29 março 2018

Empresas fazem jogada dupla em busca de capital

Empresas e bancos estão aproveitando a janela de mercado para oferta pública de ações para tentar negociações paralelas de capitalização. Enquanto preparam a operação em bolsa, pressionam potenciais interessados - como concorrentes e fundos de investimento para fechar negócios mais rápido e em melhor preço. Ao menos 11 empresas apelaram para o caminho duplo nos últimos meses, como a operadora de saúde Notre Dame Intermédica, a empresa de meios de pagamento PagSeguro e a distribuidora Eletropaulo.

A negociação dupla é uma garantia extra de que a companhia conseguirá efetivar algum evento de capitalização, para saída de acionistas ou para colocar dinheiro em caixa. Se alguma der errado, há outra correndo ao mesmo tempo. Foi o que aconteceu com a mineira Algar Telecom, que acabou desistindo do IPO após sofrer pressão para baixar o preço ao disputar investidores na mesma semana com outras três ofertas bastante concorridas, do Burger King, da Sanepar e da BR Distribuidoras.
A companhia de telefonia tinha se mantido aberta às propostas de investidores e fechou negócio por R$ 1 bilhão com o fundo soberano de Cingapura GIC - que comprou parte da operação e também aportou capital.

"Era uma forma mais segura de obter o preço desejado", diz uma fonte ligada à operação.
No caso da empresa de meios de pagamento PagSeguro, que abriu capital na bolsa americana Nasdaq em janeiro, aconteceu o oposto. Segundo fontes, a companhia recebeu uma oferta da PayPal, em um múltiplo de 15 vezes o lucro. Mas a demanda de investidores na oferta já indicava uma precificação muito mais alta - a companhia decidiu seguir com o IPO e conseguiu um múltiplo de 23 vezes o lucro. "Reduzir o risco de execução e arbitrar preço são os dois principais motivos para essa estratégia", diz Carlos Lobo, sócio do Veirano Advogados.

A oferta da BR Distribuidora também acabou sendo definida por preço e formato da operação. A empresa começou a sondagem com investidores com a preferência clara por encontrar um sócio estratégico ou financeiro, usando a oferta para acelerar o processo. Mas os fundos não aceitavam ser minoritários de uma empresa de controle estatal. Para não ceder à pressão por mudanças na estrutura da venda e na governança, a controladora Petrobras vendeu 30% do negócio em bolsa e captou R$ 5 bilhões.

O formato também é relevante no planejamento de capitalização da varejista holandesa C&A. A varejista discute se faz um IPO da operação brasileira, se inclui a subsidiária num IPO global ou ainda um terceiro modelo, de venda de participação a um sócio no Brasil. Executivo ligado à empresa diz que a controladora Cofra Holding é muito fechada e de estrutura complexa, o que poderia requerer muita mudança em uma abertura de capital. "Abrir capital pode ser um processo mais doloroso por exigir uma transformação mais profunda. Por isso, se é uma venda minoritária, pode fazer mais sentido para uma empresa desistir do IPO quando aparece um interessado", exemplifica o advogado Guilherme Monteiro, sócio do escritório Pinheiro Neto.

Os banqueiros de investimento definem esse caminho duplo como "estratégia faca no pescoço", usando a janela da bolsa para pressionar investidores privados. Isso porque o interesse de empresas e fundos pode continuar, mas a chamada janela de mercado para ofertas de ações pode se fechar. "Esse movimento está mais forte e um dos motivos é o espaço de tempo limitado para entrar na bolsa", diz Henrique Lima, chefe de fusões e aquisições do Bradesco BBI.

Ele ressalta que, no primeiro trimestre de 2017, já tinham ocorrido duas ofertas na B3 - este ano, foi apenas uma oferta de empresa brasileira, mas em Nova York. Ainda há uma concentração de empresas tentando viabilizar operações até junho, quando a volatilidade pode aumentar. "O histórico das últimas quatro eleições presidenciais mostra que o segundo semestre tende a ser desfavorável para ofertas", diz Lima.

