Com o preço cada vez mais baixo, o real começa a chamar a atenção dos investidores. Alguns analistas até avaliam que a moeda está "barata" e gestoras já se antecipam a uma recuperação do câmbio. A aposta, no entanto, pode demorar a render frutos diante de uma série de obstáculos que pesam sobre a atratividade do real no curto prazo e tendem a manter a cotação pressionada num momento de grandes incertezas.
Na semana passada, o dólar comercial voltou a alcançar a marca de R$ 4,10 e bateu os maiores níveis desde setembro, num movimento que foi sustentado pela busca global por proteção diante dos novos desdobramentos da disputa comercial e preocupações com a articulação política do governo de Jair Bolsonaro. Se, por um lado, esse contexto coloca o preço do real no mais baixo nível desde as vésperas das eleições gerais no Brasil, por outro, evidencia o momento de apreensão do mercado.
Diante deste cenário, a Trafalgar Investimentos viu espaço para aumentar a posição em real contra outras moedas da América Latina, como o peso mexicano e o colombiano. "Como a nossa modelagem vê o dólar voltando ao nível de R$ 3,50 ou R$ 3,60 depois da aprovação da reforma, essa alta do dólar só deixou o real com mais assimetria a ser explorada em relação a outros ativos brasileiros", diz Paulo Corchaki, gestor da casa.
O ajuste de carteira, entretanto, vem com alguma cautela. A Trafalgar prefere não apostar contra a moeda americana, porque o ativo já está bem valorizado e a possibilidade de uma desaceleração da economia global - intensificada pela tensão comercial entre Estados Unidos e China - só o fortaleceria ainda mais.
Analistas alertam que, apesar do preço baixo, incertezas ainda afetam a atratividade da moeda local e a aposta pode demorar algum tempo para ser recompensada. "Sem pensar em questões políticas, que todos emergentes têm, talvez valha mais a pena fazer a alocação no México e na Rússia que pagam mais juros e trazem menos volatilidade", diz Ricardo Kazan, sócio e gestor da Novus Capital.
O mercado de câmbio brasileiro enfrenta os efeitos colaterais de um ambiente relativamente novo, em que os juros baixos reduzem a atratividade do real para operações de "carry trade", nas quais o investidor se financia a juros baixos e aplica os recursos em mercados com taxas elevadas. Além dessa atratividade menor, a divisa brasileira segue volátil, uma característica que tende a afugentar o investidor.
Para efeito de comparação, enquanto o Brasil tem uma taxa básica (Selic) de 6,5%, com possibilidade de cortes adicionais, e uma volatilidade em torno de 14%, o México tem juros de 8,25% e a Rússia, de 7,75% - ambos com volatilidade menor que a brasileira, em torno de 10%, de acordo com cálculos da Novus.
Ao mesmo tempo, o juro baixo derrubou para as mínimas históricas o custo de montar um "hedge", o que eleva a pressão do dólar sobre o real. "O impacto no câmbio se dá mais porque o hedge ficou barato", diz Sergio Goldenstein, sócio e gestor sênior da Mauá Capital. Além disso, as empresas estão optando por captar recursos localmente em vez do exterior, algo que também pesa no fluxo.
Os fatores técnicos dão uma dinâmica própria ao real e a moeda deixa de refletir, de forma mais fiel, as expectativas de aprovação da reforma da Previdência ou de uma futura recuperação econômica, diz Ilya Gofshteyn, estrategista macro global do Standard Chartered Bank em Nova York. "Quem quer apostar em Brasil vai para ações e a moeda serve de um instrumento barato para operações de hedge", afirma. "Esse é um dos motivos para o fraco desempenho do real." Quem apostou no real contra o dólar e manteve a posição do fim da eleição até agora sofreu com prejuízo de 11%. Já a alocação no Ibovespa ainda resiste com ganho de 5% no acumulado de 26 de outubro até agora.
A frustração com o crescimento do Brasil em 2019 também adia a chegada do estrangeiro nos mercados locais, nota Damont Carvalho, diretor de macro da Claritas. Isso também significa menos fluxo de dólares em direção ao país.
"No início do ano, o Brasil exibia um dos maiores deltas de crescimento do PIB em relação ao restante da economia global. Agora que esperamos uma expansão próxima de 1,3% ou 1,5%, essa situação não existe mais." O jogo só deve virar, de fato, na reta final da aprovação da reforma da Previdência, na avaliação de Gofshteyn, do Standard Chartered. "Nesse caso, o investidor estrangeiro, que já se frustrou várias vezes com emergentes, vai ganhar confiança suficiente para desmontar o hedge ou comprar o real", diz o especialista.
O estrangeiro carrega mais de US$ 30 bilhões em posição comprada em dólar, que ganha com a alta da moeda americana. O montante diz respeito a contratos futuros de dólar e cupom cambial (juros em dólar) na B3. Se por um lado, esse volume mostra o nível da cautela no mercado, por outro, dá uma ideia do potencial de valorização do real num cenário mais otimista, de desmonte de hedge.
A pesquisa Focus projeta o dólar a R$ 3,75 no fim do ano, queda de 9% em relação ao nível atual. "Se passar uma boa reforma, o real terá desempenho bem superior às demais moedas", diz Goldenstein, da Mauá. Para Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Ativa, a aprovação da reforma pode destravar o fluxo estrangeiro e a demanda para rolagem de dívida, além de reverter operações de hedge. "Isso deve gerar um 'overshooting' [movimento pontual e acentuado de alta do real] no curto prazo", diz. Jornalista: Lucas Hirata e Marcelo Osakabe - Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 20/05/2019
20 maio 2019
Real fica barato, mas segue sob pressão
segunda-feira, maio 20, 2019
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Ruy Moura
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