10 dezembro 2019

O plano de ataque da Copagaz para ir muito além do gás

Empresa começa a entrar na área de energia, cria uma maquininha de cartão para seus revendedores e se prepara para assumir a Liquigás. Seus principais executivos detalham as estratégias com exclusividade ao NeoFeed
Caio Turqueto (à esq.), CEO da companhia, e Pedro Zahran Turqueto, diretor de desenvolvimento e gestão da Copagaz

Nas últimas duas semanas, os telefones do presidente da Copagaz, Caio Turqueto, e de seu filho e diretor de desenvolvimento e gestão da companhia, Pedro Zahran Turqueto, não pararam de tocar. “Desde o anúncio, a agenda ficou bem complicada”, diz Caio. Pedro confirma. “Nesse período, fui convidado para mais almoços do que em toda a minha vida.” Principalmente por banqueiros querendo vender a promessa de um IPO bem-sucedido para a companhia.

O anúncio ao qual se referem foi a compra da Liquigás, distribuidora de GLP da Petrobras, por R$ 3,7 bilhões, em um consórcio formado em conjunto com a Itaúsa, que aportou R$ 1,4 bilhão na Copagaz e agora é sócia com 49% da empresa, e a Nacional Gás Butano (NGB), que ficará com 20% das operações da Liquigás. É um negócio que ainda precisa de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas que o mercado dá como líquido e certo.

Mais do que garantir a liderança da Copagaz no setor de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), conhecido popularmente como o gás de cozinha, o movimento ajuda a perpetuar a companhia fundada em 1955 pelo lendário Ueze Zahran. E, de quebra, fortalece os novos movimentos da empresa que começou a apostar em energia. “Não estamos tratando a Copagaz só como uma companhia de gás. Somos uma companhia de energia. E estamos entrando nesse setor”, diz Caio ao NeoFeed.

Entre os projetos nesta área, estão uma Central de Geração Hidráulica (CGH), na cidade de Campo Bom, em Santa Catarina, que consumiu investimentos de R$ 16 milhões e tem capacidade de gerar 4 MW. “Ela ficará pronta agora e estamos vendendo essa energia para a Claro”, diz Caio. A Copagaz também criou uma usina solar em Mato Grosso, com capacidade de 2 MW, para suprir as operações da própria empresa e também as afiliadas da Rede Globo em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que pertencem ao grupo

Há ainda na prancheta o plano de criar uma usina de geração de energia através de biogás. Trata-se de um projeto que deve consumir R$ 15 milhões e gerar 3 MW. “Estamos olhando e buscando alternativas de investimentos. Esse é o caminho natural. No nosso setor de gás aqui no Brasil, organicamente, nós chegamos no teto”, afirma Caio.

Os executivos afirmam estar aprendendo como funcionam as questões das licenças ambientais e construindo os projetos com parceiros locais em cada região. O objetivo, por enquanto, é adquirir conhecimento para depois dar passos sozinhos. “A nossa missão, da última vez que revimos, é ‘facilitar a vida das pessoas entregando energia’”, diz Pedro ao NeoFeed. “Queremos sair do mindset GLP, GLP e GLP.”

Esse é o futuro do grupo, é verdade, mas, por enquanto, o seu presente ainda é calcado no negócio de gás. E o passado bem recente da companhia, mais precisamente o dia em que a Copagaz levou a melhor na compra da Liquigás, ajuda a entender como o GLP, com o perdão do trocadilho, vai dar gás para turbinar a empresa e permitir esses passos que companhia tem dado em outros segmentos.

O dia D

Eram 19 horas, do dia 6 de novembro, quando a informação saltou no celular de Pedro. O colunista Lauro Jardim, de O Globo, noticiava que a proposta do consórcio Copagaz, Nacional Gás Butano (NGB) e Itaúsa pela Liquigás havia sido aceita pela Petrobras. “Estávamos muito confiantes que a proposta que tínhamos feito era para ganhar. Mas não sabíamos se comemorávamos ou não”, diz Pedro.

Por vias das dúvidas, o executivo preferiu segurar o grito preso na garganta. Um dos diretores da empresa, entretanto, já havia comprado duas espumantes Salton e, ali mesmo, com os copos que tinham em mãos fizeram o primeiro brinde.

