02 julho 2018

Investidor prefere oferta primária de ações, mas secundária rende mais

Desde as ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) em abril, as ações da operadora de saúde Hapvida valorizaram 27%. No mesmo período, a concorrente Intermédica subiu 32%. A diferença de desempenho até chegou a ser bem maior no período. A Hapvida, cuja oferta foi majoritariamente primária, levantou mais recursos no IPO e teve maior demanda na oferta. Mas é a concorrente, cuja oferta foi majoritariamente secundária, que registra a maior valorização.

Para gestores de ações e bancos de investimento, esse comparativo pode servir de exemplo de um fenômeno comum do mercado acionário brasileiro. Os investidores tendem a privilegiar ofertas majoritariamente primárias de ações (aquelas em que o dinheiro vai para o caixa da empresa), acreditando que a companhia tende a crescer mais com recurso em caixa. Por outro lado, dá desconto ao precificar ofertas secundárias (quando o acionista é o vendedor), em que o capital não chega à companhia. Por isso mesmo, as primárias costumam chegar à bolsa com múltiplos maiores. Com análise inicial mais modesta, as secundárias acabam tendo mais espaço para se valorizar, em média.

Na comparação das operadoras de saúde, a Hapvida chegou à bolsa com um múltiplo de 19 vezes o Ebitda, ante 11,3 vezes da Intermédica. Se as companhias têm desempenho operacional semelhante, o potencial de valorização daquela que chegou mais barata será naturalmente maior, comparam gestores de ações.

De 2013 a 12 de junho de 2018, 66% das ofertas majoritariamente ou exclusivamente secundárias acumularam variação positiva desde o IPO, ante 60% das ofertas primárias. Conforme levantamentos da empresa de informações financeiras Economatica e do Valor Data, em seis anos, o desempenho médio das ofertas secundárias foi melhor em cinco deles, perdendo para primárias somente em 2015. No acumulado desde 2013, a média foi de uma variação de 79,56% para secundárias, ante 20,37% de primárias.

Levantamentos internos dos bancos também mostram isso, em ofertas iniciais e em ofertas subsequentes ("follow-ons", que podem ser tanto primárias quanto secundárias). "Fizemos uma regressão de todas as transações desde 2004. Quanto maior a oferta secundária no IPO, maior o upside [potencial de valorização] dos analistas que cobrem os papéis", diz Hans Lin, diretor do banco de investimento Bank of America Merrill Lynch no Brasil.

Não se trata de uma barreira, ressaltam os especialistas. "Se você dá a opção, na margem, há preferência para que o dinheiro do novo investidor seja direcionado à companhia e não para dar saída a outros acionistas. Mas o que faz diferença na decisão final é o porquê dos antigos acionistas estarem saindo", diz Eduardo Mendez, corresponsável pela área de renda variável do Morgan Stanley.

Se o acionista vendedor é um fundo de private equity, por exemplo, a avaliação do investidor costuma ser menos dura. Para dois gestores de fundos de ações, um bom exemplo ocorreu em junho. Quando anunciou uma oferta adicional de ações menos de seis meses após o IPO, a empresa de meios de pagamento PagSeguro despencou na bolsa de Nova York. Os acionistas controladores, que definem a administração da empresa, estavam vendendo mais ações - conseguindo uma permissão ("waiver") dos bancos coordenadores para não esperar uma prazo de seis meses para a nova venda. Em 2017, a empresa aérea Azul fez o mesmo na brasileira B3. Conseguiu um waiver dos bancos e da B3 para uma oferta adicional cinco meses depois do IPO. Os investidores também não gostaram, mas grande parte da venda era de fundos de private equity e já era esperado. Enquanto a ação da PagSeguro fechou com queda de 14,6% no dia do anúncio, a da Azul caiu 4,9%.

Outro exemplo citado pelas instituições diz respeito ao processo de IPO da XP Investimentos, no ano passado - que acabou não acontecendo já que a empresa fez uma transação de venda ao Itaú. Entre os riscos avaliados pelos investidores, não estava a questão da venda secundária, segundo executivos que participaram do processo. Haveria venda de participação do fundo de private equity General Atlantic, que já tem a saída da empresa esperada, e a fatia de venda da parte dos sócios executivos continuava lhes garantindo controle e gestão da empresa.

"Se o objetivo da operação for justificável, o investidor compra sendo primária ou secundária", diz Roderick Greenlees, diretor do banco de investimento do Itaú BBA. "Se a empresa não tiver um bom uso para os recursos, o investidor até prefere que seja uma oferta secundária".

A justificativa da oferta vale tanto para precificar uma secundária quanto primária. Uma empresa que não tem planos de crescimento orgânico ou aquisições acaba deixando o caixa rendendo juros de mercado. "Do ponto de vista do investidor, isso não é bom, já que ele consegue esse mesmo retorno sozinho", afirma um executivo experiente em ofertas. "As ações da CCR têm sido penalizadas, entre outros motivos, por a companhia ter feito nova captação mas não ter usado o dinheiro ainda." A concessionária de rodovias captou R$ 4 bilhões em fevereiro do ano passado. A empresa tinha R$ 2,82 bilhões em caixa no fim de 2016, aumentou o volume com a oferta e, em março de 2018, tinha R$ 5,13 bilhões em caixa. A CCR diz que "novas oportunidades de investimento são criteriosamente avaliadas e precisam estar alinhadas às premissas da empresa".

Para o Morgan Stanley, há certa diferença também em ofertas de empresas estreantes e de empresas que já são listadas. Conforme o banco, existe uma maior dispersão no tempo no comparativo entre IPOs e follow-ons. As ações de ofertas subsequentes demoram um pouco mais para tomar tração na bolsa, o que não significa que, no médio prazo, esse desempenho se mantenha.

"Considerando as ofertas totais nos dois últimos anos, o retorno ponderado pela média do volume levantado foi de 18% nos primeiros 30 dias de negociação de IPOs e de 4% em follow-on. Considerando a média linear, é de 11% e 4,4%, respectivamente'", diz Mendez. Uma das razões é que, no follow-on, costuma haver um desconto sobre o preço que a ação já é negociada em bolsa, o chamado "desconto de tela". Isso justifica o papel levar mais tempo para corrigir o preço, na média.

Os especialistas ressaltam, no entanto, que simplesmente o fato de ser uma oferta primária ou secundária, IPO ou oferta subsequente não garantem qualquer desempenho - o investidor terá que se aprofundar sobre cada uma delas antes de comprar o papel. "Olhar somente para médias pode ser uma pegadinha", afirma um gestor que tem cerca de R$ 10 bilhões em renda variável.  - Valor Econômico
Leia mais em portal.newsnet 02/06/2018

02 julho 2018



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