25 abril 2019

Com quase 200 startups, Brasil pode brigar por protagonismo na agricultura 4.0

Com uma das indústrias mais desenvolvidas do planeta, Brasil já tem quase 200 startups de agricultura. Mas ainda não é protagonista deste processo de transformação digitalAGRITECHS

Rastreador bovino pode monitorar se o animal se desenvolveu normalmente e se houve contato com animais com doença| Foto: Divulgação/Grupo GVQ/Carolina Rossi Alvarenga

Nas últimas décadas, o Brasil passou de um importador líquido de alimentos para uma potência agrícola. O país é o maior produtor mundial de suco de laranja, café e açúcar, e segundo em soja, etanol e carne bovina. Mas o país ainda não assumiu o protagonismo na nova era de revolução no campo, a da agricultura 4.0. O número de startups agrícolas no país é metade do encontrado em Israel, país com área 400 vezes menor do que a brasileira — e que só tem 20% do solo arável.

Nas exportações, o país lidera em soja, carne bovina, aves, café, açúcar, etanol, suco de laranja, e vem em segundo lugar no milho. Tudo isso foi resultado de investimentos em ciência e tecnologia, a partir dos anos 1970, com a criação da Embrapa. Mas o desafio agora é acompanhar a nova revolução tecnológica. Hoje é possível monitorar a umidade do solo, temperatura e umidade relativa do ar por meio de sensores instalados no campo. Com fotos de drones e imagens de satélite de alta resolução, pode-se estimar a produtividade.

Máquinas agrícolas enviam informação em tempo real para um servidor na nuvem e para o smartphone. Combinando essas informações com mão de obra qualificada para interpretar os dados, é possível adiar a adubação de uma plantação antes de uma forte chuva, para evitar o desperdício do adubo que seria levado pelas águas.

A agricultura tem potencial para posicionar o Brasil como protagonista mundial, avaliam especialista do ecossistema de inovação. O país conta com, pelo menos, cinco startups consideradas “unicórnios”, avaliadas em mais de US$ 1 bilhão. Nenhuma delas é da área de agricultura.

“Esse é o movimento mais importante do mundo. Há iniciativas em Israel, Canadá, EUA e União Europeia, mas nenhuma delas está situada num ambiente agrícola complexo como o do Brasil”, analisa Sérgio Marcus Barbosa, gerente executivo da EsalqTec.

Incubadora vinculada à Universidades como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) de Piracicaba, a EsalqTecjá apoiou 111 empresas em três categorias: pré-incubadas (fase da ideia), empresas residentes, e associadas, desde 2006. Dessas, 14 já foram graduadas. A Unesp, de Botucatu; e a USP, de Pirassununga também mantêm programas de apoio às startups agrícolas.

“Temos dois objetivos: colaborar para que o conhecimento gerado na universidade retorne como inovação e apoiar as iniciativas de empreendedorismo da comunidade”, ressalta Barbosa. Ele diz que, no início, o foco era a biotecnologia. A partir de 2013, começou o movimento da agricultura digital, baseado na conectividade dos processos e no uso de plataformas tecnológicas. Das 111 empresas apoiadas, pelo menos 30% são de agricultura digital. Entre as empresas estão @Tech, SmartSensing Brasil, Promip, Agronow, Smartbreeder, Abribela, SmartAgri.

Mapeamento das agtechs

Mapeamento recente da Abstartups encontrou 182 startups especializadas em tecnologia para o agronegócio — chamadas agtechs, agrotechs ou agritechs.A maior parte (81 empresas, ou 44%) oferece soluções de sistemas para otimização da produção agrícola nos processos e utilização de hardware (drones e sensores) para gestão. Em seguida vêm as plataformas de comercialização (40 startups, ou 22%).

As demais são gestão de dados agrícolas e analytics (15%); plataformas de rastreabilidade e segurança alimentar 9%; ferramentas de comunicação e interação 7%; biomateriais, bioenergia e biotecnologia 3%. A maioria, 76%, atua na modalidade de software como serviços (SaaS); 11% fornecem hardware; 10% atuam como marketplace; e as modalidades de consumer, advertising, e relacionamento representam 1%, cada.

