07 junho 2016

Para economista do Santander, 'é hora de comprar Brasil'

A perda de confiança é o principal fator que explica a recessão de dois anos que o país atravessa e será, também, o grande vetor da retomada já desenhada em diversos indicadores antecedentes, avalia Maurício Molan, economista-chefe do Santander. "Não me parece que a Lava-Jato seja uma história relevante na dinâmica econômica. Boto muito mais fichas na história da confiança e no colapso decorrente da piora da percepção fiscal", disse Molan, em entrevista ao Valor.

Mais otimista do que o consenso de mercado, a equipe econômica chefiada por Molan projeta crescimento de 2% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2017. A alta, pondera o economista, é modesta frente à retração de quase 8% acumulada entre 2015 e 2016, mas será puxada pela melhora corrente na percepção de empresários e consumidores, cujo gatilho está na mudança de perspectiva sobre o ajuste fiscal. A partir daí, são cerca de seis meses para que a redução do pessimismo tenha impacto positivo no nível de atividade, e já é possível esperar expansão trimestral do PIB no fim deste ano. "É hora de comprar Brasil", afirma, convicto.

Para o economista, a equipe econômica do presidente interino Michel Temer é competente e anunciou um primeiro conjunto de medidas "poderoso", mas tem o desafio de gerar um círculo virtuoso, a fim de mostrar à sociedade que o caminho para a reação da economia é o reequilíbrio das contas públicas. Se o crescimento voltar, como reflexo do início do ajuste, poderá trazer o apoio da população às medidas fiscais. Assim, diz, o processo de ajuste pode seguir mesmo no caso de eventual volta da presidente afastada Dilma Rousseff ao poder.

Até agora, nenhum corte de gastos foi feito e há várias dificuldades no caminho, como a renegociação das dívidas de Estados e municípios, reconhece Molan, mas o governo atual não precisa fazer todas as reformas necessárias, e sim dar início ao processo. Já em 2018 é necessário que o próximo governo eleito tenha uma plataforma de ajuste definitivo, com aprovação da sociedade. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O fundo do poço ficou realmente para trás?
Maurício Molan: Estamos muito próximos, ao redor do fundo do poço. Não dá para dizer que a economia não vai contrair um pouquinho mais, mas em algum momento do terceiro ou quarto trimestre veremos um início de um processo de retomada.

Valor: Além dos indicadores de confiança, há outros índices mais consistentes que já apontam essa melhora da atividade?
Molan: Os índices de confiança são poderosos e já mostram recuperação, tanto de empresários quanto de consumidores. Dentro da confiança, tem também a do mercado financeiro. A bolsa subiu 30% desde o início do ano. A taxa longa de juros de 2022 caiu de 16,5% para 12,5%. Tudo isso tem impacto substancial na economia. Tem outros dois fatores importantes: a difusão da indústria, ou seja, o percentual de subsetores crescendo, estava em 20% no fim de 2015 e, no trimestre terminado em abril, foi para mais de 40%. Outro indicador é aumento de exportação de bens manufaturados, que já acumula alta de 9% em relação ao valor mais baixo. Tem um conjunto de fatores sugerindo que vamos ver essa retomada.

Valor: Quando vamos voltar a um trimestre positivo no PIB?
Molan: Entre o terceiro e o quarto trimestre. No terceiro devemos ficar entre o zero e o positivo. De forma mais intensa, no quarto. O segundo ainda vem com alguma coisa entre zero e 0,5% de redução. Para o ano, continuamos estimando queda de 3,7% para o PIB. O resultado do primeiro trimestre [queda de 0,3% sobre o trimestre anterior, feitos os ajustes sazonais] certamente coloca uma probabilidade de a contração esse ano ser menor que 3,7%.

Valor: Qual o principal fator para a melhora na indústria?
Molan: O setor externo e a confiança. A confiança foi o principal a trazer a economia para baixo. As incertezas relacionadas ao tema fiscal levaram investidores e consumidores a ficarem mais cautelosos, o que derrubou a demanda interna de uma forma bruta. Por isso, na medida em que se apresenta sinalização melhor na área fiscal, a confiança começa a ser retomada e isso tem impacto importante sobre o consumo e o investimento.

