Era o tal do Kit Brasil. Por duas décadas, investidores seguiram religiosamente uma regra simples: despejar recursos em títulos públicos, acrescentar alguns poucos ativos diferentes e embolsar um retorno fácil e generoso de 10%, 15% e, às vezes, mais de 20% ao ano.
Hoje, porém, após sucessivos cortes na taxa Selic nos últimos anos para pouco mais de um ponto percentual acima da inflação de 3,3%, o Kit está praticamente morto.
Em seu lugar, surgiu algo raramente visto por estas bandas: a disposição de correr risco para obter retorno. Os investidores de repente passaram a estudar relatórios de pesquisa, comprar ações badaladas e se interessar por títulos de alto rendimento. Isso não é novidade em grande parte do mundo, mas no Brasil é revolucionário.
Até agora, pelo menos, está tudo funcionando bem. Empresas estão vendendo quantidades sem precedentes de títulos de dívida para aproveitar essa nova demanda. A bolsa bate recorde quase diariamente. As corretoras estão reforçando as equipes de pesquisa de renda variável. E dezenas de executivos saíram de instituições financeiras de primeira linha nos últimos dois anos para abrir seus próprios fundos, acreditando que podem ganhar mais se guiarem clientes para investimentos mais complexos.
“É um mundo novo”, disse Daniel Motta, responsável pela área de negociação de renda fixa e variável do Goldman Sachs, em São Paulo.
Para a combalida economia brasileira, existem enormes benefícios potenciais nessa mudança. Ao obter acesso ao tipo de financiamento que nunca tiveram nos velhos dias do Kit Brasil, as empresas podem investir, expandir e contratar com mais facilidade. Existem perigos também. À medida que os brasileiros entram de cabeça em produtos financeiros mais arriscados que mal conhecem, alguns alertam para um movimento descontrolado que pode inflar os preços dos ativos, criando o risco de uma reversão nos mercados que poderia queimar os novatos.
“O número crescente de pessoas físicas ingressando no mercado de ações brasileiro é um risco, obviamente“, disse Fernando Siqueira, gestor da Infinity Asset Management. Esse risco, segundo ele, é mitigado em certa medida pelos novos produtos de pesquisa disponíveis aos investidores.
A taxa básica Selic caiu para 4,5% após o quarto corte deste ano, em 11 de dezembro. Embora os juros estejam baixíssimos ao redor do mundo — 0,25% em Israel, -0,5% na zona do euro e -0,1% no Japão —, o patamar da Selic é o mais chocante e o que melhor representa a nova normalidade do dinheiro fácil.
Há apenas três anos, a Selic passava de 14%. Em 1999, chegou a 45%, cerca de 40 pontos percentuais acima da inflação vigente.
Há tempos se desenrola um grande debate teórico sobre as razões para o juro brasileiro ser tão alto, mas um componente indiscutível é o passado de hiperinflação e o quanto aquilo assustou os investidores. À medida que essa memória se distanciou, as autoridades monetárias ganharam espaço para reduzir a Selic, no esforço de impulsionar uma economia com crescimento praticamente nulo por boa parte da última década.
O impacto da queda dos juros talvez tenha sido mais visível no mercado de títulos corporativos doméstico. As emissões aumentaram de cerca de R$ 67 bilhões em 2016 para R$ 165 bilhões no acumulado deste ano, segundo dados compilados pela Bloomberg.
Entre as companhias que estão captando pela primeira vez está a Usina Coruripe Açúcar e Álcool. Sua dívida recebeu classificação Caa1 pela Moody’s Investors Service, nota sete níveis abaixo do grau de investimento. Ainda assim, investidores adquiriram cerca de R$ 713 milhões em papéis com vencimento em seis anos na colocação feita em novembro. .. (Bloomberg) -- Leia mais em yahoo 16/12/2019
16 dezembro 2019
Retorno fácil e gigantesco no Brasil é coisa do passado
segunda-feira, dezembro 16, 2019
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Ruy Moura
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