30 maio 2019

O Brasil está (finalmente) abrindo os olhos para o investimento em venture capital

Para uma indústria de venture capital se estabelecer, o principal elemento – acima inclusive da situação macroeconômica – é um fluxo de oportunidades de investimento de alta qualidade

No final de 2009, pedi demissão da Apple, em Cupertino, nos Estados Unidos, para voltar ao Brasil e começar um fundo de venture capital. Dez anos depois, me dá frio na barriga quando penso nas condições que o nosso país apresentava para receber essa classe de ativos. Ao mesmo tempo, sinto uma felicidade imensa ao ver o patamar que a indústria já alcançou.

Para uma indústria de venture capital se estabelecer em qualquer país ou região, o principal elemento – acima inclusive da situação macroeconômica – é um fluxo de oportunidades de investimento (dealflow) de alta qualidade. Os projetos desse dealflow devem ser liderados por empreendedores com arrojo para pensar grande, coragem para se jogar, magnetismo para atrair pessoas espetaculares, alta capacidade para executar e resiliência para jamais desistir.

Quando voltei ao Brasil, fundei a Warehouse Investimentos com colegas da Kellogg School of Management, onde estudei. Tínhamos vontade de apostar no Brasil. E a nossa maneira de fazer isso foi investir em projetos que pudessem melhorar a vida das pessoas e que usassem tecnologia para gerar ganhos de eficiência em diferentes setores.

Nessa época, não era nada fácil encontrar profissionais que abrissem mão de uma carreira estável para se arriscar no empreendedorismo, por mais que o espírito empreendedor seja um atributo do povo brasileiro. Os maiores talentos do país ainda seguiam carreiras tradicionais, em bancos ou grandes companhias – e a maior parte deles não pensava em se tornar empreendedor.

Além disso, a indústria não era nada desenvolvida. Na Warehouse, precisamos analisar centenas de oportunidades até conseguir montar um portfólio. O nosso highlight foi o investimento no iFood, em 2011. Dá orgulho termos sido os primeiros investidores institucionais da plataforma, que hoje é a principal de delivery de comida na América Latina.

Em 2013, saí da Warehouse e iniciei, junto com os meus sócios, a e.bricks Ventures, também gestora de venture capital. Investimos em negócios como Contabilizei, Infracommerce, Guiabolso, Arquivei, Rock Content, Ingresse, Vérios, Liber Capital, AppProva, Editora Sanar e Finpass – só para citar algumas de um portfólio de quase 30, em dois fundos.

Hoje, a indústria é diferente, amadureceu. Um exemplo disso é a notícia recente da Associação de Venture Capital da América Latina (LAVCA) de que os investimentos de venture capital na América Latina quadruplicaram entre 2016 e 2018, chegando a quase US$ 2 bilhões – e a maior parte desses investimentos está no Brasil.

Outro é o anúncio também recente do megafundo de US$ 5 bilhões criado pelo grupo SoftBank para investir em startups na mesma região. Devemos olhar para movimentos como esse com muito entusiasmo, pois eles encorajam o empreendedorismo e dão o “combustível” necessário para as empresas chegarem aos próximos níveis.

Além disso, hoje, os nossos maiores talentos já têm como objetivo criar uma startup – ou assumir um cargo de liderança numa startup. Um exemplo disso é Maria Teresa Fornea, CEO e fundadora da Bcredi, fintech de crédito com garantia em imóvel que é a mais recente investida da e.bricks Ventures. Ela tem mais de dez anos de experiência no setor financeiro. Ou seja, é uma pessoa superqualificada à frente de uma startup – e isso faz toda a diferença.

Com líderes mais talentosos, os negócios tendem a ser mais inovadores e a ocupar espaços em que as grandes companhias não estão. Outra investida da e.bricks Ventures, a Ambar, principal construtech da América Latina, está inovando num dos setores que menos inovou nos últimos anos, o da construção civil. Bruno Balbinot, CEO e fundador da startup, trouxe essa mentalidade do setor automotivo, no qual trabalhou por anos.

Outros exemplos de empresas que são referências nas suas áreas e ajudam a reforçar a solidez da indústria são a 99, o QuintoAndar, a Wine e a MadeiraMadeira (essas não investidas pela e.bricks Ventures).

É claro que parte desse “momentum” está relacionado com a taxa básica de juros, a Selic, estar no menor patamar da história – o que faz com que as classes de ativos de maior risco se tornem mais atrativas para o investidor. Mas outra parte tem, sim, a ver com o Brasil estar finalmente abrindo os olhos para o investimento em venture capital.

Pude comprovar isso num evento do qual participei recentemente, o Brazil at Silicon Valley, organizado por alunos e ex-alunos brasileiros da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, para discutir como melhorar a competitividade por meio da tecnologia e da inovação. Éramos quase 800 pessoas. Entre nós, empreendedores brilhantes e investidores globais, além de alguns dos empresários brasileiros mais exitosos, como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Elie Horn – todos dispostos a debater e entender o que o venture capital está fazendo pelo nosso país.

A plateia ficou inquieta diante das novas formas de construir uma empresa, das mudanças nos modelos de negócio, da velocidade da transformação, do volume de capital investido, da lógica dos fundamentos econômicos... Em resumo, dessa nova economia, para a qual é preciso um novo olhar.

Já nós, como investidores de venture capital, precisamos ter uma visão de longo prazo – e garantir que os ciclos da classe de ativos sejam completados. A consolidação do venture capital na nossa região depende de bons resultados, além de retornos financeiros que compensem os riscos para os investidores.

Como uma das pioneiras em venture capital no Brasil, a e.bricks Ventures sente um grande orgulho do crescimento da indústria – e da relevância que ela tem ganhado. Estamos comprometidos em impulsionar o venture capital no país, contribuir para essa nova economia e apostar em talentos que sonham em transformar os seus mercados.

*Pedro Sirotsky Melzer é sócio-fundador e CEO da gestora de venture capital e.bricks Ventures e membro dos conselhos administrativos das empresas Ambar, S4 Agtech, Contabilizei, Rock Content, Ingresse e Infracommerce... Leia mais em epocanegocios 29/05/2019

30 maio 2019



0 comentários: