27 agosto 2012

Múltis brasileiras mais GLOBAIS

Desde o início da crise, em agosto de 2007, companhias nacionais investiram US$ 99 bilhões na compra de empresas no exterior

Gurus da autoajuda empresarial gostam de citar o ex-presidente americano John Kennedy em momentos difíceis. Em 1959, ele fez uma declaração que, apesar de equivocada, popularizou uma máxima sobre "crises". Em chinês, disse o presidente, essa palavra é formada por dois caracteres - um representa "perigo" e o outro "oportunidade".

 Na prática, essa não é uma afirmação que vale para todos os casos em tempos de recessão. Mas, para as multinacionais brasileiras, até que é bem apropriada. Apesar das dificuldades, elas conseguiram se tornar mais globais, aproveitando o momento em que os empresários estrangeiros estavam com a corda no pescoço por causa da crise para acelerar as aquisições.

 De 2007 até junho deste ano, as multinacionais verde-amarelas investiram US$ 99 bilhões na compra (total ou parcial) de empresas no exterior. Esse valor é quase o dobro do que foi investido nas duas décadas que antecederam a crise. "Não podemos dizer que foi um período fácil para as empresas brasileiras. Não foi", diz Sherban Leonardo Cretoiu, coordenador do Núcleo de Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral. "Mas, apesar das incertezas do mercado externo, as companhias conseguiram manter a expansão iniciada em 2005 e se tornaram mais internacionalizadas."

Um exemplo emblemático do que foram esses cinco anos para as múltis brasileiras é o da fabricante de equipamentos Romi, sediada em Santa Bárbara D'Oeste, a 140 km de São Paulo. Em agosto de 2007, ela já se preparava para fazer sua primeira aquisição no exterior quando veio o primeiro soluço da crise: o banco francês BNP Paribas congelou os resgates em três fundos de investimento baseados em títulos hipotecários - era o "subprime". "Nossa bola de cristal da época não mostrava que o mundo ia afundar", diz o presidente da Romi, Livaldo Aguiar.

 Mesmo assim, em maio de 2008, a companhia comprou a fabricante italiana de equipamentos Sandretto, por 5,5 milhões. "A Romi estava com ótimos resultados e a aquisição seria a porta de entrada para a Europa a um preço atraente", conta Aguiar. Mas a crise derrubou o volume de pedidos e o alto custo trabalhista fez com que a primeira fábrica da Romi no exterior desse prejuízo (as perdas ainda não foram calculadas). Apesar do revés, Aguiar não desistiu do plano de expansão internacional, que visava reduzir a dependência da empresa do mercado brasileiro, onde está 75% da receita atual.

 No fim de 2011, a Romi comprou também a alemã Burkhardt + Weber e já tem pedidos firmes para usar toda a capacidade da fábrica por um ano e meio. "Queríamos ter acesso a uma tecnologia mais avançada, e não apenas a um mercado", afirma Aguiar. Hoje, a Romi já faz planos de equipar a fábrica do Brasil com as máquinas feitas pela subsidiária da Alemanha.

 Desempenho.
A Romi não foi a única a ter perdas no exterior. Levantamento recente da USP e da FGV com 95 multinacionais mostra que 80% delas não atingiram suas metas de faturamento e margem de lucro nos últimos anos. "É natural que empresas que estão no início do processo de internacionalização tenham um desempenho baixo", diz Maria Tereza Leme Fleury, uma das autoras da pesquisa. "Mas a crise também influenciou."

 O momento de maior retração da expansão internacional foi 2009, quando mercados de todo o mundo entraram em compasso de espera até saber quanto faltava para chegar ao fundo do poço. No ano seguinte, os investimentos foram retomados. Agora, com mais turbulências na Europa, as multinacionais brasileiras fizeram nova parada técnica.

 A compra de participações de empresas no exterior, que no primeiro semestre de 2010 movimentou US$ 14 bilhões, caiu para US$ 8,3 bilhões em 2012. "O medo do desconhecido fez com que elas colocassem novamente o pé no freio", diz Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet). 

Além disso, com o mercado ruim lá fora, as múltis estrangeiras têm apostado ainda mais fichas no Brasil. "É hora, portanto, de as brasileiras reservarem uma atenção maior para o mercado nacional", afirma Luis Motta, sócio-líder de fusões e aquisições da KPMG.

