06 janeiro 2020

Antes de privatização, Casa da Moeda prevê cortes

Para reequilibrar as contas e abrir caminho para a privatização, a Casa da Moeda do Brasil (CMB) passa por um processo de reestruturação que inclui a redução da folha de pessoal, com corte de benefícios e do total de funcionários, além da implantação de sistemas de gerenciamento e busca por novas tecnologias.

O plano é necessário para estancar as perdas da centenária fabricante instalada em Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro. Em 2019, pelo terceiro ano consecutivo, a Casa da Moeda fechou suas contas no vermelho. O déficit deve ter girado em torno de R$ 200 milhões, mais que o dobro do registrado no ano anterior (R$ 93,3 milhões).

Presidente da Casa da Moeda há seis meses, o administrador Eduardo Sampaio, 39 anos, diz que, nesse ritmo de queima de caixa, a companhia estará em estado pré-falimentar em outubro ou novembro deste ano. Isso significa que a estatal poderá ter que recorrer ao Tesouro Nacional para pagamento de salários.

“Se a Casa da Moeda continuar deficitária, ela será liquidada, e não privatizada. É o pior cenário para uma empresa centenária. Desde o meu primeiro dia disse aos servidores que o medo não pode ser do dono privado, mas que a fábrica não seja competitiva e caminhe para o processo de liquidação”, diz Sampaio.

Atualmente, as principais linhas de negócio da Casa da Moeda são a impressão de cédulas para o Banco Central, moedas e medalhas, passaportes, selos postais e selos fiscais usados pela indústria tabagista. O presidente da fabricante afirma que os passaportes e os selos fiscais são os produtos mais rentáveis no atual momento.

Os desequilíbrios financeiros da estatal vieram à tona após a Operação Vícios, da Polícia Federal, iniciada em 2015 e que investigou um esquema envolvendo o selo fiscal de bebidas produzido na Casa da Moeda. Uma das consequências da operação foi o fim da produção desse selo, que era responsável por uma receita de R$ 1,5 bilhão por ano.

De acordo com Sampaio, a perda dessa receita descortinou a falta de rentabilidade de outras linhas de negócio. Em 2017, a estatal registrou prejuízo de R$ 117,6 milhões. No ano seguinte, foram mais R$ 93,3 milhões. Em 2019, as perdas superam os R$ 200 milhões - neste caso, além da operacional, serão lançadas perdas contábeis de anos anteriores.

Um dos grandes desafios para reverter o déficit será reduzir o custo da folha de pessoal da Casa da Moeda, que soma cerca de R$ 500 milhões por ano, o correspondente a 46% do faturamento anual da estatal (R$ 1,07 bilhão em 2018). Na média da indústria geral brasileira, a folha de pagamentos equivale a 14% da receita, segundo dados do IBGE.

A estatal tem hoje cerca de 2 mil funcionários, após 137 pessoas terem aderido aos dois planos de demissão voluntária lançados em 2019 e a cessão de pessoal a outras áreas federais. Segundo um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), encomendado pela gestão anterior e recebido em outubro, esse total pode ser reduzido para 1.500.

Sampaio diz que o corte de pessoal pode ser menor que o sugerido com a redução da jornada de trabalho. O salário por hora dos servidores seria mantido, mas eles trabalhariam menos horas semanais. Isso reduziria em 25% a folha. A questão está sendo negociada com o sindicato, mas há resistências.

Ele explica que outros benefícios podem ser cortados. Somente para transportar os funcionários à fábrica de Santa Cruz são gastos R$ 26 milhões por ano com empresas terceirizadas. São 60 ônibus que percorrem os quatro extremos do Rio e municípios vizinhos em rotas que passam por locais próximos às residências dos funcionários.

O administrador renegocia atualmente os contratos com a empresa de transportes e quer reduzir a abrangência da circulação dos ônibus para principais rodovias. Os funcionários deverão se deslocar até essas vias principais. A expectativa é economizar R$ 13 milhões por ano, metade do custo atual.

“Retirar benefícios gera resistência internas”, diz Sampaio, em entrevista concedida no escritório dentro da fábrica da Casa de Moeda. “Mas ter mais funcionários e com um custo acima do mercado torna difícil ter competitividade. Temos uma estratégia para tornar a Casa da Moeda competitiva, não importa quem seja o dono no futuro.”

Essa gama de medidas visa tornar a empresa mais atraente para a privatização. Em outubro do ano passado, a Casa da Moeda foi inserida no Plano Nacional de Desestatização (PND). O ato não é meramente burocrático. Ele obriga gestores das estatais a incluírem no plano estratégico da companhia e adotarem medidas que valorizem a empresa.

Independentemente do resultado do processo de privatização, a melhoria na gestão da Casa da Moeda é necessária, diz Sampaio, que trabalhou durante 16 anos na empresa de aços planos da família em Porto Alegre, na área de operações e finanças. O executivo é formado em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Para chegar ao cargo, ele foi entrevistado em janeiro do ano passado pelo secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar. Em março, foi entrevistado pelo então secretário especial adjunto de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia, Gustavo Montezano, posteriormente indicado para a presidência do BNDES.

Desde que assumiu o cargo, Sampaio tem integrado os sistemas de gerenciamento da Casa da Moeda, de forma a aumentar o controle de custos e criar estratégias para as diversas linhas de negócio. Além disso, busca otimizar os ativos. O escritório em Brasília foi fechado e uma laje de escritório mantido na zona sul do Rio vai ser vendida.

Das linhas de produção atuais, o negócio de selo postais eventualmente pode não ser mantido. Além de deficitário, a demanda pelos selos postais é cadente, devido às mudanças tecnológicas. Nesse aspecto está outro desafio da Casa da Moeda: investir mais em novas tecnologias, como as de meios de pagamento.

“Estamos atualizados em termos de equipamentos de impressão em relação a outros países. Mas os concorrentes têm geralmente um braço digital maior”, disse Sampaio. “Um dos líderes desse mercado tem 20 profissionais PhD, que fazem dez patentes por mês. Nós temos duas patentes na história.”

Em novembro, o presidente Jair Bolsonaro assinou uma medida provisória que quebrou o monopólio da Casa da Moeda na fabricação de cédulas, moedas, passaporte e selos postais e fiscais. A medida abre caminho para a privatização, porque evita a criação de um monopólio privado com a venda da estatal.

A previsão atual é que o leilão de privatização ocorra no fim deste ano. A modelagem está a cargo do BNDES, que, entre outras possibilidades, vai avaliar o fatiamento da estatal para a venda ao setor privado. “Em outros países as fabricantes são mais segmentadas. Uma fabrica moeda e medalha, que é metalurgia, outra, cédulas de dinheiro para países”, diz Sampaio. Valor Econômico - Leia mais em abinee.06/01/2020



06 janeiro 2020



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