26 junho 2017

Até onde vai a Amazon?

Em 2010, o empresário americano Matt Rutledge foi convidado para um café da manhã com Jeff Bezos. Ele havia acabado de vender a Woot, um site de promoções de varejo para a Amazon, por US$ 110 milhões. Seria o primeiro encontro com o todo-poderoso dono da gigante americana de comércio eletrônico, em Seattle, sede da companhia. Mas, segundo seu relato, foi algo bastante inusitado. Bezos parecia não ter nenhuma agenda para a conversa e estava saboreando um prato exótico: um polvo preparado com batatas, bacon e ovos. Quando Rutledge questionou o motivo da compra da Woot, Bezos mais uma vez surpreendeu. “Você é o polvo que estou comendo neste café da manhã”, respondeu. “Quando olhei o menu, você era a coisa que eu não entendia, que eu nunca tinha experimentado.”

O polvo do café da manhã de Bezos simboliza a estratégia da Amazon. A companhia surgiu como um comércio eletrônico que vendia livros em 1994. Hoje, de cada dólar gasto no varejo online nos Estados Unidos, 50 centavos são na loja online da Amazon. Mas Bezos não apostou suas fichas numa única cesta. Ao longo dos anos, o dono da Amazon provou vários mercados que não tinha “experimentado” ou que não “entendia”, como computação em nuvem, leitores de livros digitais, produção de séries de tevês e a fabricação de robôs. Ele testa também drones para entrega de produtos aos consumidores e criou uma assistente virtual dotada de inteligência artificial que é um grande sucesso nos Estados Unidos. De certa forma, Bezos é o próprio polvo, que estende seus tentáculos de forma implacável por diversas áreas. Onde ele quer chegar? Qual o seu limite? Para muitos, o dono da Amazon quer, simplesmente, dominar o mundo.

Te cuida, Walmart: com a Whole Foods, Bezos quer dominar o varejo online e o físico (Crédito:Divulgação | Site Amazon )

Uma prova das ambições de Bezos pode ser observada em 16 de junho deste ano, quando seus os tentáculos capturaram um novo alvo. Naquela sexta-feira, a Amazon anunciou a compra da rede de alimentos orgânicos Whole Foods, por US$ 13,7 bilhões, na maior aquisição de sua história – a loja online de calçados Zappos.com, até então a mais cara, havia custado US$ 1,2 bilhão, em 2009. Trata-se da mais séria e ousada investida de Bezos no varejo do mundo físico e o mais direto ataque ao Walmart, o gigante do varejo tradicional, com receitas de US$ 480 bilhões. A Whole Foods conta com 460 lojas nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. “Milhões de pessoas amam a Whole Foods porque oferece os melhores alimentos naturais e orgânicos e tornam divertida a alimentação saudável”, disse Bezos, em um comunicado. Em um encontro com funcionários no dia em que venda foi anunciada, o cofundador e presidente da Whole Foods, John Mackey, afirmou que o negócio não é um relacionamento do Tinder, mas sim um casamento sério. “Foi amor à primeira vista”, disse. Líder do movimento chamado Capitalismo Consciente, ele rendeu-se ao “espírito animal” de Bezos. A Whole Foods manterá sua marca, assim como a sua rede de fornecedores e de parceiros. Mackey permanecerá como presidente. A sede da companhia não sairá de Austin, no Texas.

O negócio não chega a ser surpreendente pelo fato de a Amazon comprar uma varejista tradicional de tijolo e argamassa. Nos últimos tempos, a companhia de Bezos estava fazendo incursões no mundo real. Ela inaugurou uma livraria em Seattle, em 2015, o que levou a especulações de que investiria em centenas delas pelo EUA – o que não aconteceu, pelo menos, até agora. No ano passado, a companhia mostrou ao mundo a Amazon Go, um supermercado high-tech sem filas e sem caixas. Nesta pequena mercearia ainda em teste, tudo é comandado por um aplicativo e por tecnologias inseridas na loja, como inteligência artificial e diversos sensores. Nada, no entanto, se compara à escala que a Amazon ganha com a aquisição da Whole Foods. “Eles vão transcender as fronteiras entre o físico e o virtual”, afirma Sílvio Laban, especialista em varejo do Insper.

