26 dezembro 2020

Tech no Brasil: a curva de aprendizado do mercado financeiro e seus desdobramentos

Não é de hoje que termos como “transformação digital”, “Inteligência Artificial” e “Machine Learning” estão em evidência no Brasil e no mundo. O que chamou mais atenção por aqui foi a dinâmica veloz em que a indústria de tecnologia se desenvolveu. O que antes era classificado como uma moda provisória com escritórios mais despojados e maior flexibilidade de hierarquia, virou o necessário. Em poucos anos, vimos startups virando unicórnios, empresas tradicionais investindo significativamente em inovação e a indústria de venture capital cada vez mais madura no Brasil.

O mercado financeiro foi diretamente afetado por essa transformação que está em curso – dado que ela mudou paradigmas no meio empresarial e afeta os modelos de negócio. Quase que automaticamente, analistas e gestores de renda variável tiveram que se atualizar rapidamente. O maior desafio do mundo tech é justamente esse aprendizado constante – trata-se de um processo contínuo de evolução.

A indústria de renda variável no Brasil tem hoje cerca de R$ 531 bilhões sob gestão. A capitalização (ou Market Cap) de todas as empresas listadas na B3 somam quase R$  3,5 trilhões. Do ponto de vista dos fundos de ações, há duas maneiras de enxergar a evolução da tecnologia no Brasil: i) risco para as incumbentes investidas no portfólio dos fundos, e como consequência desvalorização de suas ações ou ii) oportunidade através do investimento em novas empresas vindo a mercado ou ao aumento de concentração naquelas que estão conseguindo fazer sua transformação digital de forma efetiva.

“Wake-Up Call”

Apesar das opiniões divergirem em relação ao momento exato em que o mercado brasileiro “acordou” para tecnologia – seja se ocorreu com a realização de lucros advindo do IPO do Mercado Livre em 2007 ou com o IPO da Stone e PagSeguro em 2018 – fato é que hoje a vasta maioria das casas possuem um analista dedicado ao tema. 

A curva de aprendizado das assets locais seguiu uma sequência muito similar: 

  • i) estabelecimento e manutenção de contatos com o setor através dos fundos de venture capital; 
  • ii) cursos, leituras e viagens para entender como havia sido o desenvolvimento em outras partes do mundo como China e Vale do Silício; 
  • iii) investimento dos sócios na física em empresas de tecnologia não listadas, e finalmente, 
  • iv) a abertura de veículos ou fundos que possam do ponto de vista regulatório investir tanto em empresas listadas na Nasdaq quanto em rounds privados.

No entanto, a análise de tecnologia ainda é superficial no Brasil – e isso está refletido no número de empresas que são de fato tech native listadas na B3. Atualmente, podemos afirmar que é o caso da Locaweb, e, mais recentemente, do Méliuz e da Enjoei. Na minha visão, a razão para esse número ínfimo é que ainda há uma dificuldade entre investidores brasileiros em como avaliar essas empresas.  Já temos um entendimento claro da estratégia, mas ainda é um desafio definir o valuation delas de forma assertiva. O conceito de “caro” ou “barato” não está tão claro

Ainda é só o começo

O fato é que ainda estamos no início da revolução tecnológica no Brasil. Apesar de empresas chamadas “tech tradicionais” serem representadas na bolsa através de LINX e TOTVS, por exemplo, tivemos apenas no início de novembro o primeiro IPO de uma venture-backed company no Brasil, o Méliuz, empresa mineira de cashback. Por que esse IPO foi importante? Além de dar a oportunidade a investidores e gestores de expressarem suas visões do setor em uma true tech company (vis-à-vis através de uma operação originalmente de Varejo, como a MagaLu), ela abre caminho para uma fila de startups virem para a bolsa.

Apesar de sabermos que há uma dezena de empresas de tecnologia se preparando para listarem na B3 – ainda não é claro para mim se o mercado está maduro o suficiente. 

Ainda vemos alguns fundadores preferindo listar suas empresas na Nasdaq- mesmo tendo operação e foco no Brasil. Mas isso está definitivamente mudando – inegavelmente vimos esse ano o movimento de algumas empresas na dúvida de onde estrear no mercado, e muitas já focando os esforços por aqui. O trade off é muito claro: se por um lado, os brasileiros conhecem a marca e entendem a operação das empresas no detalhe (afinal, o Brasil tem suas idiossincrasias) por outro, investidores globais tendem a entender e pagar por múltiplos mais altos.

Alguns dizem que 2020 foi só o começo, e que em 2021 vamos ver ainda mais empresas tech sendo listadas na B3: “a Nasdaq será aqui”. Apesar de achar essa afirmação um pouco exagerada, acho sim que o Brasil está no caminho certo e que no ano que vem teremos uma enxurrada de ofertas de tecnologia por aqui. Com o tempo, tanto as empresas quanto o mercado ficarão cada vez mais maduros.  Trata-se do ciclo natural de uma indústria que até 3 anos atrás era inexistente e inexpressiva por aqui.

Mulheres na Tecnologia

Como mulher, trabalhando há mais de 10 anos no mercado financeiro e há 5 com tecnologia, não posso deixar de mencionar a nossa falta de representação. No caso do mercado financeiro, não é novidade que a desigualdade de gênero é uma realidade. Menos de 25% dos CPFs cadastrados para comprar e vender ações no Brasil são de investidoras. Em um dado ainda mais discrepante, apenas 6% dos gestores certificados pela ANBIMA (possuem o CGA) são mulheres. Infelizmente, no mercado de tecnologia não é diferente. Um estudo recente do Crunchbase relatou que apenas 1 entre 5 unicórnios possuem pelo menos uma mulher na liderança. Por outro lado, o mesmo estudo também mostra que 23% das mulheres em posição de liderança nessas empresas são promovidas, quando comparado à 19% do sexo masculino. Não há dúvidas que a tecnologia fomenta a diversidade no mercado de trabalho – e que quanto maior a diversidade, melhores os resultados. Na prática, ainda precisamos ver isso tanto no Brasil quanto no mundo. Por Julia De Luca - especialista Tech na área de Equities Sales do Itaú BBA Leia mais em starupi 22/12/2020

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26 dezembro 2020



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