06 junho 2011

Com bala na agulha

As empresas brasileiras nunca estiveram tão capitalizadas como agora. Desde 2008, o caixa delas cresce mais de 20% ao ano

Há exatos dois anos, o grupo Pão de Açúcar dava uma tacada ambiciosa que o colocava novamente na liderança do varejo. A compra do Ponto Frio, em junho de 2009, e a fusão com as Casas Bahia, apenas seis meses depois, marcaram uma nova era na companhia. Os rumores de uma negociação do empresário Abilio Diniz com o Carrefour - que movimentaram o mercado nas duas últimas semanas, irritando particularmente seu sócio francês (o Casino) e derrubando as ações do grupo - são mais uma demonstração da força que a rede vem ganhando. O Pão de Açúcar talvez nunca tenha desfrutado de uma situação financeira tão confortável como a de agora. Em abril de 2007, seu caixa não chegava a R$ 1 bilhão. Quatro anos depois, já beira R$ 4 bilhões, o que faz dela uma das companhias mais capitalizadas do País.


Um levantamento feito pela Economatica a pedido do Estado mostra que as empresas brasileiras não financeiras de capital aberto estão com R$ 251 bilhões em caixa. Desde 2008, esse número vem crescendo mais de 20% ao ano, em valores já ajustados pelo IPCA. Uma combinação de fatores explica o fenômeno. As empresas brasileiras estão se beneficiando do crescimento da economia nos últimos anos. Além de vender mais, elas tiveram acesso a mais capital. Na bolsa, depois do recorde de IPOs em 2007, são esperados R$ 55 bilhões neste ano. Calcula-se que os fundos de private equity tenham cerca de R$ 10 bilhões disponíveis para novos negócios. Mas há um fator adicional: a crise financeira mundial, em 2008, deixou os diretores financeiros mais conservadores.

"Com a crise, todo mundo percebeu que o caixa é crítico. A ordem foi reduzir despesas, postergar ou cancelar investimentos... fazer o possível para preservar o caixa", diz André Pimentel, sócio da Galeazzi Associados. "De uma maneira geral, o empresariado tem amadurecido muito ao longo dos últimos anos. Historicamente, não dava a atenção devida, não estava acostumado a pensar no longo prazo."

No caso do Pão de Açúcar, a ordem durante a crise foi "sentar no caixa". Meses antes, quando começou sua reestruturação, o foco já era aumentar as vendas nas lojas existentes, o que não exige muito capital. Entre 2009 e este ano, a bandeira de 170 unidades será trocada com esse objetivo.

Balanço saudável. O fenômeno não é só brasileiro. Nos Estados Unidos, menos de três anos após o estouro da crise, o poder de fogo das companhias também tornou-se extraordinário. Calcula-se que elas tenham cerca de US$ 2 trilhões em caixa. Segundo levantamento do banco HSBC, o balanço das empresas americanas nunca foi tão saudável como agora - a relação dívida/patrimônio líquido é a menor em pelo menos 20 anos.

Reportagem recente do Financial Times conta que esse gigantesco volume de dinheiro já virou uma questão presidencial. Em fevereiro deste ano, o presidente Barack Obama chamou os empresários a "entrar no jogo" e gastar parte desse valor. A reportagem mostra que esse quadro já está se refletindo em mais aquisições, retorno para acionistas, investimentos e contratações.

No Brasil, o dinheiro dentro de casa tem sido usado em alguns casos para a recompra de ações e, principalmente, para expansão e aquisição, segundo o sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, Marcelo Gomes. Segundo dados da Merger Market, empresa de informações financeiras, as fusões e aquisições atingiram recorde em 2010, com US$ 79,5 bilhões. E, só nos primeiros três meses deste ano, foram R$ 30 bilhões, o valor mais alto para um trimestre em pelo menos quatro anos. Em valores, as operações foram lideradas pelos setores de energia, mineração e telecomunicações. A PwC, que também monitora esse mercado, espera um novo recorde para este ano. Em 2010, foram 795 operações no País. "O aumento de recursos disponíveis e as oportunidades de ganho de eficiência e de consolidação em diversos setores estimularam as operações", diz Alexandre Pierantoni, sócio da PwC.

