Companhias dos ramos de telefonia, cosméticos e logística buscam orientação legal
O interesse de empresas que não são do setor financeiro em entrar no mercado de “fintechs” tem movimentado os escritórios de advocacia. Desde o início do segundo semestre de 2019, várias bancas registraram um boom de demandas de companhias de diversos ramos.
Empresas de áreas de telefonia, cosméticos, educação e logística, por exemplo, têm investido na criação de novos meios de pagamento ou concessão de crédito para seus próprios clientes e colaboradores. Advogados têm trabalhado, principalmente, na análise legal de projetos e na interpretação das regras do Banco Central (BC).
Apesar da atividade oferecer riscos, como o controlador da fintech responder com bens pessoais em caso liquidação extrajudicial ou falência da instituição financeira, o cenário é promissor, segundo especialistas.
Diretor de organização do sistema financeiro e de resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Melo, afirma que no momento há várias instituições em fase de “autorização” na área de crédito: três Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEP) e cerca de nove Sociedades de Crédito Direto (SCD), além 20 a 30 prontas para sair do papel.
A Sociedade de Crédito Direto (SCD) realiza operações de crédito (empréstimo) por meio de plataforma eletrônica, com recursos próprios. Já a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP) faz operações de crédito entre pessoas, permitindo a captação de recursos de terceiros.
Segundo Melo, especialmente companhias do varejo e telefonia têm buscado entender o processo de criação de uma instituição financeira. “Aplicativos de solicitação de viagens rápidas, no modelo do Uber, também têm vindo conversar sobre a possibilidade de ter seu próprio braço de pagamento. Hoje eles têm parceiros”.
O interesse tem levado representantes do Banco Central a proferir palestras para empresários em escritórios de advocacia. “Temos o objetivo claro de promover cada vez mais a inovação e criar um ambiente mais saudável e competitivo, que gere uma experiência melhor para o cliente da instituição financeira”, afirma.
Para as bancas de advogados, trata-se de uma oportunidade importante porque esse é um mercado em formação, que teve início em 2013 com a Lei nº 12.865. A norma tirou dos bancos o monopólio do mercado de pagamentos como a emissão de boletos, cartão de crédito, maquininhas on-line etc.
Em 2018, as Resoluções nº 4.656 e nº 4.657 passaram a autorizar a criação das SCP e SEP - novos tipos de instituição financeira submetidas a um menor grau de exigências regulatórias. A partir daí, empresas de outros setores sentiram-se incentivadas a entrar nesse mercado.
“Recebemos duas ou três consultas, todas as semanas, para a criação de fintechs das mais malucas ou sensacionais”, afirma o advogado Paulo Focaccia, sócio do FAS Advogados, que tem uma equipe específica para atender fintechs. Em novembro de 2019, o FAS contratou o advogado Pedro Eroles para reforçar a área. “Esse mercado se abriu no Brasil por uma questão da conjuntura política e econômica e pelo posicionamento do Banco Central, que é de fomentar”, diz Eroles.
Segundo eles, o escritório já está envolvido em projetos de fintechs de empresas do ramo imobiliário, logístico, de fidelidade e farmacêutico. “Também está em estudo o projeto de uma companhia de cosméticos. Por conhecer os dados do histórico de vendas de suas consultoras, ela poderia cobrar taxas mais baixas delas”, diz Focaccia. Prevista para ficar pronta no segundo semestre, a fintech da microcomunidade de Paraisópolis também tem assinatura da banca.
De acordo com a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), em 2017 haviam 521 fintechs no país e, em 2018, esse número subiu para 694. Ainda não há os dados consolidados de 2019.
Sócio da área de fintechs do Veirano Advogados, Ivan Marques já trabalhou tanto em fintechs como em instituições financeiras tradicionais. Ele foi para a banca justamente por causa da iniciativa de grandes empresas de outros segmentos em verticalizar sua operação de crédito e não depender mais de bancos. “Temos mais de 15 projetos em andamento nesse sentido. Empresas do ramo de educação, por exemplo, têm interesse nesse mercado para substituir o Fies [Financiamento Estudantil]”, diz. De acordo com ele, o Veirano tem um quarteto de advogados que hoje atuam só com fintechs.
O advogado Bruno Balducci, do Pinheiro Neto Advogados, afirma que em seis meses, em média, uma empresa obtém licença para atuar como fintech. “E entre meados de 2020 e o início de 2021, essa mesma empresa poderá oferecer também o pagamento instantâneo. Ou seja, as regras do BC tornaram muito fácil para qualquer setor entrar nesse mercado”, diz.
De acordo com Balducci, antes da autorização para funcionar, a demanda jurídica é de consultoria sobre o modelo de negócio, depois é feita a montagem formal por meio de contratos, a elaboração dos termos e condições de uso e, junto disso, vem o planejamento fiscal e adequação à nova Lei Geral de Proteção de Dados. “E quando a montagem de uma fintech acontece dentro de uma estrutura que já roda, ainda é preciso cuidado para não afetar a lucratividade do negócio”, diz.
O advogado diz que estão em discussão no escritório 15 projetos e já se concretizaram quatro. “Assessoramos, entre elas, a carteira eletrônica de pagamentos instantâneos Payly, do Grupo Cosan, e o meio de pagamentos Ame Digital, das Lojas Americanas”, afirma Balducci.
Ainda que a abertura dessas fintechs seja mais simples, requer alguns cuidados típicos de qualquer instituição financeira, como destaca a advogada Thais de Gobbi, do Machado Meyer. “Wallets que podem prestar serviço de armazenamento de criptomoedas, por exemplo, são sujeitas às regras para coibir a lavagem de dinheiro e será preciso reportar ao Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras]”.
Thais lembra ainda dos riscos assumidos pelo acionista controlador da fintech. “Ele entra no polo passivo de processo contra a fintech por causa da responsabilidade administrativa. O que esperamos é que BC continue receptivo e ouça os players antes de uma eventual intervenção”, diz. Valor Economico Leia mais em portal.newsnet 17/01/2020
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Ruy Moura
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