É bom não duvidar das ambições de Bezos e da sua capacidade para reinventar seu negócio. Nos anos 2000, o dono da Amazon ficou obcecado com o sucesso do iPod, o tocador de música digital da Apple. Naquela época, três quartos da receita da Amazon vinha de livros, DVDs e CDs. Foi então que ele começou a trabalhar, secretamente, em um iPod para os livros, no projeto batizado de Lab126. “A missão é matar o negócio da Amazon”, disse Bezos, segundo relato do jornalista Brad Stone, autor do livro “A loja de tudo”, que conta a história da Amazon e de Bezos. O Kindle, resultado do projeto Lab126, surgiu em novembro de 2007 e foi um sucesso estrondoso – a Amazon detém 41% deste mercado, segundo a Statistic Brain.

Mackey, cofundador do Whole Foods: “Foi amor à primeira vista”, disse ele, sobre o negócio (Crédito:AP Photo/Richard Drew)

Bezos, então, não parou mais e saiu jogando os seus tentáculos por diversas outras áreas, colecionando vitórias, algumas derrotas, muitos inimigos e os mais variados concorrentes. O principal rival da Amazon não pode ser considerado apenas o Walmart. Ele, claro, está na lista de competidores. Mas seria simplista demais limitar a disputa de Bezos à rede varejista de Bentoville, no Arkansas. Bezos concorre com a Microsoft na área de computação em nuvem. Apesar dos esforços da empresa de Bill Gates, a Amazon lidera essa área com uma fatia de 37,1% do mercado, segundo a consultoria americana Gartner. O Windows Azure, da Microsoft, tem 28,4%. Em inteligência artificial, o Echo detém uma fatia de 70,1% das vendas nos EUA, segundo o eMarketer. O equipamento organiza a agenda, acende automaticamente as luzes da casa ou dá informações sobre o trânsito. Em produção de séries de vídeo para o seu serviço sob demanda que já está em 200 países, a Amazon vai investir US$ 4,5 bilhões neste ano. É menos do que os US$ 6 bilhões da Netflix, mas mais do que o dobro do que a tradicional companhia de tevê a cabo HBO, que gastará US$ 2 bilhões, segundo estimativas do banco de investimento JP Morgan. “A Amazon tem grandes ambições de controlar praticamente todas as indústrias que estão seu caminho”, afirma Vivek Wadhwa, membro eminente da Singularity University e da Stanford University.

DIA UM Apesar de fazer parte da primeira geração de empresas pontocom dos anos 1990, a Amazon é considerada uma companhia jovem, que está apenas dando seus primeiros passos, na visão de seus acionistas. Quem visita sua sede, em Seattle, encontra um grande mural com narrativas épicas, como a do clássico “Odisseia”, do grego Homero, ou transcrições de conversas das primeiras pessoas a pisarem na Lua. No final do painel, o visitante vê uma montagem com os números zeros e uns que mostram o quão longe a companhia já foi: “Dia um”. Essa frase demonstra a crença de Bezos de que a companhia está apenas no começo e que precisa recomeçar a cada dia. É a famosa visão de longo prazo da Amazon, que sacrifica margens e lucros em prol de um crescimento acelerado.

Ao mesmo tempo em que Bezos não faz nada com pressa, há grandes expectativas dos investidores com a Amazon. Desde 2015, as ações valorizaram-se incríveis 224% – esse ritmo é 12,5 vezes mais rápido do que o do índice S&P 500 Index, que engloba as maiores empresas dos EUA. Com um valor de mercado de US$ 478 bilhões, ela é a quarta companhia mais valiosa do mundo, atrás de Apple, Alphabet (Google) e Microsoft. Mas nunca uma empresa valeu tanto fazendo tão pouco dinheiro. Os lucros operacionais de US$ 4,2 bilhões desde 2015 são baixos para uma empresa com receitas de US$ 136 bilhões. De acordo com investidores, 92% de seu valor são de lucros que devem começar a acontecer a partir de 2020. Para isso, ela deverá a crescer a um ritmo alucinante de 16% ao ano, em média, na próxima década, quando deve faturar meio trilhão de dólar, um patamar em que o Walmart já se encontra.