Valor: Estamos ouvindo economistas dizendo não ver essa volta do investimento.
Molan: Os dados hoje não mostram os empresários investindo, mas nossa função como economista é olhar quais são os sinais que antecedem a inflexão. São confiança e mercado de trabalho. Leva mais ou menos uns seis meses entre melhora dos indicadores de confiança, melhora dos indicadores de mercado financeiro e impacto efetivo nos indicadores da economia real.

Valor: Com o mercado de trabalho piorando pelo menos até 2017, isso não compromete a retomada?
Molan: Sim. O mercado de trabalho vai jogar contra nesse período no que se refere a EMPREGO e renda. Mas o que joga a favor é a propensão a consumir e a investir. Temos 10 milhões de pessoas desempregadas, mas tem 90 milhões empregadas e que vão aumentar sua propensão a consumir.

Valor: O que está ancorando essa retomada da confiança?
Molan: Do início do ano para agora, mudou a perspectiva em relação à administração de contas públicas. Isso está refletido no risco-país, está refletido no dólar, que veio de R$ 4 para R$ 3,50, e no juro. Alguns outros temas são também importantes, como a percepção do mercado de que a inflação está em queda e portanto haverá espaço para redução de juros, e também a percepção de que há um impulso externo importante, que vai levar a um processo de aumento das exportações e substituição de importações. Mas o mais importante é a visão fiscal. Se isso se reverte, a recuperação deixa de ocorrer.

"Em algum momento do terceiro ou quarto trimestre veremos o início de um processo de retomada"

Valor: Mas até agora só vimos gastos. Não houve nenhum corte.
Molan: Verdade. Mas temos que entender que esse governo ainda é interino e, por isso, as diretrizes de política econômica vão estar voltadas pra fazer o ajuste de longo prazo, mas também têm que estar alinhadas com a sobrevivência política de curtíssimo prazo. Aí existe uma estratégia que me parece esperta, que é começar do mais difícil para o mais fácil, porque vai jogar para o Congresso o peso de apoiar ou não as reformas mais difíceis. E se não avançarmos com elas, fica para o Congresso o ônus de termos que fazer o ajuste pelo lado mais fácil, que é por exemplo por aumento de carga tributária. O problema de começar do mais difícil para o mais fácil é que leva mais tempo. Ainda existe certo atraso em relação a medidas que a gente gostaria de ver.

Valor: Quais?
Molan: O primeiro conjunto de medidas que governo apresentou é muito poderoso. O pacote de limitação de crescimento de gastos, a reforma da Previdência, com idade mínima para aposentadoria, e outras desvinculações e desindexações que podem vir junto com o pacote de limitação de gastos são três linhas de ataque que, se corretamente aplicadas, são suficientes. Mas por dificuldades de aprovação no Congresso, não se pode descartar que o governo venha a recorrer em algum momento ao aumento de impostos.

Valor: Um aumento de impostos é inevitável?
Molan: Acho difícil de evitar. Aí você vai me perguntar da CPMF. Acho que não será a primeira opção. Vai ser a carta na manga que vai ficar por último, em função dessa estratégia da equipe econômica. Se não houver condições políticas de viabilizar o ajuste mais estrutural e de maior qualidade, você vai passando para o plano B, para o C, para o D, e acho que a CPMF está meio que no fim da fila. Em primeiro lugar, estariam os planos de desvinculações e, em termos de impostos, acho que tem algumas possibilidades, como a Cide, pode se mexer no IRPJ... Não sou eu que vou dar ideia aqui de aumento de impostos.

Valor: Quando veremos a Formação Bruta de Capital Fixo reagir?
Molan: Veremos o investimento crescendo no quarto trimestre. Há excesso de ociosidade em diversos setores, mas outros talvez não tenham tanta, como a agricultura. Em diversos setores relacionados a serviços, o próprio crescimento da produção já vem acompanhado do investimento. Se as famílias ficam mais otimistas, podem voltar a reformar suas casas, o que também é uma forma de investir. Você pode ter o início também em construção, no mercado imobiliário. O fator confiança é muito forte e poderoso e gera um impacto sobre consumo e investimento que supera as limitações impostas pela ociosidade. O poder da redução de juros na expansão do crédito, quando o Banco Central começar a flexibilizar a política monetária, é muito grande.

