31 março 2013

Milhares de empresas italianas à beira da falência

Burocracia, leis trabalhistas ultrapassadas e a incapacidade de competir nos mercados globais podem acelerar a quebradeira enquanto o próprio governo tenta se manter vivo

 Emanuele Tedeschi limpou a poeira das mãos e gesticulou enquanto caminhava pela marcenaria que pertence a sua família há duas gerações. As grandes máquinas que costumavam funcionar em tempo integral, produzindo móveis sob medida para casas particulares, palácios romanos e até mesmo para o Vaticano, agora ficam paradas em uma fábrica quase sem funcionários.

 "Há um ano e meio o barulho da produção era tão alto que era preciso gritar para ser ouvido", afirmou Tedeschi, caminhando entre pallets de cerejeira e outras madeiras de lei que esperam por um destino melhor.

 Desde que o plano de austeridade do governo foi criado para proteger a Itália da crise da dívida pública europeia no ano passado, a economia caiu em uma das piores recessões dos países da zona do euro e os pedidos de Tedeschi praticamente desapareceram.

 Sua empresa, a Temeca, ainda está funcionando, mas chegou à beira da falência.

 Das cerca de seis milhões de empresas italianas, quase 1.000 negócios de todos os tamanhos abriram falência por dia no ano passado. Contudo, as mais afetadas foram as empresas de pequeno e médio porte, que representam a espinha dorsal do 1,5 trilhão de euros da economia italiana.

 Economistas temem que o ritmo das falências possa se acelerar, uma vez que o próprio governo encontra dificuldades para se manter. Embora o primeiro-ministro tecnocrata Mario Monti tenha sido dispensado por eleitores que temem as medidas de austeridade, as eleições parlamentares chegaram a um impasse.

 "Sem ninguém governando o país, haverá mais paralisia e as coisas ficarão ainda piores", afirmou Tedeschi, de 49 anos, lançando um olhar preocupado sobre a esposa e o filho de 23 anos. Eles ajudam a entregar os poucos pedidos, agora que Tedeschi precisou dispensar seis dos onze funcionários em tempo integral que tinha em meados de 2011.

 Uma vez que a União Europeia é o maior parceiro comercial dos Estados Unidos, os problemas que afetam a economia europeia também são sentidos do outro lado do Atlântico.

 "Isso demonstra que a Itália tem uma boa probabilidade de enfrentar uma década de crescimento lento como o Japão", afirmou Kenneth S. Rogoff, professor da Universidade de Harvard e antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional. "A situação também levanta dúvidas cruéis a respeito da estabilidade de longo prazo da zona do euro como um todo."

 Rogoff acrescentou que as dificuldades políticas da Itália podem não afetar o mercado financeiro global tão rapidamente, mas mostram que a crise europeia pode "se estender longamente", afirmou, tornando ainda mais difícil que os líderes europeus fechem acordos a respeito de "cenários mais amplos, necessários para a estabilização da Europa".

 As aflições da economia italiana, uma das maiores da Europa, não são necessariamente novas, é claro: uma burocracia terrível, leis trabalhistas ultrapassadas e a incapacidade de competir nos mercados globais.

 Enquanto a economia dos 17 membros da União Europeia que adotaram o euro crescia em média um por cento ao ano na década passada, a economia italiana crescia apenas metade disso, de acordo com o FMI.

 Mas os velhos problemas italianos se tornaram ainda piores no ano passado em meio ao aumento de impostos e o corte de gastos aprovados por Monti, que assumiu o cargo de primeiro-ministro em novembro de 2011, quando a crise do euro levou à saída de Silvio Berlusconi.

No ano passado a economia encolheu alarmantes 2,4 por cento, um desempenho muito pior que a expansão de 0,1 por cento prevista pelo FMI no início de 2012. No ano passado, quase 365.000 empresas abriram falência. Uma em cada duas empresas de pequeno porte não é capaz de pagar os funcionários, de acordo com o instituto de pesquisa CGIA di Mestre.

 Com o aumento no número de demissões, o desemprego chegou ao nível recorde de 11,7 por cento em janeiro. A taxa de desemprego entre os jovens pulou para 38,7 por cento. E, embora os italianos sejam grandes poupadores, um estudo recente feito pelo Banco da Itália mostrou que mais de 60 por cento das pessoas agora teme que sua renda não seja mais suficiente para cobrir todas as necessidades.

