30 dezembro 2019

Qual a taxa real de câmbio de equilíbrio no Brasil?

A maioria dos estudos empíricos confirma que a sobrevalorização da moeda nos países em desenvolvimento por longos períodos, por reduzir as taxas de lucros esperadas e afetar adversamente a acumulação de capital, reduz o crescimento econômico no longo prazo. Dani Rodrik1, ao analisar o comportamento da taxa de câmbio real de 184 países no período 1950-2004, foi além e concluiu que os países que mantiveram suas moedas ligeiramente subvalorizadas em relação a uma cesta de moedas aceleraram o desenvolvimento econômico.

O problema é determinar a taxa de câmbio real de equilíbrio de longo prazo. A principal teoria se baseia na hipótese da paridade relativa do poder de compra (PPP, em inglês), segundo a qual, para manter o poder de compra entre duas moedas ao longo do tempo, a taxa de câmbio nominal cotada no mercado (digamos R$/US$) deve ser corrigida pela diferença entre as taxas de inflação doméstica e internacional.

A questão teórica central é determinar as forças que, supostamente, levam a taxa de câmbio real observada (calculada pelos bancos centrais) para um determinado nível de equilíbrio de longo prazo, fazendo com que ela se iguale à taxa de câmbio nominal “neutra” do ponto de vista competitivo, ou seja, àquela que acarrete benefícios idênticos aos produtores domésticos que competem com as importações, aos exportadores e aos importadores.

Segundo a PPP, não fosse a presença de eventuais choques exógenos, forças “fundamentais” inerentes ao sistema econômico levariam a taxa de câmbio nominal no longo prazo para o seu nível real de equilíbrio. Quaisquer desvios da taxa de câmbio real observada de seu nível de equilíbrio “fundamental” seriam acarretados por choques exógenos não previstos.

Em dois artigos acadêmicos2, propusemos uma metodologia teórica e econométrica de estimação da trajetória da taxa de câmbio real de longo prazo para economias em desenvolvimento. Nesses estudos, introduzimos o conceito e estimamos (até onde saibamos, de forma pioneira no Brasil) a taxa de câmbio real “ótima” de longo prazo, definida como aquela necessária para realocar de forma eficiente os recursos produtivos em direção aos setores geradores e difusores dos ganhos de produtividade para a economia como um todo, de tal sorte a acelerar e sustentar o desenvolvimento econômico.

Alinhada com a literatura especializada, a taxa de câmbio real “ótima” embute uma ligeira subvalorização, em torno de 5%, em relação à taxa de câmbio real de equilíbrio de longo prazo, também estimada pelo modelo, mas considerada “neutra”, porque não incorpora qualquer sub ou sobrevalorização. Diferentemente da PPP, em nosso modelo, tanto a trajetória da taxa de câmbio real no longo prazo, como o desvio da taxa de câmbio real observada (calculada pelo Banco Central) de seu nível “neutro” de equilíbrio estimado pelas regressões e, mais ainda, de seu nível “ótimo” são explicados, simultaneamente, por variáveis de longo prazo associadas à estrutura da economia e por variáveis de curto prazo relacionadas à conjuntura econômica em curso.

 Taxa real 'ótima' para o desenvolvimento econômico do país 
deveria ser cerca de R$ 4,36 por dólar 

No modelo econométrico proposto, estimamos a trajetória da taxa de câmbio real de longo prazo no Brasil entre janeiro de 1999 e julho de 2015, com base em três variáveis estruturais (a renda per capita, os termos de troca e o saldo em conta corrente) e três variáveis associadas à política econômica (o diferencial entre as taxa de juros interna e externa, o estoque de reservas internacionais e o risco Brasil). Se nos modelos baseados na PPP apenas as variáveis associadas a choques de curto prazo são as responsáveis por desalinhar a taxa de câmbio real observada de seu nível de equilíbrio de longo prazo, em nosso modelo, todas as variáveis indicadas anteriormente podem explicar simultaneamente o desalinhamento cambial quer de seu nível de equilíbrio real “neutro”, quer da taxa de câmbio real “ótima” no longo prazo.

Uma vez que os dois modelos econométricos apresentaram resultados idênticos quanto à trajetória da taxa de câmbio real estimada, procedemos à identificação do período em que a taxa de câmbio real teria alcançado o seu nível “ótimo”. Pela nossa metodologia, a taxa de câmbio real “ótima” foi alcançada entre junho de 2003 e abril de 2005. Feitos os ajustes para o final da série estimada, concluímos que, em julho de 2015, a taxa de câmbio nominal média deveria ter sido de cerca de R$ 3,88/US$ (contra uma taxa nominal média observada de R$ 3,39/US$) para preservar o nível real “ótimo” alcançado no subperíodo junho de 2003 a abril de 2005.

De agosto de 2015 ao presente, pelo menos dois fatores podem ter pressionado para cima a taxa de câmbio real de equilíbrio no Brasil: a redução da renda per capita e do diferencial de juros interno-externo. Ajustando os dados de agosto de 2015 a outubro de 2019 pela diferença entre a inflação acumulada no Brasil (IPCA: 20,39%) e nos Estados Unidos (CPI: 7,99%), podemos concluir que a taxa de câmbio real “ótima” para o desenvolvimento econômico no Brasil, no momento atual, deveria ser de, aproximadamente, R$ 4,36/US$ (R$ 3,88 x 1,1240).

Como esta última embute uma subvalorização de 5%, podemos também concluir que a taxa de câmbio real de equilíbrio (“neutra”, sem qualquer sub ou sobrevalorização) no Brasil é, atualmente, de R$ 4,15/US$ (4,36 dividido por 1,05), praticamente igual à taxa de câmbio nominal média negociada entre outubro e novembro nos mercados de câmbio à vista (de R$ 4,12/US$), como consta nas estatísticas do Banco Central.

O ideal seria que a taxa de câmbio nominal estivesse mais próxima do nível “ótimo”.
Ainda assim, espera-se que, doravante, a autoridade monetária adote mecanismos para evitar nova tendência de apreciação real da moeda brasileira, como se observou entre 2006 e 2014. Valor Econômico Leia mais em portalnewsnet 30/12/2019


30 dezembro 2019



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