Mas o Brasil ainda precisa evoluir, destaca Tânia Gomes Luz, vice-presidente da Abstartups. Israel é a maior potência em agtechs do mundo, com cerca de 400 startups de tecnologia agrícola, tendo movimentado US$ 97 milhões em 2016. Não por acaso, o país investe 4,3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, ante 1,2% investido pelo Brasil.

O mapeamento mostra que 37% dos estados brasileiros têm mais de três agtechs, mas 30% não possuem nenhuma. Três dos cinco estados com maior representatividade (Paraná, Santa Cataria e Rio Grande do Sul) são da região Sul. Seis estados têm apenas uma agtech. E não foram encontradas startups agrícolas em oito estados Brasileiros.

Brasil: um protagonista em potencial – Grandes empresas envolvidas na inovação

Grandes empresas também focam na inovação do segmento. A Raízen, a Ericsson, a EsalqTec e a Wayra – aceleradora de startups da Vivo – se uniram para desenvolvimento de tecnologias de Internet das Coisas (IoT) no campo. Em janeiro, foram selecionados seis projetos de startups. Elas terão acesso ao espaço compartilhado do Pulse – hub de empreendedorismo da Raízen, em Piracicaba – e a mentoria, workshops, networking, treinamentos.

Também poderão participar do ecossistema da Wayra e receber investimentos no futuro. A EsalqTec auxiliará os selecionados na facilitação acadêmica das tecnologias.

“Criamos o Pulse em agosto de 2017 para posicionar a Raízen – líder na produção de cana-de-açúcar – também na liderança da tecnologia agrícola”, diz Guilherme Lago, coordenador de inovação da Raízen. O Pulse já apoiou 23 startups, das quais 15 fizeram projetos com empresa e cinco foram graduadas.

Internet das coisas

No projeto de parceria, a Raízen atua como a cliente da solução para o desenvolvimento do caso de uso. O teste contará com uma antena em Piracicaba cobrindo uma área de 10 km de extensão. “Se der certo, vamos expandir para todas as áreas agrícolas e até para o Brasil todo, já que não haverá exclusividade”, sinaliza Lago

A Ericsson vai fornecer a rede de telecomunicações 4G nas frequências de 400 MHz e 700 MHz – com tecnologia LTE Narrow Band IoT –, mais propícias para cobertura no campo. “A ideia é unificar as expertises do setor de TI e Telecom com as da cadeia do agro, para que a nossa capacitação possa ser aproveitada por essas empresas, e que elas possam nos passar conhecimento do setor agrícola”, diz Vinícius Dalben, vice-presidente de estratégia da Ericsson.

Uma das startups selecionadas é a IoTag, de Curitiba, que vai desenvolver um gateway de telemetria para colhedoras e tratores da CNH Industrial, grupo italiano e grande fabricante mundial de equipamentos agrícolas do Grupo Fiat. Esse gateway está coletando mais de mil indicadores do maquinário a uma taxa de leitura de dez vezes por segundo.

A empresa foi criada, em novembro de 2017, por Jorge Leal, Eleandro Gaiski e Ronaldo Rissado, e o Pulse será sua primeira aceleradora. “Já comercializamos vários equipamentos, e nosso objetivo é reduzir o consumo do diesel das máquinas em pelo menos 10%, diz Jorge Leal, CEO da IoTag.

Bayer lança programa próprio

No início de 2018, a Bayer criou o Programa Agrotech. Junto com a Câmara Alemã de Comércio e o Sebrae, realizou algumas iniciativas até optar por um projeto com marca própria. Jean Soares, diretor de TI para o agronegócio da Bayer, diz que a empresa criou conexões com 50 startups e trabalhou, de alguma forma, com 15.

“Realizamos dois eventos reunindo empresas que já fazem inovação aberta, como Samsung, Itaú e Raízen. Nesses eventos, identificamos as empresas com as quais queremos trabalhar com mentoria e provas de conceito nos nossos clientes. Temos o portal de fidelização Bayer Agroservices, e a ideia é colocarmos as startups no portfólio de serviços”, explica Soares

Investidores de olho no agro

As agtechs também atraem a atenção de fundos de venture capital, que investem em startups. Francisco Jardim, sócio de fundador do SP Ventures, informa que o fundo tem R$ 100 milhões e é o que mais investe no segmento na América Latina com 80% da carteira compostos por agtechs, num total de 13 empresas. “Somos também co-fundadores de uma incubadora em Piracicaba em parceria com a Raízen”, diz Jardim.