 O programa de austeridade foi criado para reduzir o risco de uma crise da dívida e garantir o apoio do Banco Central Europeu, mas, ao invés disso, fez com que o país deixasse de crescer. E, sem crescimento, a Itália terá ainda mais dificuldades para pagar a dívida de dois trilhões de euros, equivalente a 127 por cento do produto interno bruto, uma das maiores da zona do euro. E embora ninguém esteja falando sobre a necessidade de um pacote de ajuda ou de uma moratória dessa dívida monstruosa, a agência de avaliação de risco Fitch derrubou a classificação do crédito público da Itália em maio, citando que o crescimento e as finanças nacionais poderiam se deteriorar ainda mais, caso a incerteza política se prolongue.

 Sob determinados aspectos, a Itália não é tão problemática quanto outros países da zona do euro. O país tem o invejável superávit primário – uma medida econômica que não leva em conta o pagamento da dívida – de 2,5 por cento do PIB.

 Além disso, o governo italiano fez avanços consideráveis na contenção do déficit orçamentário, que era de 4 por cento em 2011 e passou a 2,3 por cento no ano passado. Isso está abaixo do limite de três por cento exigido dos membros da zona do euro, mas que poucos países conseguem cumprir. Ícones como a Ferrari, a Benetton e a Ducati continuam a ajudar a Itália a manter a segunda maior base manufatureira da zona do euro, atrás apenas da Alemanha.

 Mas as empresas como a de Tedeschi – com menos de 50 funcionários – são as responsáveis pela maior parte da economia italiana e enfrentam grandes dificuldades, à medida que bancos negam empréstimos e os impostos aumentam.

 Em 2012, o volume total de crédito fornecido pelos bancos italianos chegou ao nível mais baixo em mais de uma década. Enquanto isso, o governo italiano deve cerca de 70 bilhões de euros em bens e serviços prestados por empresas italianas, que apesar disso precisam pagar os impostos em dinheiro. 

Tedeschi começou a sentir o problema no final de 2011, em sua fábrica em Guidonia, uma cidade industrial no estado de Lazio, ao norte de Roma. As montanhas baixas e os vales verdejantes da região circundam fábricas de médio porte especializadas em produtos – sejam de madeira, metal ou mármore – com o selo de "Made in Italy". Centenas dessas empresas fecharam as portas nos últimos dois anos. 

"Em um ano e meio, tudo mudou", afirmou Tedeschi. "As pessoas começaram a sentir medo e pararam de gastar dinheiro. Nenhuma das promessas feitas por Monti para revitalizar a economia e nos ajudar a aumentar a produtividade se concretizou."

 Pedidos de quartos, cozinhas, janelas e portas feitas sob medida praticamente desapareceram. Até mesmo o Vaticano parou de fazer pedidos à empresa de Tedeschi no ano passado, após encomendar um estrado para coral e móveis para um palácio.

 Recentemente, ele precisou dar um passo que espera nunca ter que dar novamente: Tedeschi dispensou diversos funcionários, incluindo um homem que trabalhou durante mais de 30 anos para a empresa.

 "Eu chorei muito quando precisei mandar essas pessoas embora", afirmou em seu pequeno escritório, sob uma foto de Madre Teresa, enquanto a esposa, Annarita Neroni, e o filho, Lorenzo, observavam. 

Tedeschi acrescentou que diversos membros de um grupo comercial local ao qual pertence se suicidaram no ano passado, por não conseguirem manter as próprias empresas.

 "Se você se vê sozinho para resolver essa situação", afirmou, "acaba enfiando uma bala na cabeça".

 A esposa contou que a família parou de receber salários há mais de um ano para poder pagar os funcionários que restaram. Desiludida com a rápida erosão da economia sob o comando de Monti, a família votou pelo movimento radical Cinco Estrelas, liderado pelo comediante e ativista Beppe Grillo, nas eleições de janeiro, muito embora isso possa levar ao caos.

 "É uma forma de protesto", afirmou Lorenzo Tedeschi. "Precisamos começar do zero neste país e ele nos dá esperanças de que exista uma chance de igualar as coisas."

 Contudo, isso será difícil, já que a discórdia causada por Grillo promete atrasar ainda mais a recuperação.

 Lorenzo Tedeschi afirmou que sua única opção é ser otimista. "Ainda tenho minha vida toda pela frente", afirmou. "Preciso acreditar que as coisas vão mudar para melhor." NYT - Liz Alderman
Fonte: iG 31/03/2013

31 março 2013



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