No atual cenário de incerteza causado pelo novo coronavírus, é possível observar os impactos sociais e econômicos que os cidadãos e as empresas, nacionais e ou estrangeiras, estão suportando sem que haja em nossa história recente qualquer precedente. Diante disso, a maioria dos estados brasileiros está adotando medidas restritivas visando a contenção dessa pandemia.
Todavia, essas medidas afetam acabam diretamente as relações de consumo e de produção de bens e serviços, fazendo com que a grande maioria das empresas tenha dificuldades, ou até mesmo se encontrem impossibilitadas, de cumprir com as suas obrigações contratuais, forçando-as, inclusive, a mudar o rumo de seus negócios e postergar eventuais investimentos.
Assim, as consequências da Covid-19 nas relações contratuais devem ser analisadas de forma casuística, tendo em vista as circunstâncias que envolvem o caso concreto. É possível traçar alguns pontos sensíveis aos contratos em geral, que são de extrema relevância.
Moldada por Nassim Nicholas, a Teoria do Cisne Negro determina que existem eventos que estão fora das expectativas comuns, causando impacto extremo e dotado de previsibilidade retrospectiva (mas não prospectiva).
Evidentemente, a Covid-19 pode ser considerado como um dos maiores Cisne Negros da história recente, uma vez que pode ser utilizado para caracterizar um evento de força maior, caso fortuito ou onerosidade excessiva. Dessa forma, podem as empresas arguirem a exclusão de responsabilidade contratual pela mora no cumprimento da obrigação contratual (artigo 399, do Código Civil Brasileiro ) e/ou pelo descumprimento contratual (art. 393 do Código Civil Brasileiro )?
A resposta a esse questionamento depende da análise individual de cada contrato, a natureza da obrigação inadimplida, a conduta das partes, os impactos econômico-financeiros do inadimplemento das obrigações, eventual cláusula de excludente de responsabilidade, dentre outros aspectos, porém, em uma análise superficial da lei, sim.
É importante mencionar que, em tese, o caso fortuito ou força maior pode ser alegada por qualquer uma das partes contratantes que se sinta lesionada, principalmente porque a pandemia da Covid-19 tem alcance sistêmico, de forma geral e globalizada para toda a economia.
Adicionalmente, a sua eventual alegação deve ser considerada até o ponto no qual a equidade contratual inicialmente ajustada seja retomada pelas partes contratantes, para que se evite a obtenção de vantagens indevidas.
Como exposto, a conduta das partes diante de um inadimplemento de uma obrigação contratual cumpre papel relevante na análise da responsabilização das partes. É diante desse contexto que surge o "Duty to Mitigate Loss" ou Dever de Mitigar os Próprios Danos, amplamente difundido nos países de "Common Law" e em normas de uniformização internacionais como a Convenção da Nações Unidas Sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias ("CISG"), promulgada pelo Decreto Presidencial nº 8.327/14.
No Brasil, esse dever foi amplamente prestigiado pela doutrina e jurisprudência, consagrado nos enunciados nº 169 da II Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e nº 629 da VIII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, considerado um desdobramento do princípio da boa-fé objetiva.
Assim, surge o questionamento: diante do reconhecimento de um evento de força maior ou caso fortuito, fundado na pandemia da Covid-19, é razoável exigir o dever de mitigar os próprios danos? Reiteramos que essa análise deve ser feita individualmente, de acordo com cada contrato, entretanto, a razoabilidade não deve ser aferida com o resultado as ações colaborativas tomadas pelo credor isoladamente, é a própria execução das medidas mitigatórias que deve ser levada em consideração, juntamente com as circunstâncias do caso concreto.
Outro tema sensível para os contratos empresariais é a possibilidade da parte prejudicada exigir o reequilíbrio econômico-financeiro pela onerosidade excessiva decorrentes da pandemia da Covid-19.
O Código Civil Brasileiro regulamenta as hipóteses de resolução por onerosidade excessiva nos artigos 478 ao 480, estabelecendo quatro requisitos para sua aplicação: (a) o contrato deve ser de prestação continuada ou diferida; (b) deve ocorrer um fato superveniente extraordinário ou imprevisível; (c) a prestação deve se tornar onerosamente excessiva para uma das partes; e (d) a contraparte deve ter uma vantagem extrema.
É importante salientar que a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/19) incluiu no Código Civil Brasileiro o artigo 421-A , que no seu inciso terceiro, determina que a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada, privilegiando o principio da autonomia dos contratantes.
Além disso, a doutrina e a jurisprudência tem recomendado que se admita como imprevisível uma causa que seja previsível, somente aqueles que não estão objetivamente cobertos pelos riscos próprios da contratação.
Ou seja, são aqueles eventos previsíveis, mas que produzem efeitos extraordinários e imprevisíveis segundo o risco que os contratantes razoavelmente poderiam esperar.
Todavia, há uma tendência do não reconhecimento como fato imprevisível, para fins exclusivos dos artigos 478 a 480 do Código Civil Brasileiro, o aumento da inflação, a variação cambial e a desvalorização ou substituição do padrão monetário, pois tratam-se de mecanismos econômicos adotados pelo governo brasileiro com o intuito de minimizar os impactos econômicos causados pela Covid-19.