Real valorizado. Com R$ 11,1 bilhões em caixa, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) tem aproveitado esse poder de fogo para atacar por todos os lados. No fim de maio, comprou, por cerca de 1 bilhão, cinco empresas do grupo Alfonso Gallardo, um dos maiores produtores de aço da Espanha. A empresa tirou proveito do real valorizado e da crise naquele país, que deixou os ativos mais baratos. A CSN vem insistindo em sua internacionalização há tempos, mas fracassou nas tentativas de comprar as siderúrgicas Corus e Wheeling-Pittsburgh e a cimenteira Cimpor.
Aos poucos, a CSN tem aumentado sua participação na Usiminas, em um movimento parecido com o que fez na produtora de carvão Riversdale. Essas ações, aliás, foram vendidas em abril para a Rio Tinto, reforçando seu caixa em cerca de US$ 830 milhões. É tanto dinheiro que aumentou a pressão dos acionistas para que a companhia distribua parte do caixa em vez de manter os recursos aplicados.

O aumento do poder de fogo foi generalizado entre os setores. Na telefonia, a TIM viu o volume de recursos no caixa triplicar de 2007 para este ano - de R$ 510 milhões para R$ 1,58 bilhão. Segundo o diretor financeiro e de relações com investidores Claudio Zezza, não houve uma estratégia específica para o reforço. "O aumento de volume foi resultado da expansão da economia do Brasil - hoje somos o quarto mercado mundial de telecom e o segundo que mais cresce -, aliada à reestruturação da TIM", afirma. Em 2009, a operadora mudou a estrutura organizacional - houve troca até na presidência - e modificou os tipos de oferta da companhia, passando a focar as promoções nos serviços, e não nos aparelhos.

No grupo Randon, o salto no caixa foi ainda maior: no primeiro trimestre de 2011 os recursos alcançaram R$ 1,3 bilhão, seis vezes mais do que há quatro anos. "Na verdade, desde que passamos por uma crise em 1999, adotamos a regra de ter um mês de faturamento no caixa, o que equivaleria a R$ 500 milhões", explica Geraldo Santa Catharina, diretor financeiro da holding. "O restante são recursos que conseguimos junto ao BNDES, uma parte atrelada à exportação e outra para a financiar produção."

Inflação. Se as empresas já estavam conservadoras, devem ficar ainda mais. O mundo não está crescendo como se previa e há ainda o fantasma da inflação. "No primeiro trimestre, já foi possível perceber um aumento de despesas. Houve crescimento de faturamento, mas as margens não acompanharam", diz Gomes, da Alvarez & Marsal.

"Controlar os custos é o maior desafio hoje. No caso da construção civil de luxo, uma parte do aumento está sendo passada para os preços", diz o diretor de relações com o investidor da incorporadora JHSF Eduardo Câmara. "Por outro lado, levantar capital não tem sido difícil para nós." Além de tomar empréstimos, a empresa aumentou seu poder de fogo com a venda do Shopping Santa Cruz e três prédios comerciais nos últimos dois anos, embora negue que as vendas tenham sido motivadas por geração de caixa.

A Metalfrio, uma das maiores fabricantes de freezers comerciais do mundo, conseguiu segurar a rentabilidade no primeiro trimestre, apesar do aumento do aço. Segundo o vice-presidente Marcelo Epperlein, a companhia aumentou o estoque da commodity no fim de 2010, antevendo o aumento de preço e aproveitando boa condição de negociação. O estoque termina no segundo semestre. "Se o aço continuar subindo, a solução será trocar de fornecedor ou mudar produtos", diz. O que ele não quer é perder seu colchão. No momento, a Metalfrio está montando uma fábrica em Pernambuco, planeja uma expansão na Rússia e olha aquisições na Índia, Indonésia e América Central.
Fonte: O Estado de S.Paulo 06/06/2011

06 junho 2011



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