 A Petrobrás, que iniciou sua expansão fora do País nos anos 70 junto com gigantes como Odebrecht e Embraer, anunciou no ano passado que venderá ativos no exterior, como blocos de exploração e refinarias, para priorizar o pré-sal. "Essa, no entanto, é uma situação momentânea para boa parte das empresas brasileiras, porque a internacionalização é um caminho inevitável", diz Lima, da Sobeet.

 A última pesquisa da Fundação Dom Cabral sobre multinacionais brasileiras mostra que, embora 28% delas não queiram iniciar uma nova operação internacional no curto prazo, 60% planejam expandir atividades nos mercados em que já atuam.

 Alguns fatores explicam por que é tão importante para as grandes companhias nacionais explorar o mercado externo. Primeiro: as empresas que querem crescer em seus segmentos precisam buscar novos mercados. "O Brasil é grande, mas o mundo é maior", diz Alberto Mondelli, presidente da consultoria Mercer.

 Para quem já é líder no mercado nacional, aumentar 1% ou 2% de participação custa mais do que começar do zero em outro país. Foi o que a fabricante de tubos e conexões Tigre, detentora de 50% do mercado no Brasil, pensou ao ir para os EUA em 2007. "Só agora tivemos um pequeno lucro, mas não vamos arredar o pé de lá, porque é o mercado onde podemos crescer", diz Evaldo Dreher, presidente da companhia catarinense.

 Para sobreviver à competição global, as multinacionais brasileiras não podem ignorar que suas principais concorrentes também são internacionais. É preciso olhar o mundo inteiro, para saber explorar as vantagens de cada país - como está fazendo a fabricante de motores elétricos WEG. Neste ano, a companhia passou a comprar componentes de fornecedores indianos para abastecer suas outras fábricas, incluindo a brasileira. Em 2011, também fez uma aquisição nos Estados Unidos para ter acesso a tecnologias para o setor de óleo e gás, com o objetivo de atender clientes como a Petrobrás e empresas do Oriente Médio.

 Motivações.
Ao mesmo tempo em que se tornam mais competitivas, as múltis conseguem reduzir os danos de uma possível recessão interna diversificando suas operações mundo a fora. Num período de crise como o dos últimos cinco anos, fica mais fácil fazer aquisições, já que o preço dos ativos no exterior despenca. Para quem precisa de escala para sobreviver é um bom impulso ao crescimento.

 O caso do JBS, maior produtor de carne do mundo, é o que mais se destaca. Com nove aquisições em sequência a partir de 2007, a empresa viu o peso do mercado externo em seu faturamento saltar de 10% para 75% hoje.

 Na mesma linha do JBS e com a mesma motivação de ganhar escala, a Stefanini, que atua na área de tecnologia de informação, chegou ao fim desses cinco anos com 71 escritórios em 29 países, responsáveis atualmente por 40% da receita do grupo. "Aproveitamos para assumir contratos de concorrentes com problemas financeiros", conta o presidente da empresa, Marco Stefanini.

 A estimativa da Sobeet é de que 900 empresas brasileiras estejam atuando no exterior - três vezes mais que há dez anos. A crise nos países desenvolvidos não é lá uma novidade para elas, já que por anos viveram num Brasil desfavorável aos negócios. A experiência aqui dentro ensinou que estar em vários mercados é uma proteção natural. "A capacidade de resistência é um ativo que a crise nos dá", diz Stefanini. "O empresário sangra, mas vira o jogo."

 A fabricante de motores elétricos WEG vendeu mais no exterior do que no Brasil pela primeira vez no segundo trimestre deste ano. O real valorizado ajudou, mas a receita em dólar cresceu 17% ante o mesmo período de 2011. No mercado interno, a alta foi de 0,8%. A WEG está colhendo os frutos de uma estratégia de internacionalização que a tornou menos vulnerável à retração da indústria brasileira. 

A empresa atende a maior parte do mercado externo via exportações - só 12% da produção está nas suas nove fábricas no exterior. Mas, aos poucos, o cenário deve mudar: a WEG quer produzir 25% no exterior até 2020.

 A empresa é líder no mercado brasileiro de motores, mas estima ter cerca de 7% de participação na Europa e EUA. "Mesmo na crise, dá para crescer nessas regiões", diz o presidente da WEG, Harry Schmelzer Junior. No Brasil, a empresa aposta na ampliação do portfólio. Em junho, comprou a paulista Stardur para reforçar a atuação de sua divisão de tintas industriais. Por  NAIANA OSCAR, MARINA GAZZONI
Fonte: O Estado de São Paulo27/08/2012

27 agosto 2012



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