Valor: Quando a redução de juros vai começar?
Molan: Em agosto. Começa a um ritmo de 0,5 ponto por reunião. Quando chegarmos em agosto, vamos estar olhando para a inflação do ano que vem e enxergando algo como 5% a 5,5%, olhando para a inflação de meados de 2018 já em 4,5%. O BC se sentirá confortável para iniciar um processo de flexibilização.

Valor: O sr. prevê alta de 2% para o PIB em 2017. Não é otimista?
Molan: O pessoal comenta que estamos otimistas em relação a 2017. Mas de uma situação em que o PIB contrai 8%, 1% ou 2% de alta é muito pouco. Nos dois casos você recupera pouco da perda que ocorreu nos anos recessivos.

Valor: O quanto da crise foi explicado pela Lava-Jato?
Molan: Não sei quantificar o impacto da Lava-Jato. Mas é o tipo do evento que não tem um impacto permanente, mas sim temporário.

Valor: Mas a construção pesada parou.
Molan: Parou porque falta demanda, não porque falta gente para construir. Quando falamos dos investimentos no setor de petróleo, o colapso não está relacionado só à Lava-Jato. Está relacionado ao fato de que o mundo hoje não é compatível com investimentos no setor petrolífero no ritmo que vínhamos fazendo. Ao longo do tempo houve dois fatores: a produção de "shale gas" e a queda do preço do petróleo. Há dificuldades das construtoras relacionadas à Lava-Jato, mas ao mesmo tempo há queda do investimento do setor público. Não me parece que a Lava-Jato seja uma história relevante na dinâmica econômica. Boto muito mais fichas na história da confiança e no colapso decorrente da piora da percepção fiscal.

Valor: Já são dez trimestres seguidos de retração do investimento. Em que medida isso afeta o PIB potencial?
Molan: Afeta bastante. De fato, o PIB potencial parece ser menor, algo como 2%, 2,5%. Porém o que está em jogo neste ano e nos próximos não é o PIB potencial. Porque estamos muito longe de limitações do lado da oferta, que foi o caso de 2010 a 2012. Não é isso que vai definir a retomada.

Valor: E as concessões? Podem ajudar?
Molan: Concessões e algumas privatizações melhoram muito as perspectivas de retomada, não só porque sinalizam melhora fiscal, mas também porque podem ter impacto sobre eficiência e produtividade da economia, e pelo próprio impacto dos investimentos nesses setores. Agora, não é isso que resolve ou deixa de resolver. O fator confiança é fundamental.

"Os dados não mostram os empresários investindo, mas nossa função é olhar os sinais que antecedem a inflexão"

Valor: Há muito otimismo com o setor externo. Ele não é relativamente pequeno para puxar o PIB?
Molan: Sim, mas o ajuste está sendo muito intenso. Tem contribuído com mais ou menos dois pontos percentuais do PIB. Não só no crescimento das exportações, mas também via substituição de importações, que se mostra no percentual de setores industriais que cresceram nos últimos três meses.

Valor: Mas ainda falta o setor automotivo. Isso não limita a capacidade de a indústria reagir?
Molan: Limita, mas o setor automotivo, assim como o de construção, são setores que pesam muito e apresentaram as maiores taxas de contração, da ordem de 40% a 50%. A hora que eles param de contrair, os que estão crescendo passam a determinar a direção do vetor. E os sinais são auspiciosos no sentido de que esses setores estão próximos do fundo do poço também.

Valor: Há Estados e prefeituras que estão quebrados. Isso também não pode atrapalhar?
Molan: Esse governo não precisa fazer todo o ajuste fiscal. Precisa dar início a um processo, o que pode gerar o círculo virtuoso. Se essa melhora de confiança que já vimos tiver impacto sobre o crescimento, pode ser que isso atraia apoio da sociedade e dos políticos para novas medidas e novas reformas. Há uma série de dificuldades. Dá pra resolver tudo no momento? Não dá. Mas o processo já começou, com uma DRU também para Estados e municípios. Isso é dar poder para eles fazerem o ajuste deles.