O primeiro brinde improvisado quando a compra da Liquigás foi noticiada pela imprensa
Quando desceu do 11º andar, onde fica a presidência da companhia, para o 3º andar, Pedro encontrou funcionários da equipe de envasados, que cuidam da área de envasamento de botijões, em êxtase. Estavam em cima das mesas, gritando e comemorando. “Eu dizia para o pessoal: ‘calma, ainda não temos a confirmação, e ainda precisamos da aprovação do Cade”, diz Pedro.
Logo depois, Caio deixou a sede da companhia, na região da avenida Luiz Carlos Berrini, em São Paulo, e foi para casa, ainda aguardando uma comunicação oficial. Às 22 horas, seu telefone tocaria. Do outro lado da linha, um executivo da Petrobras confirmava a proposta da Copagaz como a vencedora.
“Na hora, você muda. Sai da euforia para a preocupação, agora vamos ter de entregar tudo o que prometemos”, diz Caio. A união das duas companhias garante que a Copagaz, antes vista como presa fácil no mercado, se torne um tubarão. Ela sairá de uma participação de mercado de 8% para 25%, ultrapassando os seus principais concorrentes, como a Ultragaz, com 23%.

Com a união, o número funcionários saltará dos atuais 1,8 mil para mais de 5 mil, o número de clientes crescerá dos 9 milhões para mais de 40 milhões e o faturamento irá dos R$ 2,8 bilhões para quase R$ 7 bilhões. O número de revendas passará das 2,7 mil para quase 6,5 mil. A companhia também garantirá presença em todos os Estados do Brasil, principalmente no Norte e Nordeste onde tem pouca representatividade. E as duas marcas serão mantidas.

Vida ou morte
Para a Copagaz, a compra da Liquigás era um negócio de vida ou morte. Se eles perdessem a disputa, estariam fadados a serem absorvidos por algum player do setor. “Ou comprava a Liquigás ou seria comprada”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Caio Turqueto admite que demoraria muito para crescer. “Com crescimento orgânico, levaríamos 70 anos para ganhar o mercado que ganhamos com a compra”, diz ele.

Não foi, entretanto, a primeira vez que a empresa tentou uma aquisição para ganhar escala. No passado, antes de a Liquigás ser vendida para a Petrobras, a companhia negociou com os então controladores italianos da Agip, mas perdeu o páreo para a estatal brasileira. Anos antes, a empresa também havia tentado comprar a Comgás, que, no fim das contas, acabou nas mãos do empresário Rubens Ometto, da Raízen.

Em 2016, quando o grupo Ultra fez a oferta de R$ 2,8 bilhões pela Liquigás o sinal de alerta soou na companhia. “A nossa percepção era a de que que se a Ultra comprasse a Liquigás ia ser muito difícil uma empresa com 8% de market share segurar isso”, diz Pedro. “É um setor em que volume é essencial.” Portanto, era necessário ficar mais enxuta para tentar enfrentar a concorrência.

Uma das unidades de envasamento de botijões da Copagaz

Na época, a Copagaz contratou a consultoria Falconi, de Vicente Falconi, com a missão de rever a estrutura, processos e enxugar custos. “Para sobreviver, precisávamos estar bem magros”, diz Pedro. Dos R$ 400 milhões trabalháveis, conseguiram captar economias de R$ 25 milhões por ano. Para isso, trocaram executivos e diminuíram estruturas inchadas.

Se antes a empresa contava com 14 gerentes regionais, ela passaria a ter seis. “Diminuímos a hierarquia e ampliamos a cobertura de cada gerente. O gerente de Mato Grosso, por exemplo, agora é de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás”, diz Caio. Havia gerentes que tinham apenas duas pessoas debaixo deles. “Não tinha muito cabimento”, diz Pedro. “Agora tem de ter de seis a oito pessoas.”

Da defesa ao ataque

Quando o Cade vetou a compra da Liquigás pelo grupo Ultra, a Copagaz estava pronta para o ataque. “Tudo é uma questão de competência e de sorte”, afirma Pedro. “Começamos esse projeto de forma defensiva e acabou que, com o veto do Cade, estávamos em uma posição mais confortável, com margens maiores e uma equipe mais refinada.”

Também não era preciso ser um profundo conhecedor do setor para perceber que o Cade não permitiria que uma empresa grande adquirisse a Liquigás. Ou seja, as portas estavam abertas para a Copagaz. “Mas sabíamos que seria um ativo disputado por fundos de private equity, fundos soberanos”, diz Pedro. Por isso, era necessário entender como os players se movimentariam.

No fim do ano passado, Caio e Pedro sondaram executivos da Petrobras para saber se a venda da Liquigás continuaria no plano estratégico da estatal. Com a afirmativa, começaram a se movimentar para encontrar parceiros para o negócio. Muitos deles, como fundos de private equity e fundos soberanos, bateram à sua porta. “Esse é um mercado complexo e sabemos operar”, diz Caio. “Uma história de 64 anos, com todos os erros e acertos, é um ativo.”

