuidade, cheguei a questionar até se um Facebook estaria se preparando para se reinventar, caso fosse o caso. Isso caiu totalmente por terra quando Mark Zuckerberg anunciou que pagaria US$ 19 bilhões pelo WhatsApp. Fecha parênteses.

 Muito das aquisições baseiam-se na adaptação de seus negócios e ofertas a modelos emergentes. Vale lembrar que estamos em uma fase de transição na indústria, com novas maneiras de monetização de produtos. As oportunidades em torno desses fatores, somada a uma mudança nos modelos de compra e utilização de ferramentas tecnológicas fazem os olhos das empresas brilharem e acelerar seus movimentos.

 Não conseguimos pensar o mercado presente sem a consolidação do “as a Service”, da mobilidade, da colaboração, dos grandes volumes de dados e também da Internet das Coisas, que faz com que gigantes da economia tradicional, como a GE, passem a se preocupar e a orientar seus negócios a partir de milhares de informações online muito mais típicas e relevantes para as empresas da era digital. Talvez IoT seja o caminho mais real da transformação pois conseguirá num tempo muito curto aliar grandes, médios e pequenos atores dos cenários tradicionais e do mundo digital.

 Na outra ponta podemos encontrar os gigantes em busca da agilidade necessária para fazerem seus movimentos rumo ao futuro. Como a IBM, por exemplo. Já era notória a estratégia da companhia em direção softwares, principalmente os de análise de dados. A companhia tira, cada vez mais, seu pé do campo de hardware, mas só aquele hardware que se justifica com grandes volumes de vendas devido a suas margens financeiras muito abaixo de suas pretensões. Não se desfez das máquinas orientadas a big data, mas vendeu sua divisão de x86 para a Lenovo (que dias mais tarde, comprou a Motorola, do Google).

 O jogo dos chineses, por exemplo, é um pouco semelhante a abordagem japonesa no mundo automobilístico. Consolidam um mercado querendo ser líderes e, para isso, nada como produzir e vender coisas “contáveis”. Ser líder em serviços e soluções sempre pode ser questionado, uma vez que a mensuração de resultados não é padrão, então vamos paras “caixas” que é só contar! Além disso, vimos as grandes de rede caminhando para o lado da segurança, empresas de software buscando espaço com dispositivos de mobilidade.

 “Misturáveis” 

Não tenho a pretensão de traçar a estratégia das fabricantes de TI quanto a seus objetivos. Obviamente que, mesmo entrevistando os executivos responsáveis pelas áreas de M&A, dificilmente teríamos uma visão precisa de suas estratégias nessa seara. Fato que há intensidade das compras no topo da pirâmide. As grandes, apesar de algumas exceções, na última década estavam mais atuando como hubs de integração de startups, que lhes acelerava a inovação. Agora, parece, há uma corrida por escala no topo da cadeia.

 Seja para ampliar/complementar/qualificar/modernizar o portfólio em frentes estratégicas, matar um concorrente indesejado, adquirir base de cliente ou obter experiência vertical, há um movimento intenso que deve demorar a se acalmar. Bom é que os grandes players se movem rumo a um futuro inevitável. Aos executivos a frente de canais que fazem parte do ecossistema dessas marcas, resta prepararem seus planos para explorar oportunidades na totalidade com o mínimo de solavancos – naturais de mercado – possíveis. Como nunca, vivemos e viveremos cada vez mais a realidade do “coopetidor”, alguém que hoje é meu rival, no próximo deal pode ser meu parceiro, quer seja na forma de parcerias complementares ou por M&A, juntando empresas até então não “misturáveis”. Por FELIPE DREHER
Fonte crn.itweb 24/02/2014

24 fevereiro 2014



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