05 janeiro 2017

Caso Aceco opõe KKR e Bradesco

Em 8 de setembro, um dia depois do feriado da Independência, Jorge Fergie, responsável pelo escritório brasileiro da KKR, recebeu uma notícia que pegou de surpresa a gestora americana de private equity. O Bradesco informava que tinha vendido a dívida vencida de uma empresa de construção e manutenção de data centers controlada por um fundo da KKR. Na prática, isso significava para a KKR a perda da Aceco, seu único e bilionário investimento feito no país.

Uma operação financeira fechada pelo Bradesco em 5 de setembro deu o controle da Aceco a Jorge Justus Nitzan, fundador e sócio minoritário da empresa de data center, com quem a KKR vinha tendo ferrenha desavença há um ano e quatro meses. O lance inaugurou mais um capítulo da já conhecida disputa que a KKR trava no Brasil em torno da Aceco, colocando em lados opostos dois gigantes: o segundo maior banco privado do país e uma das maiores firmas de private equity do mundo.

Em 2014, a KKR fechou sua primeira - e única, até agora - aquisição no Brasil ao comprar a Aceco por R$ 1,2 bilhão. Para tanto, contou com um financiamento de aproximadamente um terço disso com o Bradesco. Cerca de R$ 200 milhões do empréstimo bancário foram para a holding Auckland, veículo que controla a Aceco. Outros R$ 220 milhões foram dados diretamente à Aceco. Os financiamentos tinham como garantia as ações da própria Auckland e da Aceco. O restante do dinheiro veio dos cotistas dos fundos de private equity geridos pela KKR.

Bastante comum na indústria de private equity, esse modelo de financiamento de aquisição de empresas tem como um de seus pioneiros no mundo a KKR, que o usou em 1988 na polêmica compra da RJR Nabisco. Ao misturar capital e dívida para fazer as aquisições, os fundos de private equity conseguem elevar o retorno do investimento. A contrapartida é que o risco também sobe.

No caso da Aceco, a fórmula deu errado. Menos de um ano depois de comprada pela KKR, a Aceco ia muito mal. Em meio à crise econômica, as vendas caíram, e a companhia se tornou incapaz de pagar a dívida com o banco. Já em junho de 2015, começaram as renegociações do empréstimo com o Bradesco.

Para complicar, depois de uma denúncia anônima em maio de 2015, a KKR contratou a KPMG para fazer uma investigação interna que apurou indícios de fatos até então desconhecidos da gestora. A conclusão do relatório foi que a companhia pode ter pago R$ 57 milhões em contratos suspeitos de corrupção entre 2012 e 2014. Em termos de comparação, isso equivaleria a 7% do faturamento bruto da companhia em 2014, quando o último balanço foi divulgado. Em 2013 e 2014, a companhia teria acelerado a contabilização de receitas, inflando números que serviram de base para o preço pago pela KKR na compra da Aceco.

Com base nisso, a KKR tenta agora desfazer a aquisição em uma arbitragem com os sócios de quem comprou 87% da Aceco. Jorge Justus Nitzan, sua irmã e o fundo de private equity General Atlantic teriam de indenizar a KKR, o que faria a gestora recuperar o dinheiro do mau negócio que fez. "Acreditamos que fomos fraudados pelos vendedores da Aceco e estamos buscando recuperar as perdas relacionadas à fraude e corrupção, feitas pela antiga direção da companhia. Tudo a respeito desse caso foi levado às autoridades brasileiras apropriadas, e nós respeitamos o processo delas", afirmou a KKR por meio de uma nota, sem fazer mais comentários sobre a disputa.

Nitzan nega as potenciais irregularidades. "O trabalho que serve de base para as acusações da KKR foi conduzido por advogados ligados à própria KKR, com o objetivo de fortalecer a posição do fundo nas disputas arbitrais. As acusações não são verdadeiras e serão esclarecidas nos fóruns adequados", disse em um comunicado enviado ao Valor. A General Atlantic não comentou o assunto.

O que parecia não estar no radar da KKR era que o Bradesco colocaria o empréstimo - junto com as ações dadas em garantia - à venda, menos ainda que o comprador seria Nitzan. Questionada pela reportagem se havia sido informado que os papéis estavam à venda, a KKR disse que não. O Bradesco não comentou o assunto. Com os títulos do empréstimo em mãos, foi um passo para Nitzan executar a garantia do financiamento: ações que representam 87% da Aceco.