A opção pela Itaúsa tem muito a ver com o projeto de longo prazo e também pelo perfil da empresa, de laços familiares. “Você falava com um fundo e, quando a operação escalava, ia para outro executivo. Depois, ia para outro. Somos uma empresa familiar e o olho no olho faz a diferença”, diz Pedro.

“Além disso, meu pai já tinha relação pessoal com a família Setubal. Eles conhecem o Brasil, a cultura. Temos as nossas idiossincrasias.” Já a entrada da NGB serviu como um antídoto a qualquer restrição do Cade. Na região Centro-Oeste, onde a Copagaz domina, as operações da Liquigás ficarão com a NGB.

Ueze Zahran, o fundador da companhia

Fundada pelo lendário empresário Ueze Zahran (1924-2018), um dos nomes mais respeitados no setor de óleo e gás no Brasil, que praticamente criou o mercado de gás de cozinha na região Centro-Oeste, a Copagaz tem muitos acionistas da família. São quatro núcleos e 30 herdeiros debaixo deles.
A tomada de decisão sobre a entrada de um novo sócio não foi tão simples. “Para a família, de uma forma geral, foi um processo. Botar todos no mesmo barco, tomar o mesmo risco”, diz Pedro, que, durante as reuniões com os acionistas, estreitou relação com primos de terceiro grau que pouco conhecia. “Saímos de uma alavancagem zero para uma de três vezes a geração de caixa.”

Agora, a Copagaz está em compasso de espera pela aprovação do Cade. “Sendo otimista, em quatro meses estamos com a empresa. Sendo realista, mais seis meses. Sendo pessimista, em dezembro do ano que vem sai o negócio”, diz Pedro. Mas já prevê que os investimentos do grupo crescerão dos atuais R$ 80 milhões por ano para mais de R$ 200 milhões anuais.

Até maquininhas

Um dos maiores ganhos nesse processo será o logístico. A Copagaz conta com 150 caminhões tanque e a Liquigás com uma frota de 300. Hoje, em um raio de 10 km, um caminhão da Copagaz atende cerca de oito clientes industriais. Ao unir as operações com a Liquigás, conseguirá atender até 20 clientes no mesmo raio. “É isso o que garante mais ganho para essas empresas de distribuição”, diz George Sales, professor de Finanças do Ibmec SP. “A logística e o ganho de escala.”

A união das empresas vem num momento em que o setor está se reorganizando. Recentemente, o governo aprovou o fim da diferenciação de preços entre o botijão de gás de 13 kg, vendido para consumidores finais, e o gás vendido a granel para indústrias. “Vai ser bom para o setor, deixa de criar distorções e aumenta a competição”, diz Pires, do CBIE.

A logística é um ponto central nas operações das empresas de distribuição de GLP

Essa mudança, equalizando os preços com os praticados no mercado internacional, permitiu à Copagaz se tornar a primeira empresa do setor a importar gás de cozinha de outros países, reduzindo seu custo logístico. “Compramos o excedente de produção da Bolívia para abastecer parte do Centro-Oeste. Para abastecer o Sul do Brasil, compramos de uma refinaria do norte da Argentina, da antiga Refinor, da YPF”, diz Caio.

E, ao mesmo tempo em que observam a operação sob o ponto de vista macro, os executivos têm analisado a ponta da cadeia, o dia a dia dos revendedores no interior do Brasil. A companhia desenvolveu um algoritmo para ajudar os revendedores a prever quando um cliente precisa trocar o botijão. “As pessoas só lembram do gás quando acabou. Esse sistema está em 800 revendas das 2,7 mil que temos”, diz Pedro.

Outra “dor” de seus revendedores que pode virar um negócio para a companhia passa pelo setor de adquirência. “Quando fomos para o campo, descobrimos que as minhas revendas eram ‘estupradas’ pelas adquirentes de cartão de crédito”, diz Pedro.

Para resolver a questão que estrangula a margem de seus representantes, a Copagaz já está com um projeto embrionário em 30 revendas. A empresa se uniu ao banco digital SmartBank para criar uma subadquirente. Esses revendedores agora contam com uma maquininha Copagaz. “Com uma taxa bem mais baixa”, diz Pedro. “Tentamos mapear ameaças, vemos o que está acontecendo.”..Leia mais em neofeed 06/12/2019


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