Valor: Se o governo Dilma Rousseff voltar, o processo é abortado?
Molan: Pode ser de interesse, mesmo com a volta do governo Dilma, dar continuidade ao processo, se o governo perceber que esse é o caminho para a retomada do crescimento. Por isso estamos otimistas, acreditamos que na hora em que se montou uma equipe com diagnóstico fiscal e de reforma fiscal, já houve impacto substancial nas expectativas. Isso tem impacto sobre a atividade, que pode gerar incentivo para que se continue nesse caminho, mesmo com mudança da liderança política.

Valor: Quem será o próximo governo?
Molan: Não faço a menor ideia.

Valor: E se for o Lula?
Molan: O importante é o processo de convencimento. Lula tomou posse em 2003 e caminhou com apoio da sociedade em uma plataforma de ajuste fiscal e reforma da Previdência. Porque entendeu que aquilo era saída para a retomada do crescimento. Do que a gente precisa? Um determinado nome, um determinado partido ganhando em 2018? Não. É de um convencimento da sociedade de que o caminho para o crescimento sustentado passa pela estabilização das contas públicas.

Valor: Por que o sr. acha que a sociedade está convencida?
Molan: Não acho. Por isso que o governo interino, que pode se tornar permanente, tem que começar a gerar um círculo virtuoso para que a sociedade comece a apoiar o programa de ajuste. É para isso que você precisa de liderança. O verdadeiro líder é aquele que mostra o caminho para a sociedade. Aquele que só se adapta àquilo que a sociedade quer não é líder. Pode ser um representante do povo eleito democraticamente, mas cabe ao líder mostrar o caminho.

Valor: A redução de crédito do BNDES pode atrapalhar quando for preciso dinheiro para investir?
Molan: O nosso diagnóstico é que a queda de empréstimos, principalmente pela parte do BNDES, decorre da falta de demanda. Não estão faltando recursos. E a presidente do BNDES [Maria Silvia Bastos Marques] disse que, em um primeiro momento, temos que resolver o problema de falta de projeto. Na hora que tiver projeto e faltar recursos, aí se buscam alternativas. A hora que faltarem recursos, é porque o crescimento está bem acima desse aí que eu coloquei. Não é isso que vai limitar o crescimento. O que limita o crescimento no momento é confiança.

Valor: E o estrangeiro? Ainda não vemos um movimento consistente desse investidor no Brasil.
Molan: Vimos um movimento mais forte do investidor estrangeiro no mercado de renda fixa. O mundo permanece com condições bastante favoráveis de liquidez. Para o país atrair recursos externos, é só proporcionar o mínimo de estabilidade macroeconômica e de atratividade para investimentos. Converso com empresas multinacionais e a pergunta mais comum é: "agora é hora de comprar ativos"? Eu respondo que sim. O câmbio está em patamar favorável em termos históricos, os preços de ativos estão baratos. É hora de comprar Brasil.

Valor: Vamos recuperar o grau de investimento no médio prazo?
Molan: Nossa... É muito difícil. A recuperação do grau de investimento é um caminho muito difícil, muito longo e envolve muitos riscos. É difícil recuperar o grau de investimento em menos de três ou quatro anos. Você tem que iniciar o processo de ajuste, convencer a sociedade de que é preciso perseverar nesse ajuste, eleger um governo comprometido com o ajuste em 2018, e esse governo teria condições de tomar medidas para viabilizar a estabilização e queda da dívida pública.

Valor: Podemos ao menos evitar um novo rebaixamento?
Molan: Acredito que sim. Já vimos uma declaração recente da S&P mostrando que tudo isso funciona como um ciclo, que você passou a ter uma nova equipe econômica, uma nova liderança política, uma nova coalizão. O que o Brasil ganhou até agora foi o benefício da dúvida. Antes o mercado estava muito pessimista e, agora, passou a achar que pode ser possível. E isso melhora os fundamentos em vários níveis. Projetamos a TAXA DE JUROS em 10% no fim de 2017. Esses ciclos de afrouxamento de política monetária são muito poderosos para a atividade econômica e para a dinâmica da dívida, também. - Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 07/06/2016

07 junho 2016



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