Ter essa espécie de seguro para a transação fica especialmente importante para as empresas à medida que o investidor está mais seletivo. Por falta de demanda ou incerteza na precificação, três empresas já cancelaram a oferta este ano, o que já leva os bancos a reagirem. "Quando há um cenário de mercado de capitais com dificuldade de execução, faz parte da função dos bancos falar com clientes das alternativas", diz o diretor de um banco estrangeiro, que prefere não ser citado por ter três mandatos do chamado 'dual track' em curso. Para esse executivo, o maior desafio é alinhar a expectativa de preço da empresa com a disposição a pagar do investidor.

Depois da oferta bilionária da PagSeguro nos Estados Unidos, a processadora Stone também começou a apressar o passo para entrar no mercado de capitais. A assessoria de bancos, no entanto, indicou que a empresa precisaria reforçar o balanço para conseguir o preço pretendido, e a Stone deve acabar fechando uma capitalização privada primeiro, para seguir para um IPO meses depois.
Outra empresa que está em definição de modelo e começando a conversar com bancos e investidores é a distribuidora de gás Liquigás. A companhia, que pertence à Petrobras, teve a venda para o grupo Ultra vetada pelo Cade e, segundo fontes, começa a preparar uma oferta de ações ao mesmo tempo em que ouve novos interessados.

Manter os dois processos de capitalização em paralelo é mais trabalhoso e pode sair mais caro para as empresas. A maior parte do custo com bancos das operações de aquisição e de ofertas de ações está na taxa de sucesso - mas, se alguma delas não se concretiza, as despesas do banco com o processo são reembolsáveis. Já os custos com escritórios de advocacia podem custar o dobro, uma vez que os honorários aumentam para trabalhar nos dois processos. De acordo com os escritórios de advocacia, quanto mais longe a empresa for com os dois processos, mais custoso fica. Além disso, estender essa negociação dupla pode acabar comprometendo uma das operações. O ideal, segundo eles, é definir o caminho antes de a oferta ser protocolada na CVM.

Por questões de custos e de potencial conflito de interesse entre os bancos, as empresas optam por diferentes formatos. Um mesmo banco pode liderar os dois processos, como foi o caso da negociação entre Itaú e XP Investimentos, feita em maio do ano passado - o IPO em preparação era liderado pelo J.P.

Morgan, que também era o assessor financeiro para conversas com estratégicos. O Valor apurou que, para não ter qualquer tendência por nenhuma operação, o J.P. Morgan teria a mesma comissão em qualquer um dos desfechos.

Em outros casos, há uma concorrência entre os bancos encarregados de cada processo. A operadora de saúde Intermédica contratou o BTG Pactual, em fevereiro do ano passado, para encontrar um sócio estratégico. Ao mesmo tempo, contratou outros sete bancos, liderados pelo Itaú BBA, para fazer o IPO. Em outubro, a companhia recebeu uma oferta de compra por R$ 8,5 bilhões da gestora de private equity CVC Capital Partners, segundo fontes, mas os bancos que preparavam a oferta diziam que a empresa podia conseguir uma avaliação de R$ 9 bilhões na bolsa.

A Intermédica recusou a proposta e deve fazer a listagem em abril - mas com valor entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões. Outra operadora de saúde, a Hapvida, também será listada em abril e chegou a conversar com investidores no fim do ano passado. A empresa recebeu uma proposta do grupo chinês Fosun, mas quis seguir com o IPO.

Em alguns casos, até os bancos são surpreendidos por uma mudança de trajeto. No ano passado, bancos que assessoravam a Log Commercial Properties em seu IPO souberam, por comunicado, que a oferta estava suspensa e haveria um aumento de capital privado. Em outros casos, negociação privada e oferta de ações podem convergir em uma única solução.

Há um ano, a americana AES procura um comprador para sua participação na Eletropaulo, empresa que precisa captar recursos. No formato em discussão, um investidor pode entrar como âncora na oferta: firma a compra da parte da AES, de forma direta, e uma injeção de capital na Eletropaulo, na oferta. Esse é o caso da italiana Enel, que já fez uma proposta. GP Investments, CPFL e Equatorial também negociam com a AES.  Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 29/03/2018

29 março 2018



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