Entre as empresas apoiadas pelo fundo, está a Agrosmart, plataforma de agricultura digital criada em 2014, que trabalha com o monitoramento de lavoura, por meio de pluviômetros digitais, previsão do tempo e dados obtidos a partir sensores de clima, solo e plantação instalados no campo e de fotos de satélite. Mariana Vasconcelos, fundadora da empresa ao lado de Raphael Pizzi e Thales Nicoleti, informa que a Agrosmart passou por diversas aceleradoras, como Baita por meio do Startup Brasil, e Google Launchpad. E opera em nove países.

“Além do aporte financeiro e da imersão no Vale do Silício, participamos do programa de aceleração da Thrive, um dos principais no mundo no segmento de Agtech, e do Climate Ventures, programa do governo Barak Obama que visava a fomentar soluções voltadas às mudanças climáticas. Em 2015, recebemos o primeiro investimento por meio do programa Startup Brasil, e, em 2016, o aporte da SPVentures”, Mariana.

Já o Inseed iniciou atividade em 2009 como gestor do Createc I, fundo de investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Paulo Tomazela, general partner do Inseed, diz que o fundo era multissetorial e apoiou 36 empresas, das quais oito eram agrícolas.

“Já o Createc III conta com R$ 300 milhões, já tendo aplicado um terço em 12 empresas, sendo duas agtechs. Nosso pipeline tem em análise ainda muitas startups agrícolas. Temos ainda o FIMA, focado em meio ambiente e sustentabilidade, que apoia uma startup agrícola, a Smartbreeder”, diz Tomazela.

Alessandro Machado, sócio da Cedro Capital, informa que a empresa é uma asset de Brasília que opera um fundo FIP regional. O fundo Venture Brasil Central conta com R$ 55 milhões para investimento em empresas de tecnologia nos estados do Centro-Oeste, Tocantins e Minas Gerais. “No ano passado, o Sebrae fez uma chamada para selecionar fundos e fomos selecionados. Investimos em oito empresas, sendo uma agritech, a Gira”, explica Machado.

Big data e bebedouro inteligente

A Smartbreeder,foi criada em 2009 e passou a operar em 2015. A empesa usa é focada em inteligência agronômica digital e usa inteligência artificial, big data, computação cognitiva e dados em nuvem para automatizar a gestão e a tomada de decisão no manejo de culturas agrícolas. “Através de milhões de dados e algoritmos proprietários apontamos onde, quando e como utilizar cada insumo agrícola, definindo a estratégia mais racional, econômica e ambientalmente correta”, diz Eder Antônio, CEO da Smartbreeder.

A Intergado, outra apoiada pelo Inseed, desenvolve soluções de pecuária de precisão. Marcelo Ribas, CEO da Intergado, diz que a empresa oferece dois serviços: monitoração de engorda intensiva para avaliar desempenho; e cochos (dispositivo de alimentação) eletrônicos para avaliação de eficiência alimentar, com a data a hora e o que o animal comeu.

“Os animais contam com boton auricular e nosso equipamento, com antena leitora que identifica o animal. A pesagem é feita por uma plataforma instalada em frente ao bebedouro. O animal é monitorado se bebeu água e se alimentou e qual o mais eficiente para converter o alimento em carne”, explica Ribas.

Também operando com dados, a TBIT surgiu em 2008 para aplicar a visão computacional e inteligência artificial para reconhecer padrões substituir análise de qualidade no agronegócio feita por humanos. “Pegamos testes de qualidade de negociação de grãos e sementes e fazemos as análises por software. Isso traz transparência nas negociações”, diz Igor Chalfoun, CEO.

