O último dos motivos é a competição com as fintechs. Entenda o que está influenciando no preço dos ativos
O fraco desempenho das ações dos quatro grandes bancos brasileiros (Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco e Santander) na bolsa tem intrigado bastante os investidores. Afinal, o setor é uma recomendação de consenso dos analistas (potencial médio de alta de 40% segundo dados da Refinitiv), e até mesmo de pseudo analistas e influenciadores que não conhecem conceitos básicos do setor.
Os múltiplos de P/E (preço/lucro) e especialmente de P/VPA (preço/valor patrimonial) parecem bastante atrativos se comparados com aqueles históricos. Vejamos então o que explica a performance ruim e o que pode mudá-la daqui em diante.
Em primeiro lugar, nunca custa lembrar que os bancos são um play direto do que acontece na economia e refletem também o risco soberano de uma economia e os prêmios de risco embutidos na sua dívida. Falando primeiro sobre a economia, existe uma grande dose de incerteza sobre o atual ciclo econômico.
Apesar de os dados de crédito publicados pelo BC referentes a agosto mostrarem a inadimplência nos níveis mais baixos já reportados, eles estão influenciados pelas renegociações nas carteiras de crédito realizadas nos últimos meses, resultado de uma mudança temporária das regras de provisionamento, cortesia do Banco Central.
Além disso, o suporte dado às pessoas, inclusive tomadores de crédito, com o auxílio emergencial do governo, não deverá ser mantido na mesma magnitude em 2021. Isso deve levar a inadimplência a retornar a patamares mais normalizados nos próximos meses – uma tendência que não preocupa muito dado que os bancos aparentam estar bem provisionados.
Mais preocupante é a tendência da margem financeira, que deve continuar sob pressão nos próximos trimestres. Isso porque o passivo dos bancos se reprecifica antes dos ativos, significando que seus resultados não foram ainda totalmente impactados pela queda recente das taxas de juros.
A taxa de juros média nas novas operações não direcionadas atingiu a mínima histórica de 26.3% em agosto, comparada a 36.7% em agosto de 2019, e muito dessa queda ainda não foi refletida no resultado. Além disso, tudo mais constante, é bem mais fácil para os bancos embutirem um spread maior sobre uma Selic de 10% do que uma de 2%.
O mesmo vale para taxas de administração de fundos de investimento, agravando receitas de serviço. Sem um aumento compensatório de volume (o que não está acontecendo), uma queda de margem leva a uma redução de receita.
Sendo os bancos um conduit do risco soberano de um país, não se pode ignorar o efeito dos problemas recentes no refinanciamento da dívida publica e estresse no mercado de LFTs. Ou seja, em cenários de preocupação com a trajetória fiscal do país, o setor de bancos raramente costuma ser o preferido de investidores.
Um segundo ponto, não relacionado diretamente a economia brasileira, reside no fato de que os três grandes bancos privados têm grande parte da sua negociação diária em ADRs no mercado americano.
A primeira implicação é que investidores globais acabam associando os bancos brasileiros as mazelas do setor globalmente, especialmente na Europa e mais recentemente nos EUA, em função de juros baixos, recessão e problemas regulatórios.
Desde a crise de 2008, o setor de bancos europeu é a pior classe de ativos do planeta, e em 2020 as ações dos grandes bancos americanos tiveram quedas entre 25% e 55%, comparada a uma alta de 8% no S&P.
A segunda implicação é que os bancos acabam refletindo sentimento dos investidores estrangeiros em relação ao Brasil, que está em níveis bastante deprimidos em relação ao que vimos nos últimos 15 anos.
Finalmente, existe a tão falada competição vinda das fintechs, que ganhou notoriedade adicional com o lançamento do Pix, sistema de pagamentos gratuito do Banco Central. Dos três fatores, acreditamos que este seja o de menor importância, mas afeta a percepção da sustentabilidade de rentabilidade no longo prazo.
O que pode então levar a mudança de direção nas ações do setor? Um aumento dos juros, independente do impacto no resto da economia, favorece o setor bancário, especialmente no relativo com os outros setores.
Também está claro que é de suma importância o equacionamento da questão fiscal. Ou seja, que o necessário programa de Renda Cidadã seja mantido em 2021 sem comprometer a trajetória fiscal, preferencialmente se isso for obtido com reformas.
Uma vez dado esse passo, será natural a que os investidores tenham mais confiança na recuperação da economia e visibilidade sobre a estabilização das provisões para crédito.
Finalmente, a melhora da imagem do Brasil no exterior passa por uma melhora da economia, mas, como afirmou o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, a política ambiental do Brasil tem afetado negativamente o fluxo de investimentos para o país.
Apesar do nível de valuation parecer atrativo em padrões históricos, isso não é suficiente. Tão ou mais importante é o poder da narrativa, e essa, no curto prazo, parece não favorecer as ações dos bancos.
Carlos G. Macedo tem mais de 15 anos de experiência cobrindo ações do setor financeiro no Brasil e no resto da América Latina, atuando pela Goldman Sachs e Itaú BBA.
Roberto A. Attuch Jr tem mais de 25 anos de experiência no mercado de renda variável na América Latina, foi diretor do Credit Suisse e do Barclays e fundou a OMNINVEST... leia mais em NeoFeed 20/10/2020
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