Assim, ao analisar a hipótese de reequilíbrio econômico financeiro por onerosidade excessiva de um contrato afetado pela Covid-19, deve-se atentar para os requisitos estabelecidos pela legislação vigente e pelas orientações da doutrina e dos tribunais.
Adicionalmente, não é incomum identificarmos nos contratos de execução continuada ou diferida determinados mecanismos que possibilitem as partes buscarem um equilíbrio econômico financeiro de forma mais eficiente, como por exemplo, a utilização da Hardship Clause.
Seu intuito é permitir com que as partes do contrato estabeleçam os limites da revisão contratual em razão de circunstâncias adversas que alteram substancialmente o equilíbrio primitivo das obrigações contratadas. Assim, em razão de sua dupla finalidade, a negativa, para evitar a dissolução do contrato, e a positiva, para possibilitar a revisão de suas clausulas, essa clausula tem como objetivo final tornar os contratos menos rígidos e transformar as relações de Direito Privado mais eficientes e dinâmicas.
De qualquer forma, mesmo nas hipóteses em que não há previsão de uma Hardship Clause, a recomendação para cada caso sempre tem como base uma etapa inicial de negociação entre as partes contratantes para que se chegue a um consenso e, caso não seja possível, que se acione a cláusula contratual de resolução de conflitos para que o judiciário, ou tribunal arbitram, resolvam de forma definitiva.
Os contratos de M&A também poderão sentir os impactos da pandemia da Covid-19, já que, além de estarem submetidos ao mesmo regime jurídico dos contratos em geral, possuem temáticas específicas que merecem atenção redobrada, tanto nos contratos já celebrados, como nos contratos em negociação.
As empresas que estejam em fase de negociação de contratos de M&A, principalmente aqueles que já assinaram ou estão na fase de elaboração de contratos preliminares como o Memorando de Entendimentos ("MOU"), Term Sheet e os Acordos de Base, podem se deparar com dilemas decorrentes da pandemia da Covid-19, como alterações substanciais nos negócios das sociedades-alvo, alterações de preço devido as variações cambiais e exigências regulatórias que não poderão ser cumpridas devido à suspensão das atividades.
É essencial a realização de um auditoria ou Due Dilligence para mapear os riscos envolvidos e as mudanças de obrigações e direitos das sociedades-alvo. Também é de extrema relevância a definição de parâmetros objetivos para a precificação ou Valuation da operação tendo em vista os impactos econômicos da pandemia, para evitar a existência de alterações substanciais na situação econômico-financeira da sociedade-alvo.
Não menos importante, é a análise sobre a inclusão de cláusulas de declarações e garantias e cláusulas de Material Adverse Change ("MAC") ou Material Adverse Effect ("MAE") que protegem o Comprador durante o período entre a assinatura do contrato e o fechamento da operação, alocando os riscos por mudanças adversas nas sociedades-alvo com o Vendedor.
Importante salientar que as partes contratantes devem guardar a boa-fé, não somente na conclusão e vigência do contrato conforme preconiza o artigo 422 do Código Civil Brasileiro , mas também na sua fase negocial. Assim, a doutrina e jurisprudência majoritárias interpretam extensivamente o artigo 422 do Código Civil Brasileiro incluindo a fase pré-contratual, ou seja, as partes na negociação do contrato devem guardar os deveres de lealdade e confiança, respeitando as legítimas expectativas da outra parte. E qual é a consequência da quebra injustificada desse dever?
A consequência da sua quebra injustificada é o surgimento do dever de reparar os eventuais prejuízos sofridos pela parte lesada.
Nos casos em que os contratos de M&A já tenham sido assinados, mas estejam pendentes de fechamento, deve-se verificar, inicialmente, a existência de obrigação de comunicação de eventos extraordinários sobre as sociedades-alvo.
Caso esteja presente no contrato, sua quebra poderá gerar para a parte infratora o dever de indenizar os prejuízos sofridos pela outra parte. Além disso, deve-se verificar os impactos da pandemia nas declarações e garantias prestadas, analisando se permanecem verdadeiras, podendo ser condição para o fechamento da operação.
Não menos importante é a verificação da presença das Cláusulas de MAC ou MAE acima mencionadas, visto que, caso as operações da sociedade-alvo tenham sofrido impactos extraordinários em razão da pandemia do Covid-19, é possível a caracterização de situação adversa, abrindo espaço para a resolução do contrato pelo comprador.
Todavia, essa análise deve ser feita de forma individualizada, tendo em vista a natureza jurídica da operação e as circunstâncias envolvidas no caso concreto. Caso não possua as referidas cláusulas, é possível a aplicação das disposições do Código Civil sobre onerosidade excessiva e reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, conforme exposto anteriormente .
Por fim, deve-se verificar a presença da cláusula de Drop Dead Rate, que estabelece um prazo fatal para o fechamento da operação de M&A.
Isso porque os Órgãos Reguladores como a Comissão de Valores Mobiliários, Banco Central, Receita Federal, Juntas Comerciais e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica estão com as atividades e prazos suspensos em decorrência da Covid-19. Assim, as operações em andamento estão prejudicadas, devendo as partes analisarem em conjunto a eventual prorrogação dos prazos. ... Por Gabriel Corbage, Renata Borges e Matheus Lamarca Leia mais em conjur 01/04/2020
04 abril 2020
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Ruy Moura
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