O leilão da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D), a maior estatal do Rio Grande do Sul, com mais de 60 anos de história, ocorrerá em fevereiro do próximo ano
O governo do Estado anunciou que o edital de privatização da CEEE-Distribuidora será publicado na primeira quinzena de dezembro. Com isso, se esse prazo for de fato cumprido, o leilão da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D), a maior estatal do Rio Grande do Sul, com mais de 60 anos de história, ocorrerá em fevereiro do próximo ano. O preço mínimo de venda já foi fixado pelo governo gaúcho: R$ 50 mil.(Nota do Editor – atualização em 9/12): o edital foi publicado no dia 8 de dezembro, depois do fechamento da edição impressa do Extra Classe)
A venda da CEEE-D foi acelerada depois que o governo conseguiu retirar, no ano passado, a exigência constitucional que previa a necessidade de um plebiscito para autorizar a privatização – a decisão contrariou uma promessa de campanha do governador Eduardo Leite de manter a consulta, em caso de privatização. O governo anunciou a contratação do BNDES para elaborar a modelagem do negócio, que será executado pela Ernst & Young e pelo consórcio Minuano Energia, composto pelas empresas Machado Meyer, Thymos Energia e Banco Plural.ode parecer um valor esdrúxulo, mas o secretário de Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado, Artur Lemos, justificou a quantia insignificante e “simbólica” dizendo que quem comprar a companhia herdará dívidas de R$ 7 bilhões – das quais R$ 4,4 bilhões de ICMS para o próprio governo. Na audiência pública realizada no dia 16 de novembro sobre o processo de privatização, Lemos admitiu que dificilmente a venda será feita acima desse valor. “O comprador terá que assumir todo o passivo”, explicou no evento.
O secretário estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, que coordena o processo de venda das empresas gaúchas (que envolve também a Sulgás e a CRM), disse apenas uma meia verdade na audiência pública sobre a alienação da CEEE-D. Isso porque os acionistas da CEEE-Par, que controlam a estatal, autorizaram a transferência acionária mediante um aporte escritural de R$ 2,8 bilhões por parte do governo estadual na companhia – não se trata de dinheiro novo, mas de renúncia de créditos futuros. Também haverá um aporte superior a R$ 310 milhões para futuros passivos trabalhistas. Ou seja, cerca de 65% da dívida de ICMS que determinou o tal “preço simbólico” será perdoado pelo Estado a quem comprar a empresa.
“É um escândalo. O preço que será pago por quem comprar a estatal sequer cobrirá os custos dessa modelagem do BNDES e de suas sócias. Estamos diante de um processo de transferência de patrimônio público, que inclui frota de veículos e infraestrutura de distribuição de energia para quase 2 milhões de lares, para um ente privado a preço de banana. É um crime”, disse o deputado Jéferson Fernandes (PT), presidente da Comissão de Serviços Públicos da Assembleia Legislativa.
Juntamente com outros deputados de oposição, Fernandes protocolou denúncia no Ministério Público de Contas pedindo informações sobre os parâmetros da privatização. “Já encaminhamos muitos pedidos de informação para saber como ficarão os créditos que a companhia tem a receber, principalmente da União, mas não tivemos retorno do governo. A empresa deve R$ 7 bilhões, mais da metade dos quais em ICMS para o próprio governo e que é fruto de más administrações. Quem vai arcar com essa dívida é o povo gaúcho”, criticou o parlamentar.
Governo Britto
O modelo de vender os ativos e relativizar os passivos não é novo. O desequilíbrio econômico e financeiro da CEEE começou com o processo de privatização implantado pelo governo de Antônio Britto (PMDB) em 1997: a companhia, que então tinha o monopólio da energia em todo o Rio Grande do Sul, perdeu 54% da sua receita com a criação da RGE e da AES Sul (hoje RGE Sul), mas manteve mais de 80% dos passivos – que não foram transferidos às compradoras.
Em 1998, último ano do governo de Britto, novo baque: a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a redução de capital da CEEE no valor de R$ 415 milhões (em moeda de hoje, cerca de R$ 7 bilhões), com a restituição aos acionistas de parte proporcional do valor das suas ações.
O assessor técnico da Frente Parlamentar pela Preservação da Soberania Energética Nacional, Gerson Carrion, avaliou que os danos dessa privatização foram de tal ordem nocivos que ainda permanecem os seus efeitos no desempenho financeiro da estatal. “O esquartejamento a que foi submetida a CEEE, com a privatização de dois terços da sua área de distribuição, caracteriza um crime que deveria ser investigado pelos órgãos de controle”, disse Carrion, que foi diretor da CEEE nos anos 1990 e 2000.
A CEEE que sobrou desse vendaval do governo Britto foi dividida em duas partes para sua venda: a CEEE-D e os braços de geração e transmissão (CEEE-GT). O leilão da distribuição estava previsto para ocorrer ainda em 2020, mas foi postergado para fevereiro devido às dificuldades impostas pela pandemia. Já a geração e transmissão está prevista para ir à venda em maio de 2021.
Trabalhadores, movimentos sociais, sindicatos e partidos de oposição tentam reverter o processo de privatização. PDT, PT, PSOL e PCdoB ingressaram no STF com ações diretas de inconstitucionalidade (Adi) contra a derrubada do plebiscito. A ADI 6.325, ajuizada pelo PDT, também questiona a autorização dada pela Assembleia Legislativa, através da Emenda Constitucional nº 77/2019, para a formação de monopólios privados no setor de energia elétrica do estado.
Nas petições, apresentadas ao ministro do STF Luís Roberto Barroso, os partidos manifestam que, além de contribuir com as alegações apresentadas pelos autores da ADI, os partidos sustentam que “não houve alteração do contexto social para que o legislador atual retirasse o instrumento de participação democrática do texto constitucional”. Além disso, também questionam a representatividade dos votos válidos na eleição de 2018 em relação à Constituinte de 1988 que formulou a tese do plebiscito no estado.
A secretária estadual de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), Eleandra Raquel Koch, lembrou que o processo de “esquartejamento” da CEEE levou a uma desestruturação do trabalho formal, ao aumento da terceirização e ao consequente crescimento nas estatísticas de acidentes de trabalho. Para ela, defender a CEEE pública é estratégico para o desenvolvimento do estado.
“A gente não fala só de empregos diretos e indiretos. A CEEE abrange uma cadeia produtiva que estrutura a economia gaúcha. Não é à toa que o Brizola estatizou a CEEE [em 1961], que teve papel fundamental na industrialização. Quando a gente fala do ponto de vista de geração de renda, são efeitos indiretos e diretos e também uma enorme cadeia produtiva que é sustentada pelo papel estratégico da companhia”, destacou.
Monopólio chinês
O mais curioso é que a privatização pode transferir o monopólio da energia no Rio Grande do Sul de uma empresa estatal para outra – e da China. O presidente da CPFL Energia, Ronaldo Lague, já anunciou publicamente que a empresa tem interesse em adquirir a CEEE-D, ainda mais com a fixação de um preço mínimo simbólico. A CPFL, controlada pela estatal chinesa de energia State Grid, é dona da RGE e da RGE Sul.
A área de concessão da CEEE-D ocupa hoje 26% do território do estado, com abrangência em 72 municípios que, entretanto, englobam uma população de 4 milhões de pessoas. No total, a CEEE-D atende a 1,75 milhão de clientes. A companhia deverá ser a primeira estatal a ser privatizada pelo governo de Leite se as tentativas de barrar o processo não forem adiante... Leia mais em extraclasse 09/12/0220
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