08 junho 2017

Nova era do mercado de capitais apesar das turbulências

Mesmo depois da grande turbulência que afetou o país e os mercados nas últimas semanas, continuo convicto de que estamos próximos de um ponto de inflexão, de uma grande revolução no mercado de capitais brasileiro, impulsionada por um novo modelo de crescimento econômico e por uma mudança na cultura de investimentos.

O Brasil avançou muito nas últimas décadas e a sociedade passou por grande transformação. A combinação do Plano Real, das reformas e privatizações do governo FHC e a forte transferência de renda dos anos Lula tiveram, em seu conjunto, expressivo impacto no crescimento da renda real média do brasileiro, algo em torno de 4% ao ano entre 1993 e 2011.

Esse crescimento da renda gerou um aumento da formalização da mão de obra, com impacto no acesso ao crédito, fazendo do Brasil o quinto maior mercado de consumo do mundo. Em 1993, 63% da população se encontrava nas classes D e E. Hoje, 70% da população está nas classes A, B e C. Ao se tornar consumidor e pagar impostos, o cidadão vê mudar sua relação com o governo, demandando melhores serviços públicos, mais qualidade de vida e a moralização da coisa pública, em contraponto à montanha de impostos que lhe são cobrados. Não à toa, eclodiram em 2013 protestos em todo o país.

O establishment político foi devorado pela esfinge, ao não decifrar o enigma.

Recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo torna esse processo ainda mais evidente. O cidadão apoiava o governo Lula porque seu padrão de vida melhorou, não por inclinação ideológica. O espectro político brasileiro se desloca para a direita: "It's the economy, stupid", como disse o estrategista James Carville da campanha de Bill Clinton. O inimigo é o governo, a burocracia, a ineficiência da máquina pública.

Quando se deram as eleições de 2010, os fatores de produção estavam ocupados, bem como os portos, aeroportos e rodovias, sucateados e saturados. O diagnóstico era simples: fazer reformas microeconômicas e investir pesadamente em infraestrutura. A escolha foi por anabolizar a demanda através de crédito farto, juros artificialmente baixos, câmbio supervalorizado e utilização das tarifas públicas para conter a inflação. Essas medidas exacerbaram o desequilíbrio já existente na oferta, arrasaram o quadro fiscal e ameaçam o potencial de crescimento de longo prazo.

A capacidade do Estado de liderar o crescimento foi aniquilada; a máquina pública, ferida de morte. Há males que vem para o bem, pois num país com uma cultura patrimonialista tão arraigada, isso é um "blessing in disguise" [benção disfarçada, em tradução livre]. O novo ciclo de crescimento terá de ser liderado pela combinação de investimentos e consumo, em que o Estado será reduzido para dar lugar à poupança e à formação bruta de capital. Não temos dúvidas de que a agenda iniciada no governo Temer será aprofundada pelos governos que o sucederão. É um processo de longo prazo, sustentado por essa transformação da sociedade brasileira.

O mercado de capitais sairá fortalecido. Não teremos mais a onipresença dos bancos públicos, elegendo os ganhadores nacionais. As empresas terão de recorrer ao mercado de debêntures e de ações para se financiar.

Inevitavelmente, teremos uma nova rodada de privatizações e concessões, desta vez com majoritária presença de capital internacional. Um mercado maior, mais líquido e com mais empresas listadas favorecerá os fundos de investimento.

Assistimos à queda abrupta dos recursos investidos em poupança e à migração para os fundos de investimento. Mas o ambiente econômico e político de alta volatilidade fez com que essa migração se desse, principalmente, para fundos de renda fixa.

O hiato de oferta leva a uma acomodação da inflação em patamares baixos, permitindo juros de um dígito por um período longo (reformas serão necessárias para que a inflação permaneça baixa quando a oferta atual for tomada). A reforma da Previdência é fundamental para que o apetite por risco retorne com força.

Os investidores institucionais, pessoas físicas e estrangeiros mantêm o menor apetite por risco desde que iniciei minha carreira profissional. Fundos de ações representavam 15% da indústria de fundos em 2008; hoje somam apenas 4,5%. A combinação de juros baixos e aprovação das reformas necessárias trará um grande volume de recursos para os fundos dedicados a ativos de risco, como ações e multimercados.

Outro fator que contribuirá para essa transformação é o crescimento da penetração das plataformas digitais. Num país em que apenas 200 mil pessoas ganham mais de 80 salários mínimos e são disputadas à unha por grandes bancos e gestores de patrimônio, temos um número muito maior de investidores potenciais (26 milhões de contribuintes) que não tinham acesso a gestores independentes e eram obrigados a aceitar rendimentos bastante inferiores. Através das plataformas, esses investidores têm agora acesso a uma indústria de gestão bem regulada, com muitas gestoras independentes de grande porte, que possuem equipes com profissionais altamente qualificados e produtos com retornos consistentes de longo prazo.

Nós, da AZ Quest, nos preparamos para esse movimento e, apesar da turbulência, enxergamos o futuro do Brasil, e do mercado de capitais em particular, com bastante otimismo.  - Valor Econômico Por Walter Maciel Leia mais em portal.newwsnet 08/06/2017

08 junho 2017



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