Riscos na produção agrícola

A Gira (Gestão Integrada de Recebíveis do Agronegócio) é uma startup focada na análise de riscos da produção agrícola. Gianpaolo Zambiazi, CEO da empresa, diz que a solução permite o acompanhamento da produção por meio de análises jurídicas e agronômicas. O objetivo é auxiliar a gestão de recebíveis para agroindústrias, distribuidores de insumos, cooperativas e tradings. A empresa recebeu investimento do Venture Brasil Central, selecionada pelo programa Pontes para Inovação, da Embrapa.

“Temos mil engenheiros agrônomos e 50 advogados que fazem a vistoria in loco. Por meio de um aplicativo celular, as informações são coletadas no campo, de acordo com os indicadores econômicos de cada lavoura. Já temos R$ 1 bilhão de crédito na plataforma”, diz Zambiazi. A empresa desenvolve, atualmente, um método de gestão baseado em blockchain.

Rastreador bovino

A Ecoboi é outra empresa de tecnologia pecuária, fornecendo um rastreador de bovinos em formato de colar que utiliza dados transmitidos via satélite e registrando os locais por que o animal passou durante todo o período de engorda. A tecnologia foi criada por meio de uma parceria entre a startup e a Tracking System e a Globalstar, operadora de satélites.

“Essa é a terceira versão do equipamento, que é homologado pela Anatel e tem bateria para atender todo o ciclo de vida do animal. Normalmente, coloca-se o colar no animal aos dez meses. O período mínimo de engorda é de 18 meses. Depois do abate, o produtor recolhe o colar, que pode ser usado por até três ciclos”; explica Marcos Moraes, diretor da Tracking System.

Por meio da georreferência, é possível monitorar se o animal alimentou-se, hidratou-se, se esteve em áreas de preservação ambiental ou se teve contato com outros rebanhos com casos de contaminação.

Agro e cidades inteligentes

O CPqD, um dos mais antigos centros de inovação brasileiros, teve aprovado pelo BNDES três projetos-pilotos – nas áreas de agronegócio e de cidades inteligentes -, dentro da chamada pública lançada pelo banco em junho do ano passado com recursos de R$ 30 milhões, revela Fabrício Lira Figueiredo, gerente de desenvolvimento de negócios em agronegócio Inteligente do centro.

O “Piloto IoT Grãos e Fibra” para culturas de milho, soja e algodão cujas soluções IoT serão avaliadas nas fazendas localizadas em Diamantino (MT), e em Correntina (BA) da SLC Agrícola. Já o “Piloto IoT Cana-de-Açúcar” vai validar soluções nas usinas do Grupo São Martinho, em Pradópolis, no interior de São Paulo. O terceiro piloto é o” IoT Grãos e Pecuária”, que tem como produtor parceiro a Boa Esperança Agropecuária e será implantado em Lucas do Rio Verde (MT).

Entre as startups do projeto, está a Pluvion criada em 2016. A empresa desenvolveu uma estação meteorológica de baixo custo e conectividade IoT, em parceria com o CPqD, para melhor a assertividade das previsões meteorológicas do local. Segundo Diogo Tolezano, fundador e CEO da Pluvion, a empresa participa de dois projetos de agro: uma plantação de cana-de-açúcar, no interior de São Paulo, e uma fazenda de soja em Mato Grosso.

“Capitamos recursos da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) junto com o Sebrae para aplicar no P&D da estação meteorológica. A solução usa conectividade IoT nos padrões ZigFox, nas cidades, e Lora, no campo, pois são mais baratos que a rede celular. A empresa já passou por acelerações programas da Red Bull, do Google Campus e do Facebook. E foi a primeira startup convidada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para uma plataforma de cidades”, diz Tolezano.

O uso de drones e aeronaves também se disseminou. Fabrício Hertz, CEO Hórus Aeronaves, diz que a empresa usa drones e tecnologias de inteligência artificial para gerar diagnósticos agronômicos para melhorar a produtividade e reduzir o consumo de insumos. “A solução permite 20% de aumento de produtividade e 50% de economia”, conclui, Hertz." Fonte:Carmen Nery, especial para a Gazeta do Povo Mais informações: https://www.gazetadopovo.com.br/economia Leia mais em scrural.sc 25/04/2019

25 abril 2019



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