A compra da Whole Foods é peça-chave para que a Amazon consiga cumprir a expectativa dos investidores. “Apesar de todo o avanço do varejo digital, o grosso das vendas está no físico”, afirma Marcelo Coutinho, coordenador do mestrado profissional da FGV. Nos EUA, as vendas online representaram 8,5% do total do varejo no primeiro trimestre de 2017, segundo a companhia de informações Statica. Na área de alimentos e bebidas, as compras online representam menos de 4% do total, de acordo com dados do banco de investimento Cowen & Co. “A Amazon está estrategicamente focada em capturar a ida semanal do consumidor ao supermercado, mas faltava credibilidade e capacidade de marca”, afirma Robin Sherk, vice-presidente de comércio eletrônico da Kantar Retail para os Estados Unidos e Canadá. Dará certo? Para Bezos, é só mais um polvo que ele está provando em sua lenta, porém constante, trajetória para dominar o mundo.

A conta gotas no Brasil

Spaziro, da Amazon: “A gente faz quando a gente sente que está pronto para fazer”

A Amazon demorou 18 anos para começar a olhar para o Brasil. Só chegou por aqui em dezembro de 2012, quando lançou o leitor de livro digital Kindle. Mas, ao contrário do que a maioria dos analistas poderia imaginar, a empresa não avançou muito desde então. Sua estratégia tem sido a conta gotas, testando o mercado, conhecendo o consumidor e estabelecendo relacionamento com parceiros de negócios. Tudo feito com muita calma sob a responsabilidade do executivo Alex Szapiro, responsável pela operação da Amazon no mercado brasileiro. “Uma coisa interessante da Amazon é que não tem essa questão da pressa”, afirmou Szapiro, em uma entrevista ao site Brazil Journal. “A gente faz quando a gente sente que está pronto para fazer.”

Por esse motivo, a operação da Amazon é ainda bastante pequena no Brasil. Depois do Kindle, a varejista online só se aventurou a vender livros físicos em 2014. Três anos depois, a empresa trouxe ao país o seu marketplace, espaço em que parceiros comercializam seus produtos e pagam uma comissão à Amazon, que pode atingir até 15% do valor da venda. Por enquanto, ele está ainda está restrito a venda de livros. Mas há sinais que a companhia de Jeff Bezos pode dar passos mais ousados no mercado brasileiro. Um relatório do banco de investimento BTG Pactual, assinado pelos analistas Fabio Monteiro e Luis Guanais, afirma que a empresa se prepara para entrar no segmento de eletrônicos e celulares no segundo semestre deste ano.

“Conversamos com seis dos maiores vendedores de marketplace brasileiros, todos com uma fatia de mercado relevante nas principais plataformas de e-commerce do País”, informa um trecho do relatório do BTG Pactual. “Alguns deles confirmaram que a Amazon está em contato com eles para aumentar o sortimento de produtos no Brasil no curto prazo (entre julho e outubro de 2017) em categorias como eletrônicos e celulares, inicialmente apenas no segmento de marketplace.” Procurada, a Amazon diz que não especula sobre planos futuros.

Mesmo de forma tímida, a Amazon está avançando no mercado brasileiro. O BTG Pactual, por exemplo, estima que a varejista online detenha 10% das vendas de mercado editorial brasileiro. O seu marketplace, lançado em abril deste ano, já conta com mil vendedores, tendo vendido 300 mil livros. Seu site local já atrai 20% do tráfego da Americanas.com e aproximadamente 50% das visitas de grandes rivais do comércio eletrônico, como Submarino e Walmart.

Os analistas do BTG Pactual afirmam que o mercado brasileiro é bastante atraente para a Amazon e não descartam que a companhia possa avançar no varejo físico, como fez com a compra da rede de alimentos orgânicos Whole Foods, em meados de junho. Mas o foco, neste momento, deve ser as vendas online. O relatório informa que o comércio eletrônico faturou R$ 59 bilhões em 2016 no Brasil. A perspectiva é chegar a R$ 135 bilhões em cinco anos. A boa notícia, para a empresa de Bezos, é que a penetração das vendas online ainda é baixa, de apenas 3,5% das vendas totais do varejo e concentrado em quatro empresas, que detém 55% do varejo virtual.  - IstoÉ Dinheiro Leia mais em portal.newsnet 26/06/2017



26 junho 2017



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