O empréstimo com o Bradesco foi feito por meio de uma debênture, um título negociável. Muitas operações de crédito bancário no Brasil são feitas via debênture porque o instrumento é isento do Imposto sobre Operações Financeiras, o que torna o empréstimo mais barato. Via de regra, os bancos mantêm as debêntures em seus balanços, por isso é difícil as empresas trabalharem com a hipótese de que garantias dadas acabem nas mãos de terceiros, caso que se concretizou na Aceco.

Repetindo uma fórmula parecida com a já usada pela KKR, Nitzan pegou um empréstimo de R$ 125 milhões no BTG Pactual para comprar as debêntures da Auckland, que já valiam R$ 270 milhões.

A aquisição foi feita pela empresa NTN (consoantes de Nitzan) Participações, empresa que tinha como diretor Dércio Salvador Bonagura e endereço em um apartamento no Tatuapé, conforme informações da Junta Comercial. Bonagura não foi localizado pela reportagem. Fechada a compra, Nitzan passou a ser diretor da NTN, juntamente com Eduardo Marini, ex-diretor financeiro da Aceco e ex-vice-presidente da General Atlantic. A sede passou para a avenida Brigadeiro Faria Lima, principal corredor financeiro de São Paulo, no escritório da Omachen, o "family office" dos Nitzan.

Além de comprar as debêntures com desconto, Nitzan já deixou engatilhada uma renegociação dos R$ 330 milhões de dívida que a Aceco tem com o Bradesco. Quando forem pagos R$ 40 milhões, esse valor cairá para R$ 220 milhões, a serem quitados em 12 anos, com quatro de carência.

Como Nitzan é obrigado por contrato a vender os 87% da Aceco, tomados com a aquisição das debêntures, caberá a um futuro comprador aceitar ou não os termos negociados. Essa é a forma que o fundador da Aceco enxergou para tentar salvar o negócio criado por seu pai. Nitzan, que ainda possui 13% da Aceco, tem juntamente com Marini, oferecido a companhia a potenciais interessados: fundos de private equity, compradores de ativos problemáticos e empresas. Em uma nota enviada à reportagem, Nitzan disse acreditar que depois desse processo "a Aceco estará pronta para retomar sua trajetória de sucesso e crescimento já nos próximos meses".

A debênture é um papel negociável, por isso pode ser vendido. O que incomoda a KKR, porém, é o fato de ter sido para Nitzan, presidente e fundador de uma empresa que poderia estar envolvida em fraude e corrução. Segundo pessoas próximas à KKR, a gestora vinha discutindo um acordo de renegociação com o Bradesco quando teria sido surpreendida pela venda das debêntures.

A interlocutores, a KKR tem dito que vinha mantendo o Bradesco avisado de potenciais problemas envolvendo a Aceco e da proposta de acordo de leniência da empresa protocolada no Ministério da Transparência.

Segundo uma pessoa que participou das discussões sobre as debêntures, a venda delas foi uma tentativa do Bradesco de recuperar o dinheiro emprestado. Como o pagamento da Auckland já tinha sido adiado oito vezes, sem nenhuma amortização, o crédito foi transferido para a área de renegociação. Lá, os executivos teriam buscado meios de reduzir perdas e encontraram em Nitzan alguém disposto a quitar parte da dívida e amarrar um plano de reestruturação para a Aceco, que ainda tem mais dívidas com o Bradesco, além de Itaú Unibanco e Santander.

O eventual envolvimento da Aceco em casos de corrupção também teria sido avaliado pelo Bradesco. Como, por enquanto, não existe condenação da empresa, de seus executivos ou de Nitzan, o banco teria optado pela venda. O banco não comentou o caso.

A questão que se abre agora é quem será o comprador da Aceco - e até se haverá alguém disposto a se envolver em tamanha confusão. Para pessoas próximas a Nitzan, a companhia deve acabar nas mãos de empresas especializadas em ativos estressados.  - Valor Econômico Leia mais em portal .newsnet 05/01/2017

05 janeiro 2017



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