As gigantes de tecnologia e as healthtechs promovem transformações profundas em um setor tradicionalmente avesso a mudanças
Em 2017, os americanos que entrassem na App Store encontrariam um aplicativo diferente de tudo o que já fora oferecido na loja digital — o convite para um estudo sobre o coração. Em uma parceria (àquela época inusitada), a Apple e a Escola de Medicina da Universidade Stanford recrutavam voluntários para um trabalho sobre arritmia cardíaca, um mal comum a 2,5% da população mundial, caracterizado por batimentos cardíacos irregulares.
Para participar do Apple Heart Study, era necessário ter, no mínimo, 22 anos; atender a determinados critérios clínicos de elegibilidade; possuir um iPhone modelo 5s ou superior, e um Apple Watch série 1 ou superior. Os participantes não teriam de fazer nada a não ser usar o relógio. E, caso o alarme do dispositivo soasse, o voluntário deveria entrar em contato com a equipe de telemedicina de Stanford. Provavelmente, seu coração estaria em descompasso.
De 29 de novembro de 2017 a 31 de janeiro de 2019, 419 mil pessoas submeteram seus corações às análises do Apple Watch. Exatos 2.095 participantes (o equivalente a 0,5% do total) apresentaram sintomas de fibrilação arterial, a mais comum das arritmias. Deles, apenas um em cada cinco procurou atendimento.
São dados importantes. Os especialistas de Stanford temiam que o acesso de leigos à tecnologia médica abarrotasse os consultórios e hospitais sem necessidade. Preocupa, porém, quem não deu bola para as chamadas do relógio. Sem tratamento, a fibrilação arterial pode levar a coágulos e, consequentemente, a infarto e falência cardíaca. Nos casos mais graves, à morte súbita. Mas isso é assunto para outras investigações.
Ainda mais importante, em 84% dos casos, quando os voluntários receberam o aviso de que deveriam procurar atendimento, eles de fato estavam em fibrilação. Ou seja, o relógio funcionou na detecção da arritmia. “Esses resultados indicam que tecnologias digitais inovadoras podem ter um papel importante na busca por uma medicina mais preditiva e preventiva”, comemorou Lloyd Minor, reitor da Escola de Medicina de Stanford. E assim, o Apple Heart Study torna-se símbolo das mudanças impostas pela transformação digital no setor de saúde.
O aumento da expectativa de vida, os avanços nos conhecimentos médicos, o processo de individualização das medidas preventivas, diagnósticas e terapêuticas e a medicina de precisão fazem da saúde um setor em franca expansão. Os gastos globais devem crescer a uma taxa anual de 5,4% entre 2017 e 2022, passando de US$ 7,72 trilhões para US$ 10 trilhões, segundo a consultoria inglesa Economist Intelligence Unit. O ecossistema está em ebulição. Assiste à chegada das gigantes de tecnologia, startups, incubadoras e aceleradoras. Possíveis protagonistas de um futuro próximo nem sequer atuam hoje.
O impacto será gigantesco. Todos serão afetados. Pacientes, governos e empresas — todas elas, não importa a natureza. “A saúde é, definitivamente, um tema estratégico dentro da agenda empresarial”, escreve em artigo exclusivo para Época NEGÓCIOS Fabiana Salles, fundadora da Gesto, com atuação em corretagem de seguro-saúde baseada em ciência de dados.
No Brasil, 95% das pessoas consideram importante ou muito importante a oferta do benefício de saúde para decidir entre um emprego e outro, indica pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência para o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).
Para se ter ideia da efervescência que agita o setor, basta lembrar algumas notícias recentes:
• Em janeiro passado, Amazon, Berkshire Hathaway e JP Morgan Chase anunciaram que, devido aos altos custos do sistema americano, se juntariam para ofertar serviços de saúde próprios para os funcionários de suas empresas. Um total de 1,2 milhão de vidas.
• Por US$ 13,7 bilhões, em junho de 2018, a companhia de Jeff Bezos (ela de novo!) comprou a rede de alimentos orgânicos Whole Foods Market, cuja imagem está associada a um estilo de vida saudável.
• Também em junho, a gigante do comércio online desembolsou US$ 1 bilhão pela startup PillPack, de entrega de medicamentos controlados, em pacotes de doses pré-selecionadas (veja quadro mais adiante).
• Mais adiante, em agosto, a Amazon contratou, para seu time de saúde, o cardiologista Maulik Majmudar, especialista em saúde digital do Healthcare Transformation Lab, do Hospital Geral de Massachusetts, da Universidade Harvard. A avidez de Bezos pelo setor é tanta que, nos meios acadêmicos, brinca-se que a saúde americana (quiçá a mundial) está em processo de “amazonização”.
• Também em 2018, a Alphabet, dona do Google, investiu US$ 375 milhões na Oscar Health, startup nova-iorquina que, por meio de aplicativo, oferece médicos 24 horas por dia.
• Em agosto último, o Facebook estabeleceu colaboração com a Universidade de Nova York em um projeto para, mediante o uso de inteligência artificial (I.A.), desenvolver máquinas de ressonância magnética dez vezes mais velozes do que as disponíveis no mercado.
• O SoftBank, conglomerado japonês de telecomunicações e internet, destinou recentemente US$ 100 milhões para a PharmEasy, startup de epharma indiana.
• Dados da consultoria americana CB Insights mostram: em 2017, os negócios de private equity na área de saúde liderados pelas dez maiores empresas americanas de tecnologia somaram US$ 2,7 bilhões.
• Saúde é um dos temas de destaque da Brazil at Silicon Valley, conferência a ser realizada em abril, na Califórnia.
• Em entrevista recente à revista Modern Healthcare, Hugh Forrest, diretor de programação do SXSW, disse que pretende transformar o maior festival de cultura digital do mundo também em um marco para o setor de saúde. ....
.. As healthtechs proliferam. Segundo a aceleradora StartUp Health, sediada em São Francisco, os investimentos globais nelas saltaram de US$ 1,2 bilhão em 2010 para US$ 15 bilhões no ano passado (veja quadro na página 57). Conforme a consultoria Deloitte, em 2021 o gasto com saúde digital deve atingir US$ 280,25 bilhões, em um ritmo de crescimento de 15,9% ao ano. É muita coisa. Muita novidade. A saúde do modo como a conhecemos hoje está prestes a passar por uma transformação profunda. Um tsunami.
O mercado de saúde é complicado. Fragmentado, pouco transparente, resistente a mudanças e antiquado no modo de fazer negócios. “É uma indústria que gira bilhões e que apresenta ineficiências e assimetrias gigantescas”, define Manoel Lemos, sócio do fundo Redpoint eVentures... Essa matéria faz parte de um especial de 41 páginas da edição de abril sobre o futuro da saúde. Leia mais em valores onomico 12/04/2019
12 abril 2019
Como a tecnologia está revolucionando a indústria da saúde
sexta-feira, abril 12, 2019
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Ruy Moura
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