30 setembro 2020

Tech: o tsunami em números

O debate sobre a sustentabilidade do ritmo de crescimento do mercado de tecnologia já dura 20 anos, e nesse período só uma coisa ficou constante: “software está engolindo o mundo”, como disse certa vez o inventor do browser, Marc Andreessen. A meu ver, estamos apenas no prólogo de uma longa história.

 Para muitos que questionavam os méritos do setor no Brasil, a ficha finalmente caiu em 8 de julho deste ano, quando o Mercado Livre se tornou a empresa mais valiosa da América Latina, ultrapassando gigantes como Petrobras e Vale. O peso da inevitabilidade da transformação digital não pode mais ser ignorado.

 O avanço da tecnologia ocorre de forma exponencial, e não linear. Por isso, enquanto a tendência é de exagerar o impacto da tecnologia no curto prazo, o subestimamos no longo prazo. Que a velocidade da transformação está acelerando é amplamente reconhecido por experts, mas o que ainda não compreendemos é quantos anos para frente a pandemia nos levou. No Brasil, o mar ainda estava manso, proporcionando aos incumbentes uma breve janela para passar a arrebentação. Porém, após o salto que a pandemia proporcionou, a transformação que antes era apenas uma onda se aproximando no horizonte virou um verdadeiro ‘tech tsunami’.

Todo ano o Atlantico, nosso fundo de venture capital, faz um estudo extenso do estado da transformação digital. São centenas de indicadores analisados, pesquisas com milhares de pessoas, e dezenas de entrevistas com empreendedores e líderes da economia que nos abrem suas cozinhas. Esse ano, pela primeira vez, decidimos compartilhar as descobertas com o público. O estudo completo estará disponível no nosso site a partir de amanhã.

Começamos olhando para o fluxo de capital no país. Após uma série de entrevistas com 31 dos maiores family offices do país, levantamos que a média da alocação atual em venture capital é de 3,5% do portfólio, com intenção de chegar a 7,4% até 2025. O volume investido no Brasil por fundos de venture capital ano passado foi de US$ 2,5 bilhões, valor que representa quase que o dobro do ano retrasado, que por sua vez foi quase que o dobro do ano anterior. Se esse volume de investimentos parece alto, é importante lembrar que o volume de investimento em venture capital como proporção do nosso PIB ainda é 1/5 do que vemos nos Estados Unidos e 1/3 de países emergentes como a Índia.  Estamos só começando.

A migração do capital para a tecnologia não é em vão. Enquanto a Bovespa recuou quase 20% desde o início do ano, empresas locais e regionais de tecnologia, como Stone, Locaweb, Totvs e Mercado Livre, em sua maioria, aumentaram seu valor de mercado em no mínimo 20% desde janeiro. 

No mercado privado de investimentos, a história não é diferente. O Brasil já deu origem a 13 unicórnios (empresas de capital fechado que valem mais de US$ 1 bilhão), um número que era zero há meros três anos. E o pipeline para os próximos anos ainda é bastante robusto: nossa pesquisa indica que há outras 13 aspirantes a unicórnio que já valem mais de US$ 250 milhões e outras 16 avaliadas acima de US$ 100 milhões.

Se há “décadas em que nada acontece, e semanas em que décadas acontecem,” a pandemia tem sido um exemplo nítido desse fenômeno histórico apontado pelo camarada Lênin há um século.

Curvas de crescimento que já estavam aceleradas se tornaram exponenciais. O e-commerce cresceu em 10 semanas o equivalente aos 10 anos anteriores em termos de sua participação no varejo total. 

Analisando dados internos da VTEX, a principal plataforma de e-commerce na região, inferimos que o salto foi duplo – o número de novas lojas de e-commerce aumentou 26% no segundo trimestre de 2020. Ao mesmo tempo, as lojas já existentes aumentaram as vendas 95% em relação ao ano anterior. 

No mundo de delivery de comida (de restaurantes e supermercados), o salto foi ainda maior. Dados internos do iFood mostraram um crescimento no número de pedidos de 32% no primeiro trimestre da pandemia. A experiência não foi única ao Brasil: a Rappi, que lidera o segmento em muitos dos países vizinhos, cresceu as vendas 113% no mesmo período na América Latina. 

Dedicamos boa parte do nosso estudo ao setor bancário, que tem sido um dos mais impactados pela transformação digital.  Em análise utilizando dados proprietários da Appfigures (empresa que agrega dados de downloads), constatamos que o volume de downloads mensais de aplicativos financeiros foi 4 vezes maior durante a pandemia do que no primeiro trimestre do ano.

 Esse crescimento no uso de contas digitais precisa ser comemorado: antes da pandemia, o Banco Mundial estimava que 25-30% dos brasileiros adultos não tinham conta em instituição financeira. Juntando o que ouvimos em mais de 40 entrevistas com líderes das principais instituições financeiras (públicas e privadas) com uma análise que calculou um volume superior a 35 milhões de downloads do aplicativo Caixa Tem (usado para distribuir o auxílio emergencial), estimamos que o número de brasileiros sem conta em banco caiu pela metade e hoje está em torno de 15%.

A agenda de inovação do Banco Central, ancorada em programas ambiciosos como o PIX, de pagamento instantâneo, e o Open Banking, é de dar orgulho e deve nos ajudar a fechar o ano com chave de ouro. 

Apesar de todos os avanços, o Brasil ainda sofre para destravar todo o seu potencial. O País tem mais de 14 milhões de desempregados, e mais de 70 mil vagas de tecnologia que não conseguimos preencher. 

Não é surpresa, portanto, que uma empresa como a Trybe — que fornece um curso profissionalizante e acessível de desenvolvimento de software no qual o aluno só paga ao encontrar um trabalho que paga acima do salário estipulado — esteja tendo um pico de demanda por seu curso. Como consequência, sua taxa de aceitação caiu para 2,3%, abaixo de instituições tradicionais como a USP (7,1% de aceitação) e até Harvard (4,7%).

É importante reiterar: estamos apenas no prólogo de uma longa história. O valor de mercado das empresas de tecnologia listadas na bolsa representam hoje 3% do PIB brasileiro,  e este indicador tem crescido numa média anual de 40% nos últimos 16 anos. Ainda assim, estamos abaixo de outros grandes mercados. Nos Estados Unidos, estimamos a penetração em 39%, na China, 27%, e na Índia, 13%. 

Nossa oportunidade de mercado é da ordem de trilhões de reais ao longo da próxima década — potencialmente mais, se o País resolver seus gargalos na ..... Por Julio Vasconcellos -sócio do Atlantico, um fundo de venture capital Leia mais em braziljournal 30/09/2020